quinta-feira, 6 de abril de 2023
O Ministério Público não é obrigado a notificar o investigado acerca da proposta do ANPP
Acordo de não persecução penal
(ANPP)
A Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”)
inseriu o art. 28-A ao CPP, prevendo o instituto do acordo de não persecução
penal (ANPP), que pode ser assim conceituado:
- é um acordo (negócio jurídico)
- celebrado entre o Ministério Público e o
investigado, mas com a necessidade de homologação judicial
- firmado, em regra, antes do início da ação
penal (em regra, é pré-processual)
- ajuste esse permitido apenas para certos
tipos de crimes
- no ajuste, o investigado se compromete a
cumprir determinadas condições
- e caso cumpra integralmente o acordo, o
juízo competente decretará a extinção de punibilidade.
Recusa do MP de oferecer o acordo
No caso de recusa, por parte do Ministério
Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá
requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 do CPP (§
14º do art. 28-A).
Imagine agora a seguinte situação
hipotética envolvendo ANPP:
João
foi flagrado conduzindo perigosamente sua moto, quase atropelando pedestres que
atravessavam a rua.
Ao avistar policiais militares,
empreendeu fuga pela contramão, ignorando diversos sinais de trânsito.
Apesar disso, os policiais conseguiram
abordá-lo e verificaram que ele não tinha habilitação.
João foi denunciado como incurso nos arts. 309 e 311, do
Código de Trânsito Brasileiro, além do delito do art. 330 do Código Penal, em
concurso material:
CTB/Art. 309. Dirigir veículo
automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação
ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano:
Penas - detenção, de seis meses a
um ano, ou multa.
CTB/Art. 311. Trafegar em
velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais,
estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou
onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de
dano:
Penas - detenção, de seis meses a
um ano, ou multa.
CP/Art. 330. Desobedecer a ordem
legal de funcionário público:
Pena - detenção, de quinze dias a
seis meses, e multa.
O juiz, ao analisar a denúncia,
entendeu que, pelo menos em tese, o denunciado fazia jus ao Acordo de Não
Persecução Penal – ANPP e, em razão disso, determinou o envio dos autos ao
Ministério Público.
Em resposta, o Promotor de
Justiça informou que deixou de notificar o denunciado para propor o ANPP porque
ele não procurou o Ministério Público para discutir eventual acordo.
Diante disso, como já foi
oferecida a denúncia, o Promotor apenas ratificou os termos da acusação e pediu
o prosseguimento do feito.
O juiz não aceitou os argumentos e rejeitou a denúncia, sob
a alegação de que:
“O acordo é
proposto pelo Ministério Público, de modo que cabe à referida instituição
entrar em contato com a pessoa indiciada. Não o contrário, como sugere a
manifestação do Ministério Público”.
Assim, para o magistrado, o
Ministério Público é quem deveria ter promovido a notificação extrajudicial do
indiciado a fim de iniciar as tratativas do acordo.
Qual é o recurso cabível
contra essa decisão do juiz?
Recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, I, do
CPP.
Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da
decisão, despacho ou sentença:
I - que não receber a denúncia ou
a queixa;
(...)
O Promotor de Justiça interpôs
recurso em sentido estrito.
O Tribunal de Justiça reformou a decisão
argumentando que o juiz não pode rejeitar a denúncia ofertada como forma de o
Judiciário forçar que o Ministério Público proponha ANPP.
Recurso especial
Diante disso, o réu interpôs recurso
especial insistindo na tese de que o Ministério Público é obrigado a notificar
o investigado para negociar eventual Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).
Para a defesa, mesmo que o Promotor de Justiça, no caso
concreto, tenha entendido que não cabia ANPP ele deveria ter feito a
notificação extrajudicial do indiciado para que ele pudesse requerer a remessa
dos autos ao órgão superior do MP, na forma do § 14 do art. 28-A do CPP:
Art. 28-A (...)
§ 14. No caso de recusa, por
parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o
investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do
art. 28 deste Código. (Incluído pela
Lei nº 13.964, de 2019)
O STJ concordou com os
argumentos da defesa? O Ministério Público é obrigado a notificar
o investigado para iniciar as tratativas de eventual ANPP?
NÃO.
Não existe previsão legal de que
o Ministério Público é obrigado a notificar o investigado acerca da proposta de
acordo de não persecução penal.
Vimos acima que o Ministério
Público não é obrigado a convocar o indiciado para iniciar as tratativas do
acordo. O investigado que, se quiser, deverá procurar a Instituição. Vamos
agora mudar a pergunta:
Se o membro do Parquet
constatar que, em sua visão, não cabe ANPP, ele é obrigado a notificar
extrajudicialmente o investigado informando que não irá propor o acordo? O
membro do MP é obrigado a fazer essa notificação antes de oferecer a denúncia?
Também não. Neste caso, basta que
o membro do MP faça uma cota na denúncia informando os motivos pelos quais não
ofereceu proposta de acordo.
Assim, o Ministério Público pode, no próprio ato do
oferecimento da denúncia, expor os motivos pelos quais optou pela não
propositura do acordo. O juiz, recebendo a denúncia, irá determinar a citação
do denunciado e, neste momento, o réu terá ciência da recusa quanto à
propositura do ANPP e poderá, se assim desejar, requerer a remessa ao órgão
superior do MP, nos termos do § 14 do art. 28-A do CPP:
Art. 28-A (...)
§ 14. No caso de recusa, por
parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o
investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do
art. 28 deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Esse requerimento deverá ser
formulado na primeira oportunidade dada ao réu para se manifestar.
Nesse sentido:
Ao se interpretar conjuntamente os arts. 28-A, § 14, e 28,
caput, ambos do Código de Processo Penal, chega-se às seguintes conclusões:
a) Em razão da natureza jurídica do acordo de não persecução
penal (negócio jurídico pré-processual) e por não haver, atualmente, norma
legal que impõe ao Ministério Público a remessa automática dos autos ao órgão
de revisão, tampouco que o obriga a expedir notificação ao investigado, poderá
a acusação apresentar os fundamentos pelos quais entende incabível a
propositura do ajuste na cota da denúncia;
b) Recebida a inicial acusatória e realizada a citação, momento
no qual o acusado terá ciência da recusa ministerial em propor o acordo, cabe
ao denunciado requerer (conforme exige o art. 28-A, § 14, do CPP) ao Juízo
(aplicação do art. 28, caput, do CPP, atualmente em vigor), na primeira
oportunidade dada para a manifestação nos autos, a remessa dos autos ao órgão
de revisão ministerial.
STJ. 6ª Turma. HC
664.016/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 17/12/2021.
Portanto, conforme a
jurisprudência do STJ, por ausência de previsão legal, o Ministério Público não
é obrigado a notificar o investigado acerca da propositura do acordo de não
persecução penal, sendo que, ao se interpretar conjuntamente os arts. 28-A, §
14, e 28, caput, do CPP, este último em vigor em virtude de medida cautelar
deferida pelo STF, na ADI n. 6.298/DF, a ciência da recusa ministerial deve
ocorrer por ocasião da citação, após o recebimento da denúncia, podendo o
acusado, na primeira oportunidade para manifestação nos autos, requerer a
remessa dos autos ao órgão de revisão ministerial.
Em suma:
STJ. 6ª Turma. REsp 2.024.381-TO, Rel. Min. Jesuíno Rissato
(Desembargador convocado do TJDFT), julgado em 7/3/2023 (Info 766).