Dizer o Direito

segunda-feira, 1 de maio de 2023

A conduta do advogado ou Defensor Público de abandonar o plenário do Júri (como estratégia de defesa) configura abandono do processo para os fins da multa do art. 265 do CPP?

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Durante a sessão de julgamento no Tribunal do Júri, após horas do início do julgamento, o Promotor de Justiça fez a leitura de um trecho de denúncia ofertada contra o réu em outra ação penal.

O advogado impugnou a leitura, afirmando que o documento não havia sido juntado aos autos com antecedência mínima de 3 dias.

O Promotor informou que se tratava de um trecho de denúncia mencionada na folha de antecedentes constante dos autos.

O advogado aduziu que a exibição do documento (trecho de denúncia) contaminou os jurados e o julgamento, requerendo a dissolução do Conselho de Sentença.

O juiz decidiu que o documento não estava sujeito à vedação prevista no art. 479 do CPP, nos termos do parágrafo único do citado dispositivo:

Art. 479.  Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte.

Parágrafo único.  Compreende-se na proibição deste artigo a leitura de jornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados.

 

Ademais, verificou o trecho estava mencionado em certidão de antecedentes constante nos autos. Por conta disso, indeferiu o pedido de dissolução do conselho de sentença.

O advogado, diante da decisão, comunicou seu abandono do plenário, afirmando a impossibilidade de continuar exercendo a defesa, diante do prejuízo para seu cliente.

Diante da recusa do defensor em continuar na defesa do réu neste Julgamento, estando o acusado sem defesa técnica, o juiz dissolveu o Conselho de Sentença e cancelou o julgamento.

O Juiz proferiu decisão remarcando a sessão do júri e aplicando, contra o advogado, multa de 10 salários-mínimos, por abandono do processo, nos termos do art. 265 do CPP:

Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

 

O advogado impetrou, no Tribunal de Justiça, mandado de segurança, alegando que:

1) a multa do art. 265 do CPP viola os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório;

2) não ficou concretamente configurado o abandono da causa, nos termos do art. 265 do CPP, porque ele (advogado) continuou a patrocinando a defesa do seu cliente, praticando outros atos processuais depois. Logo, não abandonou o processo, tendo simplesmente abandonado aquele julgamento, como estratégia de defesa.

O TJ manteve a decisão e houve a interposição de recurso ao STJ.

 

Em primeiro lugar, cumpre perguntar: o art. 265 do CPP é compatível com o contraditório e a ampla defesa assegurados constitucionalmente?

SIM.

O STJ firmou entendimento pela constitucionalidade do art. 265 do CPP, cuja aplicação não acarreta ofensa ao contraditório e à ampla defesa, mas representa, isto sim, estrita observância do regramento legal.

O não comparecimento de advogado a audiência sem apresentar prévia ou posterior justificativa plausível

para sua ausência, pode ser qualificado como abandono de causa que autoriza a imposição da multa prevista no art. 265 do CPP.

STJ. 5ª Turma. AgInt no RMS 58.366/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 19/03/2019.

 

É constitucional a multa imposta ao defensor por abandono do processo, prevista no art. 265 do CPP.

A previsão da multa afigura-se compatível com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

A multa não se mostra inadequada nem desnecessária. Ao contrário, mostra-se razoável como meio prévio para evitar o comportamento prejudicial à administração da justiça e ao direito de defesa do réu, tendo em vista a imprescindibilidade da atuação do profissional da advocacia para o regular andamento do processo penal.

A multa do art. 265 do CPP não ofende o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal ou a presunção de não culpabilidade. Não há necessidade de instauração de processo autônomo e de manifestação prévia do defensor, no entanto, é possível que ele, posteriormente, se justifique por meio de pedido de reconsideração. Outra alternativa é a impetração de mandado de segurança.

STF. Plenário. ADI 4398, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 05/08/2020 (Info 993).

 

A conduta do advogado de abandonar o plenário do Júri (como estratégia de defesa) pode configurar abandono do processo, ensejando a multa do art. 265 do CPP?

SIM. É a posição que tem prevalecido no STJ:

O STJ tem rechaçado a postura de abandonar o plenário do Júri como tática da defesa, considerando se tratar de conduta que configura, sim, abandono processual, apto, portanto, a atrair a aplicação da multa do art. 265 do CPP.

STJ. 5ª Turma. RMS 54.183-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/08/2019 (Info 658).

 

 

No caso, a defesa abandonou a sessão plenária, inconformada com a leitura de uma peça pela acusação, como tática de defesa. Contudo, como observado pelo acórdão recorrido, “abandonar um processo em curso, por mero inconformismo com o decidido em plenário, é tática processual que afronta a Justiça, notadamente quando se trata de uma sessão do Tribunal do Júri, cuja preparação é consideravelmente dispendiosa, inclusive em termos financeiros para o Estado”.

Além disso, fundamentos invocados pela Corte de origem motivam a manutenção da multa aplicada, pois “segundo o art. 265 do CPP, o defensor não pode abandonar o processo, senão por motivo imperioso, sob pena de multa. Ora, não há que se falar em motivo imperioso quando o advogado, ao invés de buscar a reforma da decisão/anulação do julgamento, pela via processual adequada, simplesmente abandona o plenário, obstando a continuidade da Sessão. Assim, nos termos do art. 265 do CPP, aplicam-se aos defensores, solidariamente, multa no valor de 50 (cinquenta) salários mínimos, considerando, como parâmetro, o custo para realização de uma sessão de julgamento do Tribunal do Júri”.

 

O argumento do advogado no sentido de que não abandonou o processo, tanto que continuou praticando outros atos após o julgamento adiado, é suficiente para afastar a multa do art. 265 do CPP?

NÃO.

A desídia injustificada na prática de ato processual se enquadra no conceito de abandono e autoriza a aplicação da multa do art. 265 do Código de Processo Penal, não sendo necessário o definitivo afastamento do patrocínio da causa. Também é assente o entendimento de não haver ofensa ao contraditório ou à ampla defesa na sua cominação, prevista expressamente na Lei processual, motivo pelo qual é descabido falar em ausência de previsão legal.

Na espécie, foi configurado o abandono do processo, pois o Causídico, inconformado com o indeferimento de pedido de adiamento da sessão de julgamento do Júri, absteve-se de prosseguir na defesa do réu naquela sessão, ao invés de buscar os recursos cabíveis para a impugnação da decisão da qual não concordava.

“Esta Corte Superior possui entendimento de que a postura do advogado de abandonar o plenário do Júri impõe a aplicação da multa prevista no art. 265 do Código de Processo Penal” (AgRg no REsp 1.636.861/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/03/2020, DJe 10/03/2020).

STJ. 6ª Turma. AgRg no RMS 64.491/PE, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 15/2/2022.

 

 

DOD Plus – informações complementares

Essa multa pode ser aplicada mesmo que quem esteja atuando seja o Defensor Público?

SIM.

 

O fato de o juiz aplicar a multa prevista no art. 265 do CPP contra o advogado ou Defensor Público viola a autonomia da OAB e da Defensoria Pública, que têm a competência legal de impor sanções contra infrações disciplinares de seus membros?

NÃO.

A punição do advogado, nos termos do art. 265 do CPP, não entra em conflito com sanções aplicáveis pelos órgãos a que estão vinculados os causídicos, uma vez que estas têm caráter administrativo, e a multa do Código de Processo Penal tem caráter processual.

As instâncias judicial-penal e administrativa são independentes.

Além disso, o próprio texto da norma ressalva a possibilidade de aplicação de outras sanções.

O reconhecimento de que os advogados, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública exercem funções essenciais à Justiça não lhes outorga imunidade absoluta.

STJ. 5ª Turma. RMS 54.183-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/08/2019 (Info 658).

 

A multa do art. 265 do CPP deve ser aplicada contra o Defensor Público ou contra a Defensoria Pública?

Contra a Defensoria Pública.

O Defensor Público atua institucionalmente, não sendo razoável responsabilizá-lo pessoalmente se atuou em sua condição de agente presentante do órgão da Defensoria Pública.

Assim, as sanções aplicadas aos seus membros, nesse contexto, devem ser suportadas pela instituição, sem prejuízo de eventual ação regressiva, acaso verificado excesso nos parâmetros ordinários de atuação profissional, com abuso do direito de defesa:

A multa por abandono do plenário do júri por defensor público, com base no art. 265 do CPP, deve ser suportada pela Defensoria Pública, sem prejuízo de eventual ação regressiva.

STJ. 5ª Turma. RMS 54.183-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/08/2019 (Info 658).

 


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