Dizer o Direito

quinta-feira, 20 de abril de 2023

O art. 15 da Lei 12.651/2012 (Código Florestal) pode ser aplicado para situações consolidadas antes de sua vigência

 

Em que consiste a área de reserva legal?

­Reserva legal é...

- uma área (uma porção de terra)

- localizada no interior de um imóvel rural

- e dentro da qual o proprietário ou possuidor fica obrigado, por força de lei (Lei nº 12.651/2012),

- a manter a cobertura de vegetação nativa,

- com a função de:

• assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural,

• auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos,

• promover a conservação da biodiversidade e

• assegurar abrigo e proteção da fauna silvestre e da flora nativa.

 

Natureza

A Área de Reserva Legal consiste em uma limitação ao direito de propriedade (limitação administrativa existente em função do princípio da função socioambiental da propriedade).

Trata-se de obrigação “propter rem”, ou seja, é uma obrigação que acompanha a coisa e vincula todo e qualquer proprietário ou possuidor de imóvel rural, já que adere ao título de propriedade ou à posse.

 

Quem tem o dever de preservar a área de reserva legal? Só o proprietário?

NÃO. A Reserva Legal deve ser conservada com cobertura de vegetação nativa não apenas pelo proprietário, como também pelo possuidor ou por qualquer outra pessoa que ocupe, a qualquer título, a área, seja ele uma pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado (art. 17, caput).

 

Admite-se algum tipo de atividade econômica na área de reserva legal?

SIM. Admite-se a exploração econômica da Reserva Legal mediante manejo sustentável, previamente aprovado pelo órgão competente do Sisnama (art. 17, § 1º).

 

Qual é o tamanho da área de reserva legal?

Será um percentual do imóvel baseado na região do país onde ele está situado e na natureza da vegetação. A Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal) prevê os percentuais de cada imóvel rural que deverão ser separados e protegidos como área de reserva legal. Veja:

Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei:

I — localizado na Amazônia Legal:

a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas;

b) 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel situado em área de cerrado;

c) 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de campos gerais;

II — localizado nas demais regiões do País: 20% (vinte por cento).

 

Nos parágrafos do art. 12 estão previstas situações em que é possível alterar o percentual mínimo da área de reserva legal. A depender do grau de complexidade do concurso público que você está prestando, vale a pena fazer uma leitura desses dispositivos.

 

Onde fica a área de reserva legal dentro do imóvel rural? Em outras palavras, em um sítio, por exemplo, como a pessoa sabe onde está a área de reserva legal? É o proprietário/possuidor que define isso?

NÃO. A localização da área de Reserva Legal dentro da propriedade ou posse rural deverá ser aprovada pelo órgão estadual integrante do SISNAMA ou instituição por ele habilitada, conforme os critérios previstos no art. 14 do Código Florestal.

 

Existem imóveis rurais que não precisam constituir área de reserva legal?

SIM. Segundo prevê os §§ 6º a 8º do art. 12, não será exigida Reserva Legal para:

• empreendimentos de abastecimento público de água e tratamento de esgoto;

• áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações ou sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica;

• áreas adquiridas ou desapropriadas com o objetivo de implantação e ampliação de capacidade de rodovias e ferrovias.

 

Áreas de Preservação Permanente (APP)

Área de Preservação Permanente (APP) é uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (art. 3º, III, da Lei nº 12.651/2012).

 

Cômputo da APP no percentual da Reserva Legal

O novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) autorizou que a APP fosse considerada para cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel. Veja:

Art. 15. Será admitido o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel, desde que:

I - o benefício previsto neste artigo não implique a conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo;

II - a área a ser computada esteja conservada ou em processo de recuperação, conforme comprovação do proprietário ao órgão estadual integrante do Sisnama; e

III - o proprietário ou possuidor tenha requerido inclusão do imóvel no Cadastro Ambiental Rural - CAR, nos termos desta Lei.

 

Essa previsão do art. 15 representou uma “redução de proteção ambiental. Isso porque a legislação revogada, em regra, não admitia o computo das áreas de preservação permanente no cálculo da reserva legal, que deviam ser somadas, salvo expressas exceções.” (AMADO, Frederico. Sinopse de Direito Ambiental. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 177).

Explicando melhor:

• legislação anterior: o proprietário teria que proteger a área da Reserva Legal e mais a APP;

• art. 15 da Lei nº 12.651/2012: na contagem do que é Reserva Legal, já se pode utilizar a APP (diminui a área protegida).

 

Alguns autores alegaram que esse art. 15 do novo Código Florestal seria inconstitucional porque implicaria um retrocesso na proteção do meio ambiente, afrontando, portanto, o art. 225 da CF/88. O STF acolheu esse argumento?

NÃO. O STF declarou a constitucionalidade do art. 15 da Lei nº 12.651/2012 tendo em vista que ele está de acordo com o “desenvolvimento nacional” (art. 3º, II, da CF/88) e o “direito de propriedade” (art. 5º, XXII, da CF/88).

Confira o trecho da ementa do julgado na parte que trata sobre o art. 15 do Código Florestal:

(...) As Áreas de Preservação Permanente são zonas específicas nas quais se exige a manutenção da vegetação, como restingas, manguezais e margens de cursos d´água. Por sua vez, a Reserva Legal é um percentual de vegetação nativa a ser mantido no imóvel, que pode chegar a 80% (oitenta por cento) deste, conforme localização definida pelo órgão estadual integrante do Sisnama à luz dos critérios previstos no art. 14 do novo Código Florestal, dentre eles a maior importância para a conservação da biodiversidade e a maior fragilidade ambiental.

Em regra, consoante o caput do art. 12 do novo Código Florestal, a fixação da Reserva Legal é realizada sem prejuízo das áreas de preservação permanente. Entretanto, a incidência cumulativa de ambos os institutos em uma mesma propriedade pode aniquilar substancialmente a sua utilização produtiva.

O cômputo das Áreas de Preservação Permanente no percentual de Reserva Legal resulta de legítimo exercício, pelo legislador, da função que lhe assegura o art. 225, § 1º, III, da Constituição, cabendo-lhe fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos, inclusive o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CRFB) e o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CRFB).

Da mesma forma, impedir o cômputo das áreas de preservação permanente no cálculo da extensão da Reserva Legal equivale a tolher a prerrogativa da lei de fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos; Conclusão: Declaração de constitucionalidade do artigo 15 do Código Florestal; (...)

STF. Plenário. ADC 42, Rel. Luiz Fux, julgado em 28/02/2018.

 

Veja como o tema foi cobrado em prova:

ý (Juiz Federal TRF3 2018) Recentemente o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade 4901, 4902, 4903, 4937 e da Ação Declaratória de Constitucionalidade 42, as quais tratavam de diversos dispositivos da Lei nº 12.651/2012, denominada Código Florestal. De acordo

com referido julgamento, marque verdadeiro ou falso:

Embora tenha reconhecido a constitucionalidade da maior parte dos dispositivos do Código Florestal, o Supremo Tribunal Federal também admitiu que a redução da área de reserva legal prevista na norma estabeleceu um padrão de proteção ambiental inferior ao que existia antes de sua vigência, em afronta ao princípio da vedação ao retrocesso e em contrariedade ao artigo 225 da Constituição Federal. (errado)

 

O art. 15 do Código Florestal pode ser aplicado para situações consolidadas antes de sua vigência?

SIM.

 

Vamos entender melhor o tema com a seguinte situação hipotética:

João é proprietário de uma fazenda. Ficou constatado que ele não destinou área suficiente para a reserva florestal legal, conforme o antigo Código Florestal e a Lei estadual nº 9.989/98, de São Paulo.

Diante disso, o Ministério Público ajuizou ação civil pública contra João.

Ocorre que, antes que a ação fosse julgada, entrou em vigor o novo Código Florestal.

Com o art. 15 da Lei Federal nº 12.651/2012 ficou autorizado o computo da APP para a fixação da reserva legal. Logo, se considerado o novo Código Florestal, não haveria irregularidade no imóvel de João.

O STJ, inicialmente, decidiu que não seria possível aplicar a Lei nº 12.651/2012 (novo Código Florestal) porque os fatos são anteriores à sua vigência.

Conforme entendeu o STJ, deveria prevalecer o princípio tempus regit actum, de forma a não se admitir a aplicação do novo Código Florestal a fatos pretéritos, sob pena de retrocesso ambiental.

Entretanto, após o referido acórdão do STJ, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a reclamação proposta afirmando que, em reiteradas reclamações, tem considerado que o raciocínio adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, fundado nos princípios do tempus regit actum e da vedação de retrocesso ambiental, acarreta burla às decisões proferidas na ADC 42/DF e nas ADIs 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF, e implica o esvaziamento do conteúdo normativo de dispositivo legal, com fundamento constitucional implícito, constante na Súmula Vinculante n. 10.

Assim, o STF determinou que o STJ readequasse o entendimento.

Logo, em cumprimento à decisão emanada na Reclamação 43.703/SP (STF), o STJ também passou a decidir que a eficácia retroativa da Lei nº 12.651/2012 permitiu o reconhecimento de situações consolidadas e a regularização ambiental de imóveis rurais levando em conta suas novas disposições, e não à luz da legislação vigente na data dos ilícitos ambientais.

 

Em suma:

 

Mudança de entendimento

A posição do STJ era, antigamente, no sentido da impossibilidade de aplicação retroativa da Lei nº 12.651/2012:

O art. 15 da Lei nº 12.651/2012, que admite o cômputo da área de preservação permanente no cálculo do percentual de instituição da reserva legal do imóvel, não retroage para alcançar situações consolidadas antes de sua vigência.

Em matéria ambiental, deve prevalecer o princípio tempus regit actum, de forma a não se admitir a aplicação das disposições do novo Código Florestal a fatos pretéritos, sob pena de retrocesso ambiental.

STJ. 1ª Turma. REsp 1646193-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Gurgel de Faria, julgado em 12/05/2020 (Info 673).

 

 

 

 


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