Imagine
a seguinte situação hipotética:
O
Município, por meio de um Decreto, declarou o imóvel de Pedro como sendo de
utilidade pública, para fins de desapropriação.
O
imóvel foi avaliado em R$ 100 mil.
O
Município procurou Pedro para fazer um acordo, contudo, o particular não porque
exigiu uma indenização maior.
Diante
disso, o Município ajuizou ação de desapropriação por utilidade pública contra Pedro.
O
juiz proferiu despacho, nos termos do art. 321 do CPC, determinando que o Município,
no prazo de 15 dias, emendasse a petição inicial para que fosse apresentada:
I
- estimativa do impacto orçamentário-financeiro da desapropriação no atual exercício
e nos dois subsequentes;
II - declaração do ordenador da despesa de que a indenização a ser paga tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
O
prazo se expirou sem que o autor cumprisse a determinação judicial.
Diante disso, o
magistrado prolatou sentença extinguindo o processo sem resolução do mérito,
nos termos do art. 321, parágrafo único, do CPC:
Art.
321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos
arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de
dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15
(quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser
corrigido ou completado.
O
Município recorreu afirmando que essa exigência feita pelo magistrado foi
ilegal e não encontra amparo jurídico.
Assiste
razão ao Município? A exigência feita pelo juiz foi ilegal?
NÃO.
A
exigência feita pelo juiz encontra fundamento no art. 16, caput, I e II, e §
4º, II, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Vamos entender.
Nos
termos do art. 182, caput, da Constituição Federal, incumbe aos municípios,
mediante os diversos instrumentos jurídicos previstos em lei, a execução da
política urbana com o escopo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
Um dos instrumentos
previstos no art. 182 e voltados para o aprimoramento da política de
ordenamento municipal é a desapropriação de imóveis urbanos:
Art.
182 (...)
§
3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa
indenização em dinheiro.
A desapropriação
é:
- o
procedimento administrativo
- pelo
qual o Poder Público transfere para si,
- compulsoriamente,
- a propriedade
de bem pertencente a terceiro,
- por
razões de utilidade pública,
- de
necessidade pública, ou
- de
interesse social,
- pagando,
por isso, indenização prévia, justa e, como regra, em dinheiro.
Desse
modo, o expropriado possui o direito fundamental ao recebimento de prévia e
justa indenização em dinheiro com o objetivo de compensar os prejuízos
suportados em benefício da coletividade.
A
despeito de existir comando na Constituição Federal de 1988 determinando o
pagamento de justa e prévia indenização em direito, a realidade mostrou durante
anos inúmeros casos em que Municípios fizeram declaração de utilidade pública para
fins de desapropriação sem a devida reflexão acerca do impacto dessa medida nas
finanças públicas. Em outras palavras, houve várias situações nas quais se
determinou a desapropriação, mas sem a existência de adequação orçamentária.
Tais casos geraram desequilíbrio orçamentário-financeiro do ente expropriante ou
privaram os expropriados do recebimento tempestivo da reparação econômica pela
perda forçada da propriedade.
Nesse contexto,
buscando equacionar o descompasso entre a normatividade constitucional e a
realidade empírica, foi editada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000),
que, em seu art. 16, caput, I e II, e § 4º, II, passou a condicionar a validade
das desapropriações de imóveis urbanos à prévia estimativa do impacto
orçamentário-financeiro, bem como à declaração de compatibilidade das despesas
necessárias ao pagamento das indenizações ao disposto no plano plurianual, na
lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual. Confira o texto
legal:
Art.
16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete
aumento da despesa será acompanhado de:
I
- estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar
em vigor e nos dois subseqüentes;
II
- declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação
orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o
plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
(...)
§
4º As normas do caput constituem condição prévia para: (...)
II
- desapropriação de imóveis urbanos a que se refere o § 3º do art. 182 da
Constituição.
A
avaliação empreendida pelo poder público constitui fase necessária à
verificação da proposta de compensação financeira a ser apresentada ao
particular e, uma vez apurado tal montante, é possível estimar o impacto
orçamentário-financeiro da desapropriação e examinar a adequação das despesas
necessárias ao pagamento da indenização ao disposto nas leis orçamentárias,
razão pela qual essas providências devem anteceder a proposta oferecida pelo
expropriante em sede administrativa ou judicial.
A
análise antecipada das repercussões dos atos expropriatórios sobre as finanças
públicas vai ao encontro dos deveres de responsabilidade e de planejamento na
gestão fiscal, os quais objetivam afastar os riscos e corrigir desvios capazes
de afetar o equilíbrio das contas públicas e, por isso, demandam atuação
preventiva voltada a debelar eventuais efeitos nocivos decorrentes de despesas
cuja execução não se compatibiliza com as leis orçamentárias.
O
art. 16, caput e § 4º, II, da LRF é formalidade
específica da petição inicial das respectivas ações expropriatórias que
se soma às disposições gerais arroladas no Decreto-Lei nº 3.365/1941 e no
CPC/2015.
Em
suma:
Para cumprimento dos
requisitos arrolados no art. 16, caput, I e II, e § 4º, II, da LRF
é necessário instruir a petição inicial da ação expropriatória de imóveis com a
estimativa do impacto orçamentário-financeiro e apresentar declaração a
respeito da compatibilidade das despesas necessárias ao pagamento das
indenizações ao disposto no plano plurianual, na lei de diretrizes
orçamentárias e na lei orçamentária anual.
STJ. 1ª
Turma. REsp 1.930.735-TO, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 28/2/2023 (Info 767).