Dizer o Direito

terça-feira, 11 de abril de 2023

Um dos requisitos específicos da petição inicial da ação de desapropriação é a demonstração do impacto orçamentário-financeiro da medida

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

O Município, por meio de um Decreto, declarou o imóvel de Pedro como sendo de utilidade pública, para fins de desapropriação.

O imóvel foi avaliado em R$ 100 mil.

O Município procurou Pedro para fazer um acordo, contudo, o particular não porque exigiu uma indenização maior.

Diante disso, o Município ajuizou ação de desapropriação por utilidade pública contra Pedro.

O juiz proferiu despacho, nos termos do art. 321 do CPC, determinando que o Município, no prazo de 15 dias, emendasse a petição inicial para que fosse apresentada:

I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro da desapropriação no atual exercício e nos dois subsequentes;

II - declaração do ordenador da despesa de que a indenização a ser paga tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

O prazo se expirou sem que o autor cumprisse a determinação judicial.

Diante disso, o magistrado prolatou sentença extinguindo o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 321, parágrafo único, do CPC:

Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.

 

O Município recorreu afirmando que essa exigência feita pelo magistrado foi ilegal e não encontra amparo jurídico.

 

Assiste razão ao Município? A exigência feita pelo juiz foi ilegal?

NÃO.

A exigência feita pelo juiz encontra fundamento no art. 16, caput, I e II, e § 4º, II, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Vamos entender.

Nos termos do art. 182, caput, da Constituição Federal, incumbe aos municípios, mediante os diversos instrumentos jurídicos previstos em lei, a execução da política urbana com o escopo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Um dos instrumentos previstos no art. 182 e voltados para o aprimoramento da política de ordenamento municipal é a desapropriação de imóveis urbanos:

Art. 182 (...)

§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

 

A desapropriação é:

- o procedimento administrativo

- pelo qual o Poder Público transfere para si,

- compulsoriamente,

- a propriedade de bem pertencente a terceiro,

- por razões de utilidade pública,

- de necessidade pública, ou

- de interesse social,

- pagando, por isso, indenização prévia, justa e, como regra, em dinheiro.

 

Desse modo, o expropriado possui o direito fundamental ao recebimento de prévia e justa indenização em dinheiro com o objetivo de compensar os prejuízos suportados em benefício da coletividade.

A despeito de existir comando na Constituição Federal de 1988 determinando o pagamento de justa e prévia indenização em direito, a realidade mostrou durante anos inúmeros casos em que Municípios fizeram declaração de utilidade pública para fins de desapropriação sem a devida reflexão acerca do impacto dessa medida nas finanças públicas. Em outras palavras, houve várias situações nas quais se determinou a desapropriação, mas sem a existência de adequação orçamentária. Tais casos geraram desequilíbrio orçamentário-financeiro do ente expropriante ou privaram os expropriados do recebimento tempestivo da reparação econômica pela perda forçada da propriedade.

Nesse contexto, buscando equacionar o descompasso entre a normatividade constitucional e a realidade empírica, foi editada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), que, em seu art. 16, caput, I e II, e § 4º, II, passou a condicionar a validade das desapropriações de imóveis urbanos à prévia estimativa do impacto orçamentário-financeiro, bem como à declaração de compatibilidade das despesas necessárias ao pagamento das indenizações ao disposto no plano plurianual, na lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual. Confira o texto legal:

Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:       

I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;

II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

(...)

§ 4º As normas do caput constituem condição prévia para: (...)

II - desapropriação de imóveis urbanos a que se refere o § 3º do art. 182 da Constituição.

 

A avaliação empreendida pelo poder público constitui fase necessária à verificação da proposta de compensação financeira a ser apresentada ao particular e, uma vez apurado tal montante, é possível estimar o impacto orçamentário-financeiro da desapropriação e examinar a adequação das despesas necessárias ao pagamento da indenização ao disposto nas leis orçamentárias, razão pela qual essas providências devem anteceder a proposta oferecida pelo expropriante em sede administrativa ou judicial.

A análise antecipada das repercussões dos atos expropriatórios sobre as finanças públicas vai ao encontro dos deveres de responsabilidade e de planejamento na gestão fiscal, os quais objetivam afastar os riscos e corrigir desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas e, por isso, demandam atuação preventiva voltada a debelar eventuais efeitos nocivos decorrentes de despesas cuja execução não se compatibiliza com as leis orçamentárias.

O art. 16, caput e § 4º, II, da LRF é formalidade específica da petição inicial das respectivas ações expropriatórias que se soma às disposições gerais arroladas no Decreto-Lei nº 3.365/1941 e no CPC/2015.

 

Em suma:

Para cumprimento dos requisitos arrolados no art. 16, caput, I e II, e § 4º, II, da LRF é necessário instruir a petição inicial da ação expropriatória de imóveis com a estimativa do impacto orçamentário-financeiro e apresentar declaração a respeito da compatibilidade das despesas necessárias ao pagamento das indenizações ao disposto no plano plurianual, na lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.930.735-TO, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 28/2/2023 (Info 767).

 

 

 


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