Imagine a seguinte situação
hipotética:
Durante a sessão de julgamento no
Tribunal do Júri, após horas do início do julgamento, o Promotor de Justiça fez
a leitura de um trecho de denúncia ofertada contra o réu em outra ação penal.
O advogado impugnou a leitura,
afirmando que o documento não havia sido juntado aos autos com antecedência
mínima de 3 dias.
O Promotor informou que se
tratava de um trecho de denúncia mencionada na folha de antecedentes constante
dos autos.
O advogado aduziu que a exibição
do documento (trecho de denúncia) contaminou os jurados e o julgamento,
requerendo a dissolução do Conselho de Sentença.
O juiz decidiu que o documento não estava sujeito à vedação
prevista no art. 479 do CPP, nos termos do parágrafo único do citado
dispositivo:
Art. 479. Durante o julgamento não será permitida a
leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos
autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à
outra parte.
Parágrafo único. Compreende-se na proibição deste artigo a
leitura de jornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos,
gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio
assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à
apreciação e julgamento dos jurados.
Ademais, verificou o trecho
estava mencionado em certidão de antecedentes constante nos autos. Por conta
disso, indeferiu o pedido de dissolução do conselho de sentença.
O advogado, diante da decisão,
comunicou seu abandono do plenário, afirmando a impossibilidade de continuar
exercendo a defesa, diante do prejuízo para seu cliente.
Diante da recusa do defensor em
continuar na defesa do réu neste Julgamento, estando o acusado sem defesa
técnica, o juiz dissolveu o Conselho de Sentença e cancelou o julgamento.
O Juiz
proferiu decisão remarcando a sessão do júri e aplicando, contra o advogado,
multa de 10 salários-mínimos, por abandono do processo, nos termos do art. 265
do CPP:
Art. 265. O defensor não poderá
abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz,
sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das
demais sanções cabíveis.
O advogado impetrou, no Tribunal
de Justiça, mandado de segurança, alegando que:
1) a multa do art. 265 do CPP
viola os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório;
2) não ficou concretamente
configurado o abandono da causa, nos termos do art. 265 do CPP, porque ele (advogado)
continuou a patrocinando a defesa do seu cliente, praticando outros atos
processuais depois. Logo, não abandonou o processo, tendo simplesmente
abandonado aquele julgamento, como estratégia de defesa.
O TJ manteve a decisão e houve a
interposição de recurso ao STJ.
Em primeiro lugar, cumpre
perguntar: o art. 265 do CPP é compatível com o contraditório e a ampla defesa
assegurados constitucionalmente?
SIM.
O STJ firmou entendimento pela
constitucionalidade do art. 265 do CPP, cuja aplicação não acarreta ofensa ao
contraditório e à ampla defesa, mas representa, isto sim, estrita observância
do regramento legal.
O não comparecimento de advogado a
audiência sem apresentar prévia ou posterior justificativa plausível
para sua ausência, pode ser
qualificado como abandono de causa que autoriza a imposição da multa prevista
no art. 265 do CPP.
STJ. 5ª Turma. AgInt no RMS 58.366/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas,
julgado em 19/03/2019.
É constitucional a multa imposta ao defensor por abandono do
processo, prevista no art. 265 do CPP.
A previsão da multa afigura-se compatível com os princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade.
A multa não se mostra inadequada nem desnecessária. Ao
contrário, mostra-se razoável como meio prévio para evitar o comportamento
prejudicial à administração da justiça e ao direito de defesa do réu, tendo em
vista a imprescindibilidade da atuação do profissional da advocacia para o
regular andamento do processo penal.
A multa do art. 265 do CPP não ofende o contraditório, a ampla
defesa, o devido processo legal ou a presunção de não culpabilidade. Não há
necessidade de instauração de processo autônomo e de manifestação prévia do
defensor, no entanto, é possível que ele, posteriormente, se justifique por meio
de pedido de reconsideração. Outra alternativa é a impetração de mandado de
segurança.
STF. Plenário. ADI 4398, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em
05/08/2020 (Info 993).
A conduta do advogado de
abandonar o plenário do Júri (como estratégia de defesa) pode configurar
abandono do processo, ensejando a multa do art. 265 do CPP?
SIM. É a posição que tem
prevalecido no STJ:
O STJ tem rechaçado a postura de abandonar o plenário do Júri
como tática da defesa, considerando se tratar de conduta que configura, sim,
abandono processual, apto, portanto, a atrair a aplicação da multa do art. 265
do CPP.
STJ. 5ª Turma.
RMS 54.183-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Reynaldo Soares
da Fonseca, julgado em 13/08/2019 (Info 658).
STJ. 5ª
Turma. AgRg no RMS 63.152-SC, Rel. Min. Messod Azulay Neto, julgado em 6/3/2023
(Info 769).
No caso, a defesa abandonou a
sessão plenária, inconformada com a leitura de uma peça pela acusação, como
tática de defesa. Contudo, como observado pelo acórdão recorrido, “abandonar um
processo em curso, por mero inconformismo com o decidido em plenário, é tática
processual que afronta a Justiça, notadamente quando se trata de uma sessão do
Tribunal do Júri, cuja preparação é consideravelmente dispendiosa, inclusive em
termos financeiros para o Estado”.
Além disso, fundamentos invocados
pela Corte de origem motivam a manutenção da multa aplicada, pois “segundo o
art. 265 do CPP, o defensor não pode abandonar o processo, senão por motivo
imperioso, sob pena de multa. Ora, não há que se falar em motivo imperioso
quando o advogado, ao invés de buscar a reforma da decisão/anulação do
julgamento, pela via processual adequada, simplesmente abandona o plenário,
obstando a continuidade da Sessão. Assim, nos termos do art. 265 do CPP,
aplicam-se aos defensores, solidariamente, multa no valor de 50 (cinquenta)
salários mínimos, considerando, como parâmetro, o custo para realização de uma
sessão de julgamento do Tribunal do Júri”.
O argumento do advogado no
sentido de que não abandonou o processo, tanto que continuou praticando outros
atos após o julgamento adiado, é suficiente para afastar a multa do art. 265 do
CPP?
NÃO.
A desídia injustificada na prática de ato processual se enquadra
no conceito de abandono e autoriza a aplicação da multa do art. 265 do Código
de Processo Penal, não sendo necessário o definitivo afastamento do patrocínio da causa.
Também é assente o entendimento de não haver ofensa ao contraditório ou à ampla
defesa na sua cominação, prevista expressamente na Lei processual, motivo pelo
qual é descabido falar em ausência de previsão legal.
Na espécie, foi configurado o abandono do processo, pois o
Causídico, inconformado com o indeferimento de pedido de adiamento da sessão de
julgamento do Júri, absteve-se de prosseguir na defesa do réu naquela sessão,
ao invés de buscar os recursos cabíveis para a impugnação da decisão da qual
não concordava.
“Esta Corte Superior possui entendimento de que a postura do
advogado de abandonar o plenário do Júri impõe a aplicação da multa prevista no
art. 265 do Código de Processo Penal” (AgRg no REsp 1.636.861/SC, Rel. Ministro
RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/03/2020, DJe 10/03/2020).
STJ. 6ª Turma. AgRg
no RMS 64.491/PE, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 15/2/2022.
DOD Plus –
informações complementares
Essa multa pode ser aplicada
mesmo que quem esteja atuando seja o Defensor Público?
SIM.
O fato de o juiz aplicar a
multa prevista no art. 265 do CPP contra o advogado ou Defensor Público viola a
autonomia da OAB e da Defensoria Pública, que têm a competência legal de impor
sanções contra infrações disciplinares de seus membros?
NÃO.
A punição do advogado, nos termos do art. 265 do CPP, não entra
em conflito com sanções aplicáveis pelos órgãos a que estão vinculados os
causídicos, uma vez que estas têm caráter administrativo, e a multa do Código
de Processo Penal tem caráter processual.
As instâncias judicial-penal e administrativa são independentes.
Além disso, o próprio texto da norma ressalva a possibilidade de
aplicação de outras sanções.
O reconhecimento de que os advogados, membros do Ministério
Público e da Defensoria Pública exercem funções essenciais à Justiça não lhes
outorga imunidade absoluta.
STJ. 5ª Turma.
RMS 54.183-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Reynaldo Soares
da Fonseca, julgado em 13/08/2019 (Info 658).
A multa do art. 265 do CPP
deve ser aplicada contra o Defensor Público ou contra a Defensoria Pública?
Contra a Defensoria Pública.
O Defensor Público atua institucionalmente, não sendo razoável
responsabilizá-lo pessoalmente se atuou em sua condição de agente presentante
do órgão da Defensoria Pública.
Assim, as sanções aplicadas aos seus membros, nesse contexto,
devem ser suportadas pela instituição, sem prejuízo de eventual ação
regressiva, acaso verificado excesso nos parâmetros ordinários de atuação
profissional, com abuso do direito de defesa:
A multa por abandono do plenário do júri por defensor público,
com base no art. 265 do CPP, deve ser suportada pela Defensoria Pública, sem
prejuízo de eventual ação regressiva.
STJ. 5ª Turma.
RMS 54.183-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Reynaldo Soares
da Fonseca, julgado em 13/08/2019 (Info 658).