Dizer o Direito

sábado, 22 de abril de 2023

O hospital responde, objetivamente, pelos danos decorrentes da prestação defeituosa dos serviços relacionados ao exercício da sua própria atividade

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina, grávida de 25 semanas, sentiu dores intensas e desconforto pélvico.

Diante disso, foi levada por seu marido até um hospital particular.

Chegando ao local, ficou constatado que estava em trabalho de parto avançado.

A indicação médica era a realização imediata da cesárea, mas não havia  sala de cirurgia disponível.

Também não havia ambulância disponível para levar Regina a outro hospital.

Somente depois de um longo tempo, foi disponibilizada uma sala de cirurgia.

Em razão da demora para a realização do parto, houve sofrimento fetal agudo e o bebê já foi retirado sem vida.

Regina ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra o hospital.

 

O hospital possui responsabilidade neste caso?

SIM.

A responsabilidade civil do médico é diferente da responsabilidade civil dos estabelecimentos hospitalares e casas de saúde. Vamos entender.

 

Médicos

Aplica-se aos médicos o art. 14, § 4º do CDC, que prevê a responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais:

Art. 14. (...) § 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

 

Vale ressaltar, no entanto, que essa regra do art. 14, § 4º tem aplicabilidade limitada aos médicos, não se estendendo aos estabelecimentos de saúde.

 

Hospitais, clínicas, casas de saúde etc.

Para os hospitais, clínicas, casas de saúde etc. aplica-se o caput do art. 14 do CDC, de forma que a responsabilidade é, em princípio, objetiva:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

 

Vale ressaltar, contudo, que a responsabilidade objetiva dos hospitais não é absoluta. Como assim?

• o estabelecimento hospitalar responde objetivamente pelos danos causados aos pacientes toda vez que o fato gerador for o defeito do seu serviço. Ex: estadia do paciente (internação e alimentação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia) etc. Se o defeito estiver relacionado com um desses serviços do hospital, a responsabilidade é objetiva.

• por outro lado, se o dano foi causado por uma suposta conduta do médico que trabalha no hospital, a responsabilidade é subjetiva, dependendo da demonstração de culpa do preposto, não se podendo, portanto, excluir a culpa do médico e responsabilizar objetivamente o hospital. Assim, a responsabilidade do hospital no que tange à atuação técnico-profissional (erro médico) de seu preposto é subjetiva, dependendo, portanto, da aferição de culpa do médico.

 

Panorama

A responsabilidade das sociedades empresárias hospitalares por dano causado ao paciente-consumidor pode ser assim sintetizada:

a) as obrigações assumidas diretamente pelo complexo hospitalar limitam-se ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição (por ato próprio) exsurge somente em decorrência de defeito no serviço prestado (art. 14, caput, do CDC);

b) os atos técnicos praticados pelos médicos sem vínculo de emprego ou subordinação com o hospital são imputados ao profissional pessoalmente, eximindo-se a entidade hospitalar de qualquer responsabilidade (art. 14, § 4, do CDC), se não concorreu para a ocorrência do dano;

c) quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital, respondem solidariamente a instituição hospitalar e o profissional responsável, apurada a sua culpa profissional. Nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição, de natureza absoluta (arts. 932 e 933 do CC), sendo cabível ao juiz, demonstrada a hipossuficiência do paciente, determinar a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC).

 

Veja um julgado do STJ que espelha esse entendimento:

(i) as obrigações assumidas diretamente pelo complexo hospitalar limitam-se ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição (por ato próprio) exsurge somente em decorrência de defeito no serviço prestado (artigo 14, caput, do CDC)"; [...] e

(iii) quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital, respondem solidariamente a instituição hospitalar e o profissional responsável, apurada a sua culpa profissional. Nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição, de natureza absoluta (artigos 932 e 933 do Código Civil), sendo cabível ao juiz, demonstrada a hipossuficiência do paciente, determinar a inversão do ônus da prova (artigo 6º, inciso VIII, do CDC).

STJ. 4ª Turma. REsp 1.145.728/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. p/acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/06/2011.

 

Voltando ao caso concreto:

No caso concreto, ficou comprovado que houve má prestação de serviço pela demora para disponibilizar a sala de cirurgia. Essa conduta gerou a morte do feto.

Logo, o estabelecimento hospitalar não foi responsabilizada por ato de terceiro, mas sim por sua própria culpa, pois configurado o nexo de causalidade entre sua conduta - má prestação de serviço pela demora para disponibilizar a sala de cirurgia - e o dano causado.

 

Em suma:

O hospital responde, objetivamente, pelos danos decorrentes da prestação defeituosa dos serviços relacionados ao exercício da sua própria atividade.

STJ. 4ª Turma. AgInt no AgInt no REsp 1.718.427-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 6/3/2023 (Info 768).

 

 

 


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