Dizer o Direito

segunda-feira, 3 de abril de 2023

O embargos de declaração opostos contra acórdão proferido pelo colegiado ampliado (art. 942 do CPC) deverão ser julgados pelo mesmo órgão com colegiado ampliado

 

Técnica de julgamento do art. 942 do CPC/2015

O resultado do julgamento da apelação pode ser unânime (quando todos os Desembargadores concordam) ou por maioria (quando no mínimo um Desembargador discorda dos demais).

Se o resultado se der por maioria, o CPC prevê uma nova “chance” de a parte que “perdeu” a apelação reverter o resultado. Como assim?

Se o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em uma nova sessão, que será marcada e que contará com a presença de novos Desembargadores, que serão convocados em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial.

Ex: o resultado da apelação foi 2x1; 2 Desembargadores votaram pelo provimento da apelação (em favor de João) e um Desembargador votou pela manutenção da sentença (em favor de Pedro); significa dizer que deverá ser designada uma nova sessão e para essa nova sessão serão convocados dois novos Desembargadores que também irão emitir votos; neste nosso exemplo, foram convocados 2 porque a convocação dos novos julgadores deverá ser em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial (se os dois novos Desembargadores votarem com a minoria, o placar se inverte para 3x2).

Veja a previsão legal:

Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.

 

A previsão deste art. 942 é chamada de “técnica de complementação de julgamento não unânime” ou “técnica de ampliação do colegiado”.

Vamos verificar outras informações sobre esta técnica.

 

Prosseguimento na mesma sessão

Sendo possível, o prosseguimento do julgamento pode ocorrer na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado (§ 1º do art. 942).

 

Juízo de retratação

Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º do art. 942).

Ex: o resultado da apelação foi 2x1; dois Desembargadores votaram pelo provimento da apelação (em favor de João); por outro lado, um Desembargador (Des. Raimundo) votou pelo desprovimento da apelação (contra João); designou-se, então, um novo dia para prosseguimento do julgamento ampliado, tendo sido convocados dois Desembargadores de uma outra Câmara Cível do Tribunal (Desembargadores Cláudio e Paulo); logo no início, antes que Cláudio e Paulo votassem, o Des. Raimundo pediu a palavra e disse: olha, melhor refletindo nesses dias, eu gostaria de evoluir meu entendimento e irei acompanhar a maioria votando pelo provimento da apelação.

Mesmo que isso ocorra, ou seja, que alguém mude de opinião, ainda assim deverão ser colhidos os votos dos Desembargadores convocados. Nesse sentido:

Enunciado 599-FFPC: A revisão do voto, após a ampliação do colegiado, não afasta a aplicação da técnica de julgamento do art. 942.

 

Esse art. 942 é uma espécie de recurso?

NÃO. Trata-se de uma “técnica de complementação de julgamento nas decisões colegiadas não unânimes de segunda instância”. Nesse sentido:

A forma de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015 não se configura como espécie recursal nova (não é um novo recurso). Isso porque o seu emprego é automático e obrigatório.

Desse modo, falta a voluntariedade, que é uma característica dos recursos.

Além disso, esta técnica não é prevista como recurso, não preenchendo assim a taxatividade.

STJ. 4ª Turma. REsp 1733820/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/10/2018.

 

A parte que “perdeu” a apelação precisa pedir a aplicação do art. 942?

NÃO. Essa técnica de julgamento é obrigatória e aplicável de ofício, automaticamente, pelo Tribunal. A parte não precisa requerer a sua aplicação.

 

A técnica é aplicada antes da conclusão do julgamento

Como não se trata de recurso, a aplicação da técnica ocorre em momento anterior à conclusão do julgamento, ou seja, não há proclamação do resultado, nem lavratura de acórdão parcial, antes de a causa ser devidamente apreciada pelo colegiado ampliado.

Tanto isso é verdade que, conforme já explicado, sendo possível, o prosseguimento do julgamento pode ocorrer na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado (§ 1º do art. 942). No entanto, mesmo que ocorra em outro dia, considera-se que houve um só julgamento. Não se encerrou um para começar o outro ampliado.

 

 

 

A técnica do art. 942 do CPC vale apenas para a apelação?

NÃO. Além da apelação, a técnica de julgamento prevista no art. 942 aplica-se também para o julgamento não unânime proferido em:

a) ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;

b) agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.

 

Quadro-resumo das hipóteses de cabimento

A técnica do art. 942 do CPC é aplicada em caso de

acórdãos não unânimes (por maioria) proferidos em:

APELAÇÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO

AÇÃO RESCISÓRIA

Não importa se o Tribunal manteve ou reformou a sentença. Basta que o acórdão tenha sido por maioria.

Somente se o Tribunal reformou decisão que julgou parcialmente o mérito.

Se o resultado do acórdão for a rescisão da sentença.

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

João ingressou com ação contra Pedro.

O juiz julgou o pedido improcedente.

O autor interpôs apelação contra a sentença.

O recurso foi julgado pela Câmara Cível do Tribunal de Justiça, composta por três Desembargadores.

O Desembargador “A”, relator, proferiu voto negando provimento à apelação.

O Desembargador “B” acompanhou o relator negando provimento à apelação.

O Desembargador “C” divergiu do relator e votou por dar provimento à apelação.

Assim, o placar estava 2x1.

Diante disso, foi designada uma nova sessão para aplicação do art. 942 do CPC.

Foram convocados os Desembargadores “D” e “E”.

O Desembargador “D” proferiu voto acompanhando a divergência (“C”) para dar provimento à apelação.

O Desembargador “E” também acompanhou a divergência.

Logo, o acórdão proferido pelo órgão em composição ampliada ficou assim: 3x2 para dar provimento à apelação. Os três votos para dar provimento foram proferidos pelos Desembargadores “C”, “D” e “E”. Os votos para negar provimento foram prolatados pelos Desembargadores “A” e “B”.

Pedro, que foi sucumbente na apelação, opôs embargos de declaração.

 

Diante desse cenário, indaga-se: os embargos de declaração deverão ser julgados pela composição originária da Câmara Cível, com apenas três Desembargadores (A, B e C) ou deverão ser julgados pela composição ampliada formada pelos cinco Desembargadores (A, B, C, D e E)?

Pela composição ampliada.

O julgamento dos embargos de declaração opostos contra acórdão proferido pelo colegiado ampliado também deve observar a sistemática do art. 942 do CPC.

De acordo com as lições de Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha:

“Proferido o julgamento com composição ampliada, na forma do art. 942 do CPC, é possível que sejam opostos embargos de declaração.

Nesse caso, os embargos serão julgados pelo órgão em sua composição originária, só com três membros, ou por sua composição ampliada? Os embargos de declaração devem ser julgados pelo órgão que proferiu o acórdão embargado.

Se o julgamento foi proferido com composição ampliada, é esta mesma composição ampliada que deve julgar os embargos de declaração.

Cabe ao órgão julgador, com a composição ampliada, examinar os embargos para inadmiti-los, rejeitá-los ou acolhê-los.

Se resolver acolhê-los, deverá suprir a omissão, esclarecer a obscuridade, eliminar a contradição ou corrigir o erro material apontado pela parte embargante.

Enfim, opostos embargos de declaração nesse caso, deve haver nova convocação dos julgadores que não compõem originariamente a turma julgadora para que, com a composição ampliada, possam apreciá-los e julgá-los.” (Curso de Direito Processual Civil. Vol. III. 15ª ed., Salvador: JusPodivm, 2018, p. 102)

 

Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero perfilham o mesmo entendimento:

“6. Embargos Declaratórios do Julgamento Ampliado. O julgamento pela maioria determina, nas hipóteses legais (art. 942, CPC), uma nova composição para o órgão julgador. É essa nova composição a responsável pela continuação do julgamento. Como os embargos declaratórios visam a aperfeiçoar o julgamento, é claro que todos os membros do colegiado que desse participaram devem compor igualmente o colegiado para o julgamento dos embargos declaratórios. O que determina essa composição igualmente ampliada é o vínculo existente entre o julgamento embargado e os embargos declaratórios: existe uma relação de complementaridade entre o acórdão embargado e o acórdão dos embargos declaratórios, de modo que é preciso guardar simetria entre os componentes do órgão julgador.” (Código de Processo Civil Comentado. 8ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2022).

 

Essa foi também a conclusão exposta nos seguintes enunciados das Jornadas do Centro de Estudos Judiciários (Conselho da Justiça Federal) e do Fórum Permanente de Processualistas Civis:

Jornada CEJ/CJF, Enunciado 137: Se o recurso do qual se originou a decisão embargada comportou a aplicação da técnica do art. 942 do CPC, os declaratórios eventualmente opostos serão julgados com a composição ampliada.

 

FPPC, Enunciado 700: O julgamento dos embargos de declaração contra o acórdão proferido pelo colegiado ampliado será feito pelo mesmo órgão com colegiado ampliado.

 

É esse o entendimento que deve prevalecer no caso. À luz do que disciplina o art. 942 do CPC, é inegável que o julgamento pela maioria determina, nas hipóteses legais, uma nova composição para o órgão julgador.

Desse modo, há que se frisar que, em razão da precípua finalidade integrativa, os embargos de declaração devem ser julgados pelo mesmo órgão que prolatou a decisão recorrida.

Assim, conclui-se que o julgamento dos embargos de declaração, quando opostos contra acórdão proferido pelo órgão em composição ampliada, deve observar o mesmo quórum (ampliado), sob pena de, por outro lado, a depender da composição do órgão julgador, o entendimento lançado, antes minoritário, poder sagrar-se vencedor se, excepcionalmente, forem atribuídos efeitos infringentes aos aclaratórios.

 

Em suma:

O julgamento dos embargos de declaração, quando opostos contra acórdão proferido pelo órgão em composição ampliada, deve observar o mesmo quórum (ampliado), sob pena de o entendimento lançado, antes minoritário, poder sagrar-se vencedor.

STJ. 3ª Turma. REsp 2.024.874/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 7/3/2023 (Info 766).

 

 

 

 

 

 

 


Print Friendly and PDF