Técnica
de julgamento do art. 942 do CPC/2015
O resultado do julgamento da
apelação pode ser unânime (quando todos os Desembargadores concordam) ou por
maioria (quando no mínimo um Desembargador discorda dos demais).
Se o resultado se der por
maioria, o CPC prevê uma nova “chance” de a parte que “perdeu” a apelação
reverter o resultado. Como assim?
Se o resultado da apelação for
não unânime, o julgamento terá prosseguimento em uma nova sessão, que será
marcada e que contará com a presença de novos Desembargadores, que serão
convocados em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do
resultado inicial.
Ex:
o resultado da apelação foi 2x1; 2 Desembargadores votaram pelo provimento da
apelação (em favor de João) e um Desembargador votou pela manutenção da
sentença (em favor de Pedro); significa dizer que deverá ser designada uma nova
sessão e para essa nova sessão serão convocados dois novos Desembargadores que
também irão emitir votos; neste nosso exemplo, foram convocados 2 porque a
convocação dos novos julgadores deverá ser em número suficiente para garantir a
possibilidade de inversão do resultado inicial (se os dois novos
Desembargadores votarem com a minoria, o placar se inverte para 3x2).
Veja a
previsão legal:
Art. 942. Quando o resultado da
apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser
designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos
previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir
a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a
eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os
novos julgadores.
A previsão deste art. 942 é
chamada de “técnica de complementação de julgamento não unânime” ou “técnica de
ampliação do colegiado”.
Vamos verificar outras
informações sobre esta técnica.
Prosseguimento na mesma sessão
Sendo possível, o prosseguimento
do julgamento pode ocorrer na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros
julgadores que porventura componham o órgão colegiado (§ 1º do art. 942).
Juízo de retratação
Os julgadores que já tiverem
votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§
2º do art. 942).
Ex: o resultado da apelação foi
2x1; dois Desembargadores votaram pelo provimento da apelação (em favor de
João); por outro lado, um Desembargador (Des. Raimundo) votou pelo desprovimento
da apelação (contra João); designou-se, então, um novo dia para prosseguimento
do julgamento ampliado, tendo sido convocados dois Desembargadores de uma outra
Câmara Cível do Tribunal (Desembargadores Cláudio e Paulo); logo no início,
antes que Cláudio e Paulo votassem, o Des. Raimundo pediu a palavra e disse:
olha, melhor refletindo nesses dias, eu gostaria de evoluir meu entendimento e
irei acompanhar a maioria votando pelo provimento da apelação.
Mesmo que isso ocorra, ou seja,
que alguém mude de opinião, ainda assim deverão ser colhidos os votos dos
Desembargadores convocados. Nesse sentido:
Enunciado 599-FFPC: A revisão do voto,
após a ampliação do colegiado, não afasta a aplicação da técnica de julgamento
do art. 942.
Esse art. 942 é uma espécie de
recurso?
NÃO. Trata-se de uma “técnica de
complementação de julgamento nas decisões colegiadas não unânimes de segunda instância”.
Nesse sentido:
A forma de julgamento prevista no art.
942 do CPC/2015 não se configura como espécie recursal nova (não é um novo
recurso). Isso porque o seu emprego é automático e obrigatório.
Desse modo, falta a voluntariedade,
que é uma característica dos recursos.
Além disso, esta técnica não é
prevista como recurso, não preenchendo assim a taxatividade.
STJ. 4ª Turma. REsp 1733820/SC, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/10/2018.
A parte que “perdeu” a apelação
precisa pedir a aplicação do art. 942?
NÃO. Essa técnica de julgamento é
obrigatória e aplicável de ofício, automaticamente, pelo Tribunal. A parte não
precisa requerer a sua aplicação.
A técnica é aplicada antes da
conclusão do julgamento
Como não se trata de recurso, a
aplicação da técnica ocorre em momento anterior à conclusão do julgamento, ou
seja, não há proclamação do resultado, nem lavratura de acórdão parcial, antes
de a causa ser devidamente apreciada pelo colegiado ampliado.
Tanto isso é verdade que, conforme
já explicado, sendo possível, o prosseguimento do julgamento pode ocorrer na
mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura
componham o órgão colegiado (§ 1º do art. 942). No entanto, mesmo que ocorra em
outro dia, considera-se que houve um só julgamento. Não se encerrou um para
começar o outro ampliado.
A técnica do art. 942 do CPC vale
apenas para a apelação?
NÃO. Além da apelação, a técnica
de julgamento prevista no art. 942 aplica-se também para o julgamento não
unânime proferido em:
a) ação rescisória, quando o
resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento
ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;
b) agravo de instrumento, quando
houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.
Quadro-resumo
das hipóteses de cabimento
A técnica do art. 942 do CPC é aplicada em caso de acórdãos não unânimes (por maioria) proferidos em: |
||
APELAÇÃO |
AGRAVO DE INSTRUMENTO |
AÇÃO RESCISÓRIA |
Não importa se o Tribunal manteve ou reformou a
sentença. Basta que o acórdão tenha sido por maioria. |
Somente se o Tribunal reformou decisão que julgou
parcialmente o mérito. |
Se o resultado do acórdão for a rescisão da sentença. |
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
João ingressou com ação contra
Pedro.
O juiz julgou o pedido improcedente.
O autor interpôs apelação contra a
sentença.
O recurso foi julgado pela Câmara
Cível do Tribunal de Justiça, composta por três Desembargadores.
O Desembargador “A”, relator,
proferiu voto negando provimento à apelação.
O Desembargador “B” acompanhou o
relator negando provimento à apelação.
O Desembargador “C” divergiu do
relator e votou por dar provimento à apelação.
Assim, o placar estava 2x1.
Diante disso, foi designada uma
nova sessão para aplicação do art. 942 do CPC.
Foram convocados os
Desembargadores “D” e “E”.
O Desembargador “D” proferiu voto
acompanhando a divergência (“C”) para dar provimento à apelação.
O Desembargador “E” também
acompanhou a divergência.
Logo, o acórdão proferido pelo
órgão em composição ampliada ficou assim: 3x2 para dar provimento à apelação. Os
três votos para dar provimento foram proferidos pelos Desembargadores “C”, “D”
e “E”. Os votos para negar provimento foram prolatados pelos Desembargadores
“A” e “B”.
Pedro, que foi sucumbente na
apelação, opôs embargos de declaração.
Diante desse cenário,
indaga-se: os embargos de declaração deverão ser julgados pela composição originária
da Câmara Cível, com apenas três Desembargadores (A, B e C) ou deverão ser
julgados pela composição ampliada formada pelos cinco Desembargadores (A, B, C,
D e E)?
Pela composição ampliada.
O julgamento dos embargos de
declaração opostos contra acórdão proferido pelo colegiado ampliado também deve
observar a sistemática do art. 942 do CPC.
De acordo com as lições de Fredie Didier Junior e Leonardo
Carneiro da Cunha:
“Proferido o
julgamento com composição ampliada, na forma do art. 942 do CPC, é possível que
sejam opostos embargos de declaração.
Nesse caso, os
embargos serão julgados pelo órgão em sua composição originária, só com três
membros, ou por sua composição ampliada? Os embargos de declaração devem ser
julgados pelo órgão que proferiu o acórdão embargado.
Se o julgamento foi proferido com
composição ampliada, é esta mesma composição ampliada que deve julgar os
embargos de declaração.
Cabe ao órgão
julgador, com a composição ampliada, examinar os embargos para inadmiti-los,
rejeitá-los ou acolhê-los.
Se resolver
acolhê-los, deverá suprir a omissão, esclarecer a obscuridade, eliminar a
contradição ou corrigir o erro material apontado pela parte embargante.
Enfim, opostos
embargos de declaração nesse caso, deve haver nova convocação dos julgadores
que não compõem originariamente a turma julgadora para que, com a composição
ampliada, possam apreciá-los e julgá-los.” (Curso de Direito Processual Civil.
Vol. III. 15ª ed., Salvador: JusPodivm, 2018, p. 102)
Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel
Mitidiero perfilham o mesmo entendimento:
“6. Embargos
Declaratórios do Julgamento Ampliado. O julgamento pela maioria determina, nas
hipóteses legais (art. 942, CPC), uma nova composição para o órgão julgador. É
essa nova composição a responsável pela continuação do julgamento. Como os
embargos declaratórios visam a aperfeiçoar o julgamento, é claro que todos os
membros do colegiado que desse participaram devem compor igualmente o colegiado
para o julgamento dos embargos declaratórios. O que determina essa composição
igualmente ampliada é o vínculo existente entre o julgamento embargado e os
embargos declaratórios: existe uma relação de complementaridade entre o acórdão
embargado e o acórdão dos embargos declaratórios, de modo que é preciso guardar
simetria entre os componentes do órgão julgador.” (Código de Processo Civil
Comentado. 8ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2022).
Essa foi também a conclusão
exposta nos seguintes enunciados das Jornadas do Centro de Estudos Judiciários
(Conselho da Justiça Federal) e do Fórum Permanente de Processualistas Civis:
Jornada CEJ/CJF, Enunciado 137: Se o recurso do qual se originou
a decisão embargada comportou a aplicação da técnica do art. 942 do CPC, os
declaratórios eventualmente opostos serão julgados com a composição ampliada.
FPPC, Enunciado 700: O julgamento dos embargos de declaração
contra o acórdão proferido pelo colegiado ampliado será feito pelo mesmo órgão
com colegiado ampliado.
É esse o entendimento que deve
prevalecer no caso. À luz do que disciplina o art. 942 do CPC, é inegável que o
julgamento pela maioria determina, nas hipóteses legais, uma nova composição
para o órgão julgador.
Desse modo, há que se frisar que,
em razão da precípua finalidade integrativa, os embargos de declaração devem
ser julgados pelo mesmo órgão que prolatou a decisão recorrida.
Assim, conclui-se que o
julgamento dos embargos de declaração, quando opostos contra acórdão proferido
pelo órgão em composição ampliada, deve observar o mesmo quórum (ampliado), sob
pena de, por outro lado, a depender da composição do órgão julgador, o
entendimento lançado, antes minoritário, poder sagrar-se vencedor se,
excepcionalmente, forem atribuídos efeitos infringentes aos aclaratórios.
Em suma:
O julgamento dos embargos de declaração, quando
opostos contra acórdão proferido pelo órgão em composição ampliada, deve
observar o mesmo quórum (ampliado), sob pena de o entendimento
lançado, antes minoritário, poder sagrar-se vencedor.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.024.874/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso
Sanseverino, julgado em 7/3/2023 (Info 766).