Dizer o Direito

quarta-feira, 31 de maio de 2023

INFORMATIVO Comentado 771 STJ (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 771 DO STJ


DIREITO CIVIL

BEM DE FAMÍLIA

§  O fato de o bem imóvel ter sido adquirido no curso da demanda executiva não afasta a impenhorabilidade do bem de família.

 

DIREITO DO CONSUMIDOR

RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO

§  Não é possível responsabilizar o fabricante de medicamento por reação adversa descrita na bula, risco inerente ou intrínseco à sua própria utilização.

 

DIREITO DO CONSUMIDOR

SOCIEDADES EMPRESÁRIAS

§  O cumprimento de sentença cobrando a apuração dos haveres pode ser proposto contra a sociedade empresária, mesmo que ela não tenha figurado no polo passivo da ação de dissolução parcial de sociedade

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

§  Em embargos de terceiro extintos sem resolução do mérito por ausência de interesse processual, aplica-se o Tema 1076, impondo-se o arbitramento de honorários ao patrono do vencedor no percentual de 10% a 20% sobre o valor atualizado da causa.

 

SENTENÇA

§  Empresa pediu para que o banco fosse condenado a ressarcir o prejuízo com processo judicial iniciado por emitente de cheque indevidamente compensado; juiz condenou o banco a pagar o valor do cheque; essa decisão é extra petita.

 

AÇÃO RESCISÓRIA

§  A ausência de intimação da decisão que implicou o provimento parcial do recurso interposto pela parte contrária é sempre prejudicial ao recorrido, sendo cabível o manejo de ação rescisória.

 

RECURSOS

§  A cópia de calendário obtido na página eletrônica do tribunal de origem pode ser considerada documento idôneo para fins de comprovação de interrupção ou suspensão de prazo processual.

 

EXECUÇÃO

§  Na hipótese de execução de dívida de natureza não alimentar, é possível a penhora de salário, ainda que este não exceda 50 salários mínimos, quando garantido o mínimo necessário para a subsistência digna do devedor e de sua família.

 

PRECATÓRIOS

§  O crédito inscrito em precatório oriundo de ação previdenciária pode ser objeto de cessão a terceiros.

 

DIREITO PENAL

AMEAÇA

§  A contratação de serviços espirituais para provocar a morte de autoridades não configura crime de ameaça.

 

CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO (RECEPTAÇÃO)

§  A receptação, em sua forma qualificada, demanda especial qualidade do sujeito ativo, que deve ser comerciante ou industrial.

 

CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

§  O crime do art. 19 da Lei 7.492/86 se consuma no momento em que assinado o contrato de obtenção de financiamento mediante fraude, ainda que o dinheiro não seja liberado.

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVAS

§  Se o reconhecimento fotográfico realizado na fase judicial não observou os procedimentos previstos no art. 226 do CPP, constitui ele prova ilícita, que não se presta para dar suporte à condenação.

 

EXECUÇÃO PENAL

§  Se o condenado está cumprindo pena de reclusão e foi novamente condenado, agora à pena de detenção, deverá haver a unificação das penas, nos termos do art. 111 da LEP.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMPOSTO DE RENDA

§  É exigível IRRF e CIDE sobre as remessas ao exterior de valores relativos à prestação de serviços de telefonia internacional (tráfego sainte).


A contratação de serviços espirituais para provocar a morte de autoridades não configura crime de ameaça

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

Larissa, sobrinha do Prefeito, era Secretária de Saúde do Município.

João, o Prefeito, passou a ser investigado por crimes contra a dignidade sexual de crianças, sendo, inclusive, preso e afastado temporariamente do cargo.

Irresignada com a investigação levada a efeito contra seu tio, Larissa resolveu procurar Nair, conhecida na cidade por realizar rituais de magia com intenções maléficas.

Larissa pagou à Nair R$ 5 mil para que ela realizasse serviços espirituais destinados a provocar a morte do Delegado de Polícia, do Promotor de Justiça, do Presidente da Câmara de Vereadores e de um jornalista que teria noticiado os supostos crimes praticados pelo Prefeito.

Acontece que Nair, logo depois de receber a quantia, procurou o jornalista (que seria uma das vítimas dos rituais místicos) e relatou a ele todo ocorrido, argumentando que tinha muita consideração por ele e, em razão disso, não poderia fazer nenhum ritual em seu desfavor, tendo fingido que concordava apenas para reunir provas contra Larissa.

Nair entregou ao jornalista áudios e prints das conversas com a sobrinha do Prefeito.

O jornalista procurou a polícia e representou contra Larissa pelo crime de ameaça.

Diante desses fatos, o juiz deferiu pedido de busca e apreensão na residência de Laís, além da quebra do sigilo dos dados telemáticos do celular dela. Por ocasião de perícia no aparelho celular, a polícia encontrou a fotografia de uma adolescente nua.

O Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de Larissa pelos crimes de ameaça (art. 147, caput, por sete vezes) e por armazenamento de fotografia contendo cena pornográfica de adolescente (art. 241-B c/c art. 241-E, do ECA), em concurso material (art. 69, do CP).

 

Habeas corpus

A defesa de Larissa impetrou habeas corpus, alegando que estaria sofrendo constrangimento ilegal pelos seguintes fatos:

- a investigação foi deflagrada por autoridade policial suspeita, tendo em vista que o próprio Delegado figura como vítima dos fatos em investigação;

- nunca houve qualquer declaração pública da paciente que pudesse ser enquadrada no crime de ameaça.

 

O TJ/GO denegou a ordem.

Inconformada, Larissa impetrou novo habeas corpus, agora no STJ, reiterando todas as suas alegações.

 

O STJ concordou com o pedido da defesa?

SIM.

O delito de ameaça somente pode ser cometido dolosamente, ou seja, deve estar configurada a intenção do agente de provocar medo na vítima. Confira a redação do tipo penal:

Art. 147. Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

 

No caso concreto, não houve nenhuma conduta da paciente direcionada a causar temor nas vítimas.

Não houve nenhuma menção a respeito da intenção em infundir temor, mas tão somente foi narrada a contratação de trabalho espiritual visando a “eliminar diversas pessoas”.

Não ficou demonstrado que a ré teve a vontade livre e consciente de intimidar os ofendidos. A conduta dela consistiu em contratar uma “profissional especializada” que trabalha com esse tipo serviço - que se pode denominar de metafísico -, a fim de que fosse causado mal grave e injusto aos ofendidos.

A paciente esperava que a profissional mantivesse o sigilo, o que, contra sua vontade, não ocorreu. Não há, portanto, o dolo de ameaça, dirigida, direta ou indiretamente, aos ofendidos, como exige a objetividade jurídica do tipo penal.

Além disso, o tipo penal do art. 147 do CP, ao definir o delito de ameaça, descreve que o mal prometido deve ser injusto e grave, ou seja, deve ser sério e verossímil. A ameaça, portanto, deve ter potencialidade de concretização, sob a perspectiva da ciência e do homem médio, situação também não demonstrada no caso.

Diante das circunstâncias, a instauração do inquérito policial, e as medidas cautelares determinadas, bem como a ação penal, porquanto baseadas em fato atípico (ameaça), são nulas, e consequentemente a imputação pela prática do crime previsto no art. 241-B, c/c o art. 241-E, ambos do ECA.

 

Em suma:

A contratação de serviços espirituais para provocar a morte de autoridades não configura crime de ameaça.

STJ. 6ª Turma. HC 697.581-GO, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 7/3/2023 (Info 771).

 

DOD Plus – não confundir com julgado correlato

A extorsão pode ser praticada mediante a ameaça feita pelo agente de causar um “mal espiritual” na vítima

O crime de extorsão consiste em “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa”.

A ameaça de causar um “mal espiritual” contra a vítima pode ser considerada como "grave ameaça" para fins de configuração do crime de extorsão?

SIM. Configura o delito de extorsão (art. 158 do CP) a conduta do agente que submete vítima à grave ameaça espiritual que se revelou idônea a atemorizá-la e compeli-la a realizar o pagamento de vantagem econômica indevida.

STJ. 6ª Turma. REsp 1299021-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/2/2017 (Info 598).


segunda-feira, 29 de maio de 2023

Na hipótese de execução de dívida de natureza não alimentar, é possível a penhora de salário, ainda que este não exceda 50 salários mínimos, quando garantido o mínimo necessário para a subsistência digna do devedor e de sua família

Impenhorabilidade dos vencimentos (verbas salariais) do devedor

O art. 833 do CPC/2015 estabelece um rol de bens que não podem ser objeto de penhora. Dentre eles, veja o que diz o inciso IV:

Art. 833.  São impenhoráveis:

(...)

IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;

 

Duas exceções expressa a essa impenhorabilidade: prestação alimentícia e montante acima de 50 s.m.

O CPC/2015 previu duas exceções a essa regra de impenhorabilidade e afirmou que é possível a penhora dos vencimentos (verba salarial) do devedor:

1) para pagamento de prestação alimentícia (qualquer que seja a sua origem, ou seja, pode ser pensão alimentícia decorrente de poder familiar, de parentesco ou mesmo derivada de um ato ilícito).

Ex: Pedro atropelou Júlia e foi condenado a pagar à vítima prestação alimentícia pelo período em que ela ficar sem trabalhar. O salário de Pedro poderá ser penhorado para pagar essa dívida, sem que ele possa invocar a regra da impenhorabilidade.

 

2) sobre o montante que exceder 50 salários-mínimos.

Ex: João tem uma conta bancária onde recebe sua remuneração. Como ele gasta pouco, vai guardando o que sobra de seu salário nesta conta. Atualmente, lá tem depositada a quantia equivalente a 70 salários-mínimos. Neste caso, se João sofrer uma execução, será possível penhorar 20 salários-mínimos de sua conta.

Veja a redação do art. 833, § 2º do CPC/2015:

Art. 833 (...)

§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.

 

É possível a penhora de salário fora das exceções previstas no § 2º do art. 833 do CPC?

Seria possível admitir outras exceções à regra da impenhorabilidade além daquelas previstas no § 2º do art. 833 do CPC? Dizendo de outro modo: seria permitida a penhora das verbas salariais do devedor para outras situações além da prestação alimentícia e do que ultrapassar o montante de 50 salários-mínimos?

O STJ respondeu que SIM.

O STJ definiu, em embargos de divergência, que é possível a penhora de salário, ainda que este não exceda 50 salários mínimos, para pagamento de outras dívidas, além da prestação alimentícia, desde que essa penhora preserve um valor que seja suficiente para o devedor e sua família continuarem vivendo com dignidade.

As palavras do Tribunal foram as seguintes:

Na hipótese de execução de dívida de natureza não alimentar, é possível a penhora de salário, ainda que este não exceda 50 salários mínimos, quando garantido o mínimo necessário para a subsistência digna do devedor e de sua família.

STJ. Corte Especial. EREsp 1.874.222-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 19/4/2023 (Info 771).

 

Exemplo

Flávio recebe salário de R$ 30 mil por mês.

Ricardo ajuizou execução contra Flávio.

O juiz determinou a penhora de 30% do salário de Flávio, todos os meses, até que a dívida que está sendo executada seja paga.

O STJ entendeu que essa penhora é válida e que não viola o art. 833, IV, do CPC/2015.

Assim, podemos dizer o seguinte:

Regra: os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios, os montepios etc. são, como regra geral, impenhoráveis.

 

Exceções expressas:

1) é possível a penhora das verbas salariais para pagamento de prestação alimentícia (qualquer que seja a sua origem, ou seja, pode ser pensão alimentícia decorrente de poder familiar, de parentesco ou mesmo derivada de um ato ilícito).

2) é possível a penhora sobre o montante que exceder 50 salários-mínimos.

 

Exceção implícita: é permitida a penhora para satisfação de dívida de natureza não alimentar, desde que a quantia bloqueada se revele razoável em relação à remuneração por recebida pelo executado, não afrontando a dignidade ou a subsistência do devedor e de sua família.

 

Credor também tem direito à tutela jurisdicional efetiva

A interpretação do preceito legal deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental.

A impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes.

Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais.

Esse juízo de ponderação entre os princípios simultaneamente incidentes na espécie há de ser solucionado à luz da dignidade da pessoa humana, que resguarda tanto o devedor quanto o credor, e mediante o emprego dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

 

Executado tem que agir com boa-fé

O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é permitido abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente.

 

Impenhorabilidade total e absoluta das verbas salariais é desproporcional

Ao suprimir a palavra “absolutamente” no caput do art. 833, o CPC/2015 passa a tratar a impenhorabilidade como relativa, permitindo que seja atenuada à luz de um julgamento principiológico, em que o julgador, ponderando os princípios da menor onerosidade para o devedor e da efetividade da execução para o credor, conceda a tutela jurisdicional mais adequada a cada caso, em contraponto a uma aplicação rígida, linear e inflexível do conceito de impenhorabilidade.

Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes.

Assim, a regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas, capazes de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família.

 

Autorização para penhora apenas do que sobejar 50 salários-mínimos não é um critério razoável

A fixação desse limite de 50 salários mínimos merece críticas, na medida em que se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo praticamente inócuo, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade, que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor e de sua família.

Segundo a doutrina:

“Restringir a penhorabilidade de toda a ‘verba salarial’, mesmo quando a penhora de uma parcela desse montante não comprometa a manutenção do executado, é interpretação inconstitucional da regra, pois prestigia apenas o direito fundamental do executado, em detrimento do direito fundamental do exequente. (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, Vol. 5. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 923)

 

Portanto, mostra-se possível a relativização do § 2º do art. 833 do CPC/2015, de modo a se autorizar a penhora de verba salarial inferior a 50 salários mínimos, em percentual condizente com a realidade de cada caso concreto, desde que assegurado montante que garanta a dignidade do devedor e de sua família.

Importante salientar, porém, que essa relativização reveste-se de caráter excepcional e dela somente se deve lançar mão quando restarem inviabilizados outros meios executórios que garantam a efetividade da execução e, repita-se, desde que avaliado concretamente o impacto da constrição sobre os rendimentos do executado.


domingo, 28 de maio de 2023

A cópia de calendário obtido na página eletrônica do tribunal de origem pode ser considerada documento idôneo para fins de comprovação de interrupção ou suspensão de prazo processual

Imagine a seguinte situação hipotética:

João ajuizou ação contra Pedro, tendo o pedido sido julgado improcedente.

O autor interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça manteve a sentença.

Ainda inconformado, João interpôs recurso especial contra o acórdão do TJ.

O prazo para interpor recurso especial é de 15 dias úteis.

João interpôs o recurso especial no último dia do prazo.

Na conferência para verificar se João interpôs o recurso tempestivamente, pode-se cair em uma armadilha e achar que ele perdeu o prazo. Isso porque no período entre a intimação do acórdão e a interposição do recurso, um dos dias foi Corpus Christi, que é um feriado (ou seja, dia não útil).

Assim, se a pessoa que está conferindo a tempestividade não desconsiderar esse dia, achará que João perdeu o prazo e que interpôs o REsp no 16º dia útil. No entanto, conforme expliquei, um desses dias era feriado (Corpus Christi) e, dessa forma, esse dia tem que ser excluído da contagem do prazo.

Repetindo: tirando sábados e domingos, João interpôs o recurso no 16º dia. Ocorre que um desses dias foi feriado de Corpus Christi. Logo, esse dia tem que ser excluído da contagem (porque não é dia útil). Isso significa que João interpôs o recurso no 15º dia útil e, portanto, o REsp é tempestivo.

 

O que aconteceu, no caso concreto?

A Presidência do STJ entendeu que o recurso especial seria intempestivo.

O problema foi justamente o feriado.

O Ministro afirmou que João não comprovou, de maneira adequada, no momento de interposição, a ocorrência do feriado de Corpus Christi. O Ministro utilizou, como fundamento, para a sua decisão, o art. 1.003, § 6º do CPC, que diz:

Art. 1.003 (...)

§ 6º O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso.

João não se conformou e interpôs agravo interno, alegando que ele comprovou devidamente que era feriado local. Isso porque juntou, com o recurso, cópia do calendário do Tribunal de Justiça (que está disponível na internet) e no qual consta que no dia xx foi feriado de Corpus Chirsti.

 

O argumento de João deve ser atualmente acolhido pelo STJ? A cópia de calendário obtido na página eletrônica do tribunal de origem pode ser considerada documento idôneo para fins de comprovação de interrupção ou suspensão de prazo processual?

Posição antiga do STJ: NÃO.

O STJ entendia que:

A cópia de calendário editado pelo tribunal de origem ou a simples relação de feriados extraída da internet não são hábeis a ensejar a comprovação da existência de feriado local, pois é necessária a juntada de cópia de lei ou de ato administrativo exarado pela Corte local comprovando a ausência de expediente forense na data em questão.

STJ. 3ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1.941.861/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/6/2022.

 

Posição atual do STJ: SIM.

 

A comprovação de suspensão do expediente no tribunal local pode ser realizada pelas partes e seus advogados de forma mais ampla, inclusive por meio da apresentação de documentos disponibilizados, via internet, pelos próprios Tribunais, diante de sua confiabilidade e de seu caráter informativo oficial.

Com base na Lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, deve-se reconhecer que as informações processuais disponibilizadas por meio da Internet, na página eletrônica dos Tribunais de Justiça e/ou Tribunais Regionais Federais, ostentam natureza oficial, gerando para as partes que as consultam a presunção de correção e confiabilidade.

A Lei nº 11.419/2006 confere caráter oficial às informações prestadas pelos Tribunais em sua página na internet, de maneira que, uma vez lançada a informação, no calendário judicial, da existência de suspensão de prazo, esta deve ser considerada para fins de contagem do lapso recursal.

O STJ tem decidido que as informações processuais divulgadas, via internet, pelos Tribunais possuem caráter oficial. Nesse sentido:

A divulgação do andamento processual pelos Tribunais por meio da internet passou a representar a principal fonte de informação dos advogados em relação aos trâmites do feito.

A jurisprudência deve acompanhar a realidade em que se insere, sendo impensável punir a parte que confiou nos dados assim fornecidos pelo próprio Judiciário.

STJ. Corte Especial. REsp 1324432/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 17/12/2012.

 

Assim, conclui-se que não há como afastar a oficialidade e a confiabilidade do calendário judicial disponibilizado pelos Tribunais na internet, para fins de comprovação da suspensão do expediente forense a influenciar na contagem dos prazos processuais. Portanto, é devida a sua juntada aos autos pela parte, oportunamente, para o fim de comprovar a tempestividade do recurso.

 

STF possui julgado no mesmo sentido:

Vale ressaltar que um dos motivos que contribuiu para o STJ mudar seu antigo posicionamento foi o fato de a 1ª Turma do STF ter decidido pela possibilidade de se considerar como válido o calendário dos Tribunais locais divulgados na internet:

O calendário disponível no sítio do Tribunal de Justiça que mostra os feriados na localidade é documento idôneo para comprovar a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso, nos termos do art. 1.003, § 6º do CPC/2015.

STF. 1ª Turma. RMS 36114/AM, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 22/10/2019 (Info 957).

sábado, 27 de maio de 2023

Em embargos de terceiro extintos sem resolução do mérito por ausência de interesse processual, aplica-se o Tema 1076, impondo-se o arbitramento de honorários ao patrono do vencedor no percentual de 10% a 20% sobre o valor atualizado da causa

TEMA 1076

Para entender o que decidiu o STJ, é necessário explicar novamente o que foi decidido no Tema 1076.

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

A empresa “ABC” Ltda ajuizou ação de cobrança contra a empresa “XYZ” Ltda cobrando R$ 1 milhão.

O juiz julgou o pedido improcedente, reconhecendo a prescrição.

A sentença condenou a empresa autora a pagar honorários advocatícios em favor do advogado da empresa ré no valor de apenas R$ 10 mil. O magistrado argumentou o seguinte:

- normalmente, a condenação em honorários advocatícios é fixada segundo os critérios do art. 85, § 2º do CPC:

Art. 85 (...)

§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:

I - o grau de zelo do profissional;

II - o lugar de prestação do serviço;

III - a natureza e a importância da causa;

IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

 

- ocorre que, se eu aplicasse esse dispositivo no caso concreto, os honorários seriam fixados entre 10% e 20% sobre R$ 1 milhão, ou seja, o advogado receberia entre R$ 100 mil a R$ 200 mil;

- esse valor seria muito alto para uma causa que foi resolvida de forma simples com o reconhecimento da prescrição;

- desse modo, como o valor da causa é muito elevado (R$ 1 milhão), os honorários devem ser fixados por apreciação equitativa, aplicando-se por analogia o art. 85, § 8º do CPC:

Art. 85 (...)

§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.

 

- fazendo uma apreciação equitativa, entendo que R$ 10 mil é um valor razoável para o trabalho do advogado.

O STJ concorda com o argumento do magistrado nesse caso hipotético acima narrado?

NÃO.

 

Se a condenação não envolver a Fazenda Pública, a regra geral é a do § 2º do art. 85

Se a condenação não envolver a Fazenda Pública, como regra, os honorários advocatícios deverão ser fixados de acordo com os critérios do § 2º do art. 85.

Desse modo, o § 2º do art. 85 do CPC/2015 traz uma regra geral e obrigatória. 

A regra geral e obrigatória é a de que os honorários sucumbenciais devem ser fixados no patamar de 10% a 20%. Esse percentual deverá incidir:

• 1ª opção: sobre o valor da condenação;

• 2ª opção: sobre o proveito econômico objetivo; ou

• 3ª opção: sobre o valor atualizado da causa (caso não seja possível mensurar o proveito econômico).

 

Se a condenação envolver a Fazenda Pública, a regra geral é a do § 3º do art. 85

Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º do art. 85, com os percentuais do § 3º.

 

Aplicação da regra de equidade do § 8º do art. 85 do CPC é excepcional

O CPC somente autoriza a aplicação do § 8º do art. 85 (apreciação equitativa do juiz) nas seguintes situações excepcionais:

1) se o proveito econômico for inestimável;

2) se o proveito econômico for irrisório; ou

3) se o valor da causa for muito baixo.

 

O Enunciado nº 6 da I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF é nesse sentido: “A fixação dos honorários de sucumbência por apreciação equitativa só é cabível nas hipóteses previstas no § 8º, do art. 85 do CPC”.

Confira novamente a redação do dispositivo:

Art. 85 (...)

§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.

 

Veja que o CPC não permite que se aplique o § 8º do art. 85 nos casos em que o valor da condenação, o valor da causa ou o valor do proveito econômico forem elevados. Não existe essa previsão no § 8º acima transcrito.

Logo, não cabe ao Poder Judiciário, ainda que sob o manto da proporcionalidade e razoabilidade, reduzir a aplicabilidade do dispositivo legal em comento, decorrente de escolha legislativa explicitada com bastante clareza.

 

O que significa proveito econômico “inestimável”? Poderíamos enquadrar nessa previsão o proveito econômico muito elevado?

NÃO. Quando o § 8º do art. 85 menciona proveito econômico “inestimável”, ele está se referindo àquelas causas em que não é possível atribuir um valor patrimonial à lide. Exemplos: nas demandas ambientais ou nas ações de família. Não se deve, portanto, confundir “valor inestimável” com “valor elevado”.

 

O § 3º do art. 85 do CPC/2015 teve por objetivo superar o antigo entendimento jurisprudencial

Antes do CPC/2015, o STJ possuía jurisprudência firmada no sentido de que deveriam ser aplicados honorários por equidade quando a Fazenda Pública fosse vencida, o que se fazia com base no art. 20, § 4º, do CPC revogado.

Esse § 3º do art. 85 teve a intenção de superar esse antigo posicionamento jurisprudencial.

Vale ressaltar que o fato de a nova legislação ter surgido como uma reação capitaneada pelas associações de advogados à postura dos tribunais de fixar honorários em valores irrisórios, quando a demanda tinha a Fazenda Pública como parte, não torna a norma inconstitucional nem autoriza o seu descarte.

Além disso, há que se ter em mente que o entendimento do STJ fora firmado sob a égide do CPC revogado. É perfeitamente legítimo ao Poder Legislativo editar nova regulamentação legal em sentido diverso do que vinham decidindo os tribunais. Cabe aos tribunais interpretar e observar a lei, não podendo, entretanto, descartar o texto legal por preferir a redação dos dispositivos decaídos. A atuação do legislador que acarreta a alteração de entendimento firmado na jurisprudência não é fenômeno característico do Brasil, sendo conhecido nos sistemas de common law como overriding.

 

Art. 8º do CPC não autoriza que se aplique a equidade na fixação dos honorários fora das hipóteses legais

O art. 8º do CPC prevê o seguinte:

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

 

Havia algumas vozes defendendo que esse dispositivo poderia ser invocado para se aplicar a equidade nos casos em que os honorários fossem fixados em valores muito altos.

O STJ não concordou com essa argumentação.

Não se pode alegar que o art. 8º do CPC permita que o juiz afaste o art. 85, §§ 2º e 3º, com base na razoabilidade e proporcionalidade, quando os honorários resultantes da aplicação dos referidos dispositivos forem elevados.

O CPC/2015, preservando o interesse público, estabeleceu disciplina específica para a Fazenda Pública, traduzida na diretriz de que quanto maior a base de cálculo de incidência dos honorários, menor o percentual aplicável. O julgador não tem a alternativa de escolher entre aplicar o § 8º ou o § 3º do art. 85, mesmo porque só pode decidir por equidade nos casos previstos em lei, conforme determina o art. 140, parágrafo único, do CPC/2015:

Art. 140. (...)

Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.

 

Mas e se a causa foi mais “simples” e demandou “pouco” trabalho do advogado?

O argumento de que a simplicidade da demanda ou o pouco trabalho exigido do causídico vencedor levariam ao seu enriquecimento sem causa, deve ser utilizado não para respaldar apreciação por equidade, mas sim para balancear a fixação do percentual dentro dos limites do art. 85, § 2º, ou dentro de cada uma das faixas dos incisos contidos no § 3º do referido dispositivo.

Assim, se a causa foi mais “simples”, o juiz fixará no percentual mínimo, no entanto, desde que dentro das faixas previstas nos §§ 2º e 3º do art. 85.

Desse modo, a suposta baixa complexidade do caso não pode ser considerada como elemento para afastar os percentuais previstos na lei. Esse dado já foi levado em consideração pelo legislador, que previu “a natureza e a importância da causa” como um dos critérios para a determinação do valor dos honorários (art. 85, § 2º, III, do CPC), limitando, porém, a discricionariedade judicial a limites percentuais.

Assim, se tal elemento já é considerado pelo suporte fático abstrato da norma, não é possível utilizá-lo como se fosse uma condição extraordinária, a fim de afastar a incidência da regra.

Idêntico raciocínio se aplica à hipótese de trabalho reduzido do advogado vencedor, uma vez que tal fator é considerado no suporte fático abstrato do art. 85, § 2º, IV, do CPC/2015 (“o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço”).

 

Valor dos honorários deve ser analisado antes de se ajuizar a demanda e serve como desestímulo contra lides temerárias

Cabe ao autor - quer se trate do Estado, das empresas, ou dos cidadãos - ponderar bem a probabilidade de ganhos e prejuízos antes de ajuizar uma demanda, sabendo que terá que arcar com os honorários de acordo com o proveito econômico ou valor da causa, caso vencido. O valor dos honorários sucumbenciais, portanto, é um dos fatores que deve ser levado em consideração no momento da propositura da ação.

É muito comum ver no STJ a alegação de honorários excessivos em execuções fiscais de altíssimo valor posteriormente extintas. Ocorre que tais execuções muitas vezes são propostas sem maior escrutínio, dando-se a extinção por motivos previsíveis, como a flagrante ilegitimidade passiva, o cancelamento da certidão de dívida ativa, ou por estar o crédito prescrito. Ou seja, o ente público aduz em seu favor a simplicidade da causa e a pouca atuação do causídico da parte contrária, mas olvida o fato de que foi a sua falta de diligência no momento do ajuizamento de um processo natimorto que gerou a condenação em honorários. O Poder Judiciário não pode premiar tal postura.

A fixação de honorários por equidade nessas situações - muitas vezes aquilatando-os de forma irrisória - apenas contribui para que demandas frívolas e sem possibilidade de êxito continuem a ser propostas diante do baixo custo em caso de derrota.

O art. 20 da LINDB (Decreto-Lei nº 4.657/1942), incluído pela Lei nº 13.655/2018, prescreve que, “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”. Como visto, a consequência prática do descarte do texto legal do art. 85, §§ 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, do CPC, sob a justificativa de dar guarida a valores abstratos como a razoabilidade e a proporcionalidade, será um poderoso estímulo comportamental e econômico à propositura de demandas frívolas e de caráter predatório.

 

O STJ estabeleceu essas premissas no Tema 1076, tendo sido fixada a seguinte tese:

I) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do art. 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor:

a) da condenação; ou

b) do proveito econômico obtido; ou

c) do valor atualizado da causa.

II) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação:

a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou

b) o valor da causa for muito baixo.

STJ. Corte Especial. REsp 1.850.512-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/03/2022 (Recurso Repetitivo – Tema 1076) (Info 730).

 

TENTATIVA DE DISTINGUISHING

Imagine a seguinte situação hipotética:

João faleceu e deixou como herança um imóvel.

O inventário judicial foi iniciado.

A empresa Alfa opôs embargos de terceiro, alegando ser a proprietária do imóvel deixado por João.

O juiz da Vara de Família e Sucessões suspendeu a partilha.

O espólio de João interpôs agravo de instrumento contra essa decisão, argumentando que os embargos deveriam ser liminarmente rejeitados, uma vez que a empresa embargante não teria legitimidade para figurar como terceiro no processo de inventário considerando que não é herdeira nem tem crédito constituído.

O Tribunal de Justiça deu provimento ao agravo de instrumento para reconhecer a ausência interesse processual e, consequentemente, julgou extintos os embargos de terceiro sem resolução do mérito. Para o TJ, o Juízo de origem não produziu qualquer ato que recaísse sobre o imóvel, inexistindo, portanto, constrição judicial ou ameaça ao bem, o que inviabiliza a interposição de embargos de terceiro.

Como consectário da rejeição dos embargos, o TJ condenou a empresa Alfa ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.

Vale ressaltar que o valor atualizado da causa é de R$ 20 milhões, de forma que os honorários foram fixados em R$ 2 milhões.

A empresa Alfa interpôs recurso especial pedindo que os honorários fossem fixados com base equidade, nos termos do art. 85, § 8º, do CPC/2015:

Art. 85 (...)

§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.

 

A empresa argumentou que se tratou de uma demanda simples, tendo os embargos tramitado durante apenas três meses. Logo, a condenação em honorários advocatícios tão vultosos seria desproporcional e injusta.

A recorrente argumentou, resumidamente, o seguinte:

- não desconheço que o STJ, no Tema 1076,  fixou a tese segundo a qual a fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando o valor da causa for elevado;

- no entanto, essa tese não deve ser aplicada no caso dos autos, haja vista que geraria condenação desproporcional e injusta, considerando o valor da verba em relação ao trabalho efetivamente desempenhado pelo patrono dos requeridos;

- o art. 85, § 2º, do CPC/2015, ao fixar honorários advocatícios mínimos de 10% sobre o valor da causa, teve em vista as decisões judiciais que apreciassem a causa por completo. Decisões que, com ou sem julgamento de mérito, abrangessem a totalidade das questões submetidas a Juízo;

- na espécie, por se tratar de julgamento fundado no art. 485 do CPC/2015, os honorários devem observar proporcionalmente a matéria efetivamente apreciada;

- logo, é precisa fazer um distinguishing em relação ao caso concreto.

 

No caso concreto, o Conselho Federal da OAB pediu para intervir no recurso especial atuando como amicus curiae. O STJ admitiu essa intervenção?

NÃO.

Não se justifica a intervenção do Conselho Federal da OAB para atuar como amicus curiae em processos nos quais é discutido o valor da verba honorária advocatícia sucumbencial. Nesse sentido:

A intervenção de amicus curiae nas ações de natureza subjetiva é excepcional, justificando-se em hipóteses nas quais seja identificada uma multiplicidade de demandas similares, a indicar a generalidade do tema discutido, devendo ficar demonstrado que a intervenção tem como finalidade colaborar com a Corte e defender interesse público relevante, objetivos que não restam demonstrados no caso. A fixação dos honorários advocatícios depende das características próprias de cada demanda.

STJ. 3ª Turma. EDcl no REsp 1.645.719/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/5/2018.

 

Vamos agora ao mérito recursal. O STJ acolheu os argumentos da Alfa, empresa recorrente?

NÃO.

A posição atual do STJ é no sentido de que a fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados.

Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação:

a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou

b) o valor da causa for muito baixo.

Antes de 2019, o STJ não entendia assim.

No julgamento do REsp 1.746.072/PR, o STJ deu o primeiro sinal concreto de que poderia mudar a sua histórica orientação a respeito da possibilidade de fixação equitativa de honorários advocatícios quando a fixação rígida resultasse em verba demasiadamente vultosa. Na ocasião, ficou assentado que:

Os honorários advocatícios só podem ser fixados com base na equidade de forma subsidiária, ou seja:

• quando não for possível o arbitramento pela regra geral; ou

• quando for inestimável ou irrisório o valor da causa.

Assim, o juízo de equidade na fixação dos honorários advocatícios somente pode ser utilizado de forma subsidiária, quando não presente qualquer hipótese prevista no § 2º do art. 85 do CPC.

STJ. 2ª Seção. REsp 1746072-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 13/02/2019 (Info 645).

 

Cerca de três anos depois, essa sinalização inicial se concretizou em forma de precedente vinculante, quando, então, a Corte Especial do STJ julgou o Tema 1076, em acórdãos publicados em 31/5/2022.

No julgamento do Tema 1076, houve intenso debate acerca da desproporcionalidade, irrazoabilidade, necessidade de conformação constitucional e injustiça. O entendimento foi fixado fundando-se naquilo que havia de mais profundo e moderno na doutrina da sociologia jurídica, da filosofia jurídica, da teoria da constituição e da teoria geral do direito.

 

Mas no caso concreto acima mencionado os embargos de terceiro foram extintos sem resolução do mérito. Isso não serve como distinguishing para diferenciar do que foi decidido Tema 1076?

NÃO. O fato de a ação ser extinta sem resolução de mérito já foi expressamente considerado no precedente. A Corte Especial, no julgamento do Tema 1076, analisou também essa hipótese e afirmou que o entendimento seria aplicável também nesse caso.

“A técnica de distinção é basicamente uma forma de verificar se existem diferenças relevantes entre dois casos ao ponto de se afastar a aplicação de precedente invocado por uma das partes ou pelo magistrado. Quando um dos sujeitos processuais argumenta com base em um precedente, que, de acordo com ele, aplica-se ao caso concreto, deverá demonstrar a similitude fática dos casos. A parte contrária, por sua vez, caso discorde, deverá demonstrar que existem fatos relevantes que impedem a sua aplicação.” (PEIXOTO, Ravi. O sistema de precedentes desenvolvido pelo CPC/2015: uma análise sobre a adaptabilidade da distinção (distinguishing) e da distinção inconsistente (inconsistente distinguishing) in Revista de Processo: RePro, ano 40, vol. 248, São Paulo: Revista dos Tribunais, out. 2015, p. 341/343).

Assim, a distinção (distinguishing) - que permite que os órgãos fracionários se afastem de um precedente vinculante firmado no julgamento de recursos especiais submetidos ao rito dos repetitivos somente poderá existir diante de uma hipótese fática diferente daquela considerada relevante para a formação do precedente.

Não se deve, portanto, reconhecer a existência de uma distinção entre o precedente firmado no Tema 1076 e a hipótese em exame, de modo a impor-se solução jurídica diversa, razão pela qual é preciso dar balizas exatas ao que se deve compreender como distinguishing. Quanto a esse ponto:

“Ao contrário do que ocorre na revogação de precedentes, a diferenciação de casos pode ser realizada por qualquer magistrado, não existindo problemas atinentes à competência, havendo a possibilidade de distinção de um precedente do STF por um juiz de primeiro grau. É uma espécie de técnica que visa o afastamento de um precedente não por ele ser injusto, mas simplesmente por não se adequar à situação fática”. (PEIXOTO, Ravi. idem.)

 

Não há que se falar em distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados do Supremo Tribunal Federal que não se coadunariam com o precedente, pois tais circunstâncias importariam na eventual necessidade de superação do precedente, mas não no uso da técnica de distinção, que é lícito fazer, quando de sua aplicabilidade prática, mas desde que presente uma circunstância fática distinta. Tais circunstâncias, quando muito, importariam na eventual necessidade de superação do precedente, mas jamais no uso da técnica de distinção que se pode fazer quando de sua aplicabilidade prática, desde que presente uma circunstância fática distinta.

Assim, o art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015, deverá ser aplicado, de forma literal, pelos órgãos fracionários do STJ se e enquanto não sobrevier modificação desse entendimento pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1.412.073/SP, do RE 1.412.074/SP e do RE 1.412.069/PR, todos em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal, ou se e enquanto não sobrevier, no STJ, a eventual superação do precedente formado no julgamento do Tema 1076.

 

Em suma:

A circunstância de a ação ter sido extinta sem resolução de mérito, conquanto se trate de uma situação de fato, não é suficientemente relevante para aplicar distinguishing em relação ao precedente firmado no julgamento do Tema 1076, especialmente porque essa circunstância fática também estava presente em dois dos recursos representativos daquela controvérsia e, ainda assim, a Corte Especial compreendeu se tratar de hipótese em que a regra do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015, igualmente deveria ser aplicada de maneira literal.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.743.330-AM, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/04/2023 (Info 771).

 

Assim, em embargos de terceiro extintos sem resolução do mérito por ausência de interesse processual, aplica-se o Tema repetitivo 1076, impondo-se o arbitramento de honorários advocatícios sucumbenciais ao patrono do vencedor no percentual de 10 a 20% sobre o valor atualizado da causa.


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