quinta-feira, 13 de abril de 2023
É justificável a antecipação de prova no caso de depoimento especial de adolescente vítima de crime sexual
RELEMBRANDO ALGUNS ASPECTOS DA LEI 13.431/2017
O que diz a Lei nº
13.431/2017?
A Lei nº 13.431/2017 prevê regras
para proteger as crianças e adolescentes que forem vítimas ou testemunhas de
violência.
A Lei prevê que podem ser
praticadas quatro formas de violência contra as crianças ou adolescentes:
I - violência física;
II - violência psicológica;
III - violência sexual;
IV - violência institucional.
Umas da proteções conferidas pela
Lei é determinação de que a criança e o adolescente sejam ouvidos sobre a
situação de violência por meio de escuta especializada e depoimento especial.
O que é a escuta
especializada?
Escuta
especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de violência com
criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato
estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade.
O que é o depoimento
especial?
Depoimento
especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou
testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária.
O depoimento
especial tramitará em segredo de justiça.
Criança ou adolescente não terá
contato com o acusado
A criança ou o adolescente será
resguardado de qualquer contato, ainda que visual, com o suposto autor ou
acusado, ou com outra pessoa que represente ameaça, coação ou constrangimento.
Local apropriado
A escuta especializada e o
depoimento especial serão realizados em local apropriado e acolhedor, com
infraestrutura e espaço físico que garantam a privacidade da criança ou do
adolescente vítima ou testemunha de violência.
Depoimento deve ser realizado uma
única vez como prova judicial antecipada
O depoimento especial seguirá o
rito cautelar de antecipação de prova:
I - quando a criança ou o
adolescente tiver menos de 7 (sete) anos;
II - em caso de violência sexual.
Confira a exata redação da Lei:
Art. 11. O depoimento especial
reger-se-á por protocolos e, sempre que possível, será realizado uma única vez,
em sede de
produção antecipada de prova judicial, garantida a ampla defesa do
investigado.
§ 1º O depoimento especial
seguirá o rito cautelar de antecipação de prova:
I - quando a criança ou o
adolescente tiver menos de 7 (sete) anos;
II - em caso de violência sexual.
§ 2º Não será admitida a tomada
de novo depoimento especial, salvo quando justificada a sua imprescindibilidade
pela autoridade competente e houver a concordância da vítima ou da testemunha,
ou de seu representante legal.
Procedimento
para o depoimento especial
O depoimento especial será
colhido conforme o seguinte procedimento:
I - os profissionais
especializados esclarecerão a criança ou o adolescente sobre a tomada do depoimento
especial, informando-lhe os seus direitos e os procedimentos a serem adotados e
planejando sua participação. Importante: é proibida a leitura da denúncia ou de
outras peças processuais.
II - deve-se permitir que a
criança/adolescente faça a livre narrativa sobre a situação de violência,
podendo o profissional especializado intervir quando necessário, utilizando
técnicas que permitam a elucidação dos fatos;
III - se estivermos diante de um
processo judicial, o depoimento especial será realizado em um sala própria,
mais acolhedora, e o depoimento será transmitido em tempo real para a sala de
audiência, preservado o sigilo;
IV - depois terminar a livre
narrativa feita pela criança/adolescente, o juiz, após consultar o Ministério
Público, o defensor e os assistentes técnicos, avaliará se é pertinente ou não
fazer perguntas complementares;
V - o profissional especializado
poderá adaptar as perguntas à linguagem de melhor compreensão da criança ou do
adolescente;
VI - o depoimento especial será
gravado em áudio e vídeo.
Obs: a vítima ou testemunha de
violência tem o direito de prestar depoimento diretamente ao juiz, se assim o
entender.
Obs2: o profissional
especializado comunicará ao juiz se verificar que a presença, na sala de
audiência, do autor da violência pode prejudicar o depoimento especial ou
colocar o depoente em situação de risco, caso em que, fazendo constar em termo,
será autorizado o afastamento do imputado.
Obs3: nas hipóteses em que houver
risco à vida ou à integridade física da vítima ou testemunha, o juiz tomará as
medidas de proteção cabíveis, podendo inclusive restringir a transmissão e a
gravação do depoimento.
EXPLICAÇÃO DO JULGADO
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João é suspeito de ter praticado
crime sexual contra seu enteado Pedro, de apenas 14 anos, fato que teria sido
presenciado por Lucas, de 11 anos.
Ao tomar conhecimento desses
fatos, a autoridade policial formulou representação de medida cautelar
inominada criminal pedindo a produção antecipada de provas, com o objetivo de tomar o depoimento
especial de Pedro, na condição de vítima, e de Lucas, na qualidade de
testemunha da violência, ambos realizados na forma da Lei nº 13.431/2017 acima
explicada.
A medida foi deferida
fundamentadamente pelo magistrado.
Inconformado, João impetrou
habeas corpus, mas o TJ manteve a decisão do juiz que autorizou a realização
antecipada do depoimento especial.
Os depoimentos foram realizados.
Mesmo assim, João interpôs
recurso ordinário constitucional ao STJ afirmando que não houve perda do
objeto, ou seja, que ele permanece com interesse recursal. Isso porque, em sua
visão, os depoimentos foram colhidos em desacordo com o devido processo legal.
Logo, essas provas deverão ser declaradas nulas.
O STJ concordou com o
pedido de João? Foi dado provimento ao recurso?
NÃO.
A controvérsia consiste em
definir se há nulidade na prova já produzida em depoimento especial de criança
e adolescente, sob a justificativa de falibilidade da memória do menor.
No caso, verifica-se que a prova
que se buscava afastar já foi produzida, com a respectiva audiência realizada.
A prova produzida se mostrou
pertinente em relação ao caso concreto (dois depoimentos especiais: de vítima,
com apenas 14 anos de idade, de crime de natureza sexual supostamente cometido
pelo próprio padrasto e de testemunha que teria presenciado os fatos, com
apenas 11 anos).
Vale ressaltar que a medida foi
devidamente requerida pela autoridade policial e deferida de forma
fundamentada, tanto pela sua relevância (força probatória da palavra da vítima
em crimes dessa natureza) como pela sua urgência (falibilidade da memória de
crianças e adolescentes, em especial, quando repetidamente questionadas sobre
os fatos).
Assim, tratava-se de prova
essencial e irrepetível pela própria natureza.
Em suma:
STJ. 5ª
Turma. AgRg no RHC 160.012/SC, Rel. Min. Messod Azulay Neto, julgado em
6/3/2023 (Info 767).