Dizer o Direito

quarta-feira, 12 de abril de 2023

O shopping center e a empresa administradora do estacionamento são responsáveis por indenizar o consumidor vítima de roubo à mão armada ocorrido na cancela para ingresso no estacionamento, ainda em via pública

 

Imagine a seguinte situação adaptada:

João, dirigindo seu veículo, parou na cancela de entrada do estacionamento do shopping center para apertar no botão e pegar o ticket de pagamento.

Neste momento, foi assaltado por um indivíduo que, portando arma de fogo, ordenou que a vítima abaixasse o vidro.

João obedeceu e abriu a janela do veículo. O indivíduo exigiu o relógio, o celular e a carteira de João, que foram entregues.

Vale ressaltar que, durante todo o ocorrido, não havia qualquer agente de segurança no local.

João registrou a ocorrência na polícia e ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra a empresa administradora do shopping e contra a empresa responsável pelo estacionamento.

O autor alegou que:

• a relação entre ele e o shopping center é de consumo, de forma que a responsabilidade é objetiva;

• houve defeito na prestação do serviço (art. 12 do CDC).

 

Contestação

As empresas contestaram afirmando que:

• o evento ocorreu na cancela de entrada do estacionamento, em via pública, ou seja, além dos limites de proteção do estabelecimento;

• não houve falha na prestação do serviço;

• segundo a Súmula 130 do STJ, somente haveria o dever de indenizar se tivesse ocorrido um furto ou dano no interior do estacionamento. No caso, foi um roubo e que se deu na área limítrofe do shopping;

• não houve dano moral.

 

O juiz julgou os pedidos procedentes.

As empresas rés interpuseram apelação, mas o Tribunal de Justiça manteve a sentença.

Ainda inconformadas, as empresas ingressaram com recurso especial insistindo nos argumentos já expostos.

 

O STJ manteve a condenação? O shopping center e a empresa de estacionamento vinculado a ele têm o dever de indenizar esse consumidor?

SIM.

Na hipótese de se exigir do consumidor determinada conduta para que usufrua do serviço prestado pela fornecedora, colocando-o em vulnerabilidade não só jurídica, mas sobretudo fática, ainda que momentaneamente, se houver falha na prestação do serviço, será o fornecedor obrigado a indenizá-lo.

Nessa linha de raciocínio, quando o consumidor, com a finalidade de ingressar no estacionamento de shopping center, tem de reduzir a velocidade ou até mesmo parar seu veículo e se submeter à cancela - barreira física imposta pelo fornecedor e em seu benefício - incide a proteção consumerista, ainda que o consumidor não tenha ultrapassado referido obstáculo e mesmo que este esteja localizado na via pública.

Nessa hipótese, o consumidor se encontra, de fato, na área de prestação do serviço oferecido pelo estabelecimento comercial. Por conseguinte, também nessa área incidem os deveres inerentes às relações consumeristas e ao fornecimento de segurança indispensável que se espera dos estacionamentos de shoppings centers.

O STJ analisou situação parecida, na qual o consumidor que se encontrava dentro de estacionamento de shopping center, ao parar na cancela para sair do referido estabelecimento, foi surpreendido pela abordagem de indivíduos com arma de fogo que tentaram subtrair seus pertences:

O shopping center deve reparar o cliente pelos danos morais decorrentes de tentativa de roubo, não consumado apenas em razão de comportamento do próprio cliente, ocorrida nas proximidades da cancela de saída de seu estacionamento, mas ainda em seu interior.

STJ. 4ª Turma. REsp 1269691-PB, Rel. originária Min. Isabel Gallotti, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/11/2013 (Info 534).

 

Da mesma maneira como sucede com a saída, o consumidor também está sujeito a tal vulnerabilidade ao ingressar no estabelecimento. É necessário que aquele, a fim de utilizar o serviço oferecido pelo shopping, permaneça - ainda que por pouco tempo - desprotegido ao esperar a emissão do ticket e o levantamento da cancela.

A única razão para que o consumidor permaneça desprotegido, aguardando a abertura da cancela, é, justamente, para ingressar no estabelecimento do fornecedor. Logo, não pode o shopping center buscar afastar sua responsabilidade por aquilo que criou para se beneficiar e que também lhe incumbe proteger, sob pena de violar até mesmo o comando da boa-fé objetiva e o princípio da proteção contratual do consumidor.

Em síntese, o shopping center e o estacionamento vinculado podem ser responsabilizados por defeitos na prestação do serviço não só quando o consumidor se encontra efetivamente dentro da área assegurada, mas também quando se submete à cancela para ingressar no estabelecimento comercial.

 

Não é possível, nesta situação, alegar caso fortuito para excluir o dever de indenizar

A culpa exclusiva de terceiros somente elide (elimina) a responsabilidade objetiva do fornecedor se for uma situação de “fortuito externo”. Se o caso for de “fortuito interno”, persiste a obrigação de indenizar. Mas qual é a diferença entre esses dois conceitos?

 

FORTUITO INTERNO

FORTUITO EXTERNO

Está relacionado com a organização da empresa.

É um fato ligado aos riscos da atividade desenvolvida pelo fornecedor.

Não está relacionado com a organização da empresa.

É um fato que não guarda nenhuma relação de causalidade com a atividade desenvolvida pelo fornecedor.

É uma situação absolutamente estranha ao produto ou ao serviço fornecido.

Ex1: o estouro de um pneu do ônibus da empresa de transporte coletivo;

 

 

 

Ex2: cracker invade o sistema do banco e consegue transferir dinheiro da conta de um cliente.

 

Ex3: durante o transporte da matriz para uma das agências, ocorre um roubo e são subtraídos diversos talões de cheque (trata-se de um fato que se liga à organização da empresa e aos riscos da própria atividade desenvolvida).

Ex1: assalto à mão armada no interior de ônibus coletivo (não é parte da organização da empresa de ônibus garantir a segurança dos passageiros contra assaltos);

 

Ex2: um terremoto faz com que o telhado do banco caia, causando danos aos clientes que lá estavam.

O fortuito interno NÃO exclui a obrigação do fornecedor de indenizar o consumidor.

O fortuito externo é uma causa excludente de responsabilidade.

 

No que tange especificamente à responsabilidade de shoppings centers, o STJ, “conferindo interpretação extensiva à Súmula n. 130/STJ, entende que estabelecimentos comerciais, tais como grandes shoppings centers e hipermercados, ao oferecerem estacionamento, ainda que gratuito, respondem pelos assaltos à mão armada praticados contra os clientes quando, apesar de o estacionamento não ser inerente à natureza do serviço prestado, gera legítima expectativa de segurança ao cliente em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores” (EREsp 1.431.606/SP, Segunda Seção, DJe 2/5/2019) - com exceção da hipótese em que o estacionamento representa “mera comodidade, sendo área aberta, gratuita e de livre acesso por todos”.

Com efeito, não há dúvida de que a empresa que agrega ao seu negócio um serviço visando à comodidade e à segurança do cliente deve responder por eventuais defeitos ou deficiências na sua prestação. Afinal, serviços dessa natureza não têm outro objetivo senão atrair um número maior de consumidores ao estabelecimento, incrementando o movimento e, por via de consequência, o lucro, devendo o fornecedor, portanto, suportar os ônus respectivos.

Nos termos expostos, pode-se concluir que o shopping center que oferece estacionamento responde por roubo perpetrado por terceiro à mão armada ocorrido na cancela para ingresso no estabelecimento, uma vez que gerou no consumidor expectativa legítima de segurança em troca dos benefícios financeiros que percebera indiretamente.

 

Em suma:

shopping center e o estacionamento vinculado a ele podem ser responsabilizados por roubo à mão armada ocorrido na cancela para ingresso no estabelecimento comercial, em via pública.

STJ. 3ª Turma. REsp 2.031.816-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/3/2023 (Info 767).

 

 

DOD Plus – informações complementares

Temas correlatos

A questão envolvendo furtos e roubos e responsabilidade civil do fornecedor é repleta de casos interessantes e nem sempre a solução dada é a mesma. Veja esse quadro com algumas situações já enfrentadas pela jurisprudência do STJ:

Situação

Fornecedor responde?

Explicação

Furto ou roubo no cofre do banco que estava locado para guardar bens de cliente.

SIM

O roubo ou furto praticado contra instituição financeira e que atinge o cofre locado ao cliente constitui risco assumido pelo banco, sendo algo próprio da atividade empresarial, configurando, assim, hipótese de fortuito interno, que não exclui o dever de indenizar (REsp 1250997/SP, DJe 14/02/2013).

Cliente roubado no interior da agência bancária.

SIM

Há responsabilidade objetiva do banco em razão do risco inerente à atividade bancária (art. 927, p. ún., CC e art. 14, CDC) (REsp 1.093.617-PE, DJe 23/03/2009).

Cliente roubado na rua, após sacar dinheiro na agência.

NÃO

Se o roubo ocorre em via pública, é do Estado (e não do banco) o dever de garantir a segurança dos cidadãos e de evitar a atuação dos criminosos (REsp 1.284.962-MG, DJe 04/02/2013).

Cliente roubado no estacionamento do banco.

SIM

O estacionamento pode ser considerado como uma extensão da própria agência (REsp 1.045.775-ES, DJe 04/08/2009).

Roubo ocorrido no estacionamento privado que é oferecido pelo banco aos seus clientes e administrado por uma empresa privada.

SIM

Tanto o banco como a empresa de estacionamento têm responsabilidade civil, considerando que, ao oferecerem tal serviço especificamente aos clientes do banco, assumiram o dever de segurança em relação ao público em geral (Lei 7.102/1983), dever este que não pode ser afastado por fato doloso de terceiro. Logo, não se admite a alegação de caso fortuito ou força maior já que a ocorrência de tais eventos é previsível na atividade bancária (AgRg nos EDcl no REsp 844186/RS, DJe 29/06/2012).

Passageiro roubado no interior do transporte coletivo (exs.: ônibus, trem etc.).

NÃO

Constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora o fato inteiramente estranho ao transporte em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo (AgRg no Ag 1389181/SP, DJe 29/06/2012).

Cliente roubado no posto de gasolina enquanto abastecia seu veículo.

NÃO

Tratando-se de postos de combustíveis, a ocorrência de roubo praticado contra clientes não pode ser enquadrado, em regra, como um evento que esteja no rol de responsabilidades do empresário para com os clientes, sendo essa situação um exemplo de caso fortuito externo, ensejando-se, por conseguinte, a exclusão da responsabilidade (REsp 1243970/SE, DJe 10/05/2012).

Roubo ocorrido em veículo sob a guarda de vallet parking que fica localizado em via pública.

NÃO

No serviço de manobrista em via pública não existe exploração de estacionamento cercado com grades, mas simples comodidade posta à disposição do cliente. Logo, as exigências de garantia da segurança física e patrimonial do consumidor são menos contundentes do que aquelas atinentes aos estacionamentos de shopping centers e hipermercados (REsp 1.321.739-SP, DJe 10/09/2013).

Furto ocorrido em veículo sob a guarda de vallet parking que fica localizado em via pública.

SIM

Nas hipóteses de furto, em que não há violência, permanece a responsabilidade, pois o serviço prestado mostra-se defeituoso, por não apresentar a segurança legitimamente esperada pelo consumidor.

Furto ou roubo ocorrido em veículo sob a guarda de vallet parking localizado dentro do shopping center.

SIM

A ocorrência de roubo não constitui causa excludente de responsabilidade civil nos casos em que a garantia de segurança física e patrimonial do consumidor é inerente ao serviço prestado pelo estabelecimento comercial.

Tentativa de roubo ocorrida na cancela do estacionamento do shopping center.

SIM

A ocorrência de roubo não constitui causa excludente de responsabilidade civil nos casos em que a garantia de segurança física e patrimonial do consumidor é inerente ao serviço prestado pelo estabelecimento comercial (REsp 1269691/PB, DJe 05/03/2014).

Roubo ocorrido na cancela para ingresso no estacionamento do shopping center, ainda em via pública.

SIM

O shopping center e a empresa administradora do estacionamento são responsáveis por indenizar o consumidor vítima de roubo à mão armada ocorrido na cancela para ingresso no estacionamento, ainda em via pública (REsp 2.031.816-RJ, DJe  16/03/2023).

Roubo ocorrido em estacionamento externo e gratuito de lanchonete.

NÃO

Constitui verdadeira  hipótese de caso fortuito (ou motivo de força maior), de forma que não se aplica a Súmula 130 do STJ.

Roubo ocorrido no drive-thru da lanchonete

SIM

A lanchonete, ao disponibilizar o serviço de drive-thru em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores, assumiu o dever implícito de lealdade e segurança.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.450.434-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/09/2018 (Info 637).

Roubo ocorrido em estacionamento público localizado em frente à supermercado

NÃO

Constitui verdadeira  hipótese de caso fortuito (ou motivo de força maior), de forma que não se aplica a Súmula 130 do STJ.

 

 

 


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