LEI ESTADUAL
PODE CONFERIR À DEFENSORIA PÚBLICA A PRERROGATIVA DE REQUISITAR CERTIDÕES,
EXAMES, PERÍCIAS, DOCUMENTOS ETC.
Lei estadual conferindo a prerrogativa
de requisição aos membros da Defensoria Pública
A Lei Complementar estadual nº 1/90,
do Amazonas, organiza a Defensoria Pública do Estado.
Essa lei
previu que os Defensores Públicos podem requisitar, de quaisquer autoridades
públicas e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias,
diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais
providências necessárias à sua atuação. Confira:
Art. 9º (...)
Parágrafo único. Para desempenho de suas funções o Defensor Público
Geral da Defensoria Pública poderá:
I - requisitar, de qualquer autoridade pública e de seus agentes, ou de
entidade particular, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências,
processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências
necessárias à atuação da Defensoria Pública;
II - requisitar, na capital, de órgão estadual e, no interior, de órgão
municipal, transporte de qualquer natureza, para si, para qualquer membro da
Defensoria Pública, ou para os servidores da Defensoria Pública Geral, à
realização de serviço funcional da Defensoria Pública;
III - requisitar laudos ou pareceres de órgãos técnicos para instruir
procedimentos de competência da Defensoria Pública.
Assim como no Amazonas, praticamente
todos os outros Estados possuem leis semelhantes conferindo essa prerrogativa
aos Defensores Públicos.
Diante disso, indaga-se: essa previsão
é constitucional? A prerrogativa de requisição conferida aos membros da
Defensoria Pública é constitucional?
SIM.
A Defensoria
Pública detém a prerrogativa de requisitar, de quaisquer autoridades públicas e
de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências,
processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências
necessárias à sua atuação.
STF. Plenário.
ADI 6852/DF e ADI 6862/PR, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 18/2/2022 (Info
1045).
STF. Plenário.
ADI 6865/PB, ADI 6867/ES, ADI 6870/DF, ADI 6871/CE, ADI 6872/AP, ADI 6873/AM e
ADI 6875/RN, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 18/2/2022 (Info 1045).
É constitucional
lei complementar estadual que, desde que observados os parâmetros de
razoabilidade e proporcionalidade, confere à Defensoria Pública a prerrogativa
de requisitar, de quaisquer autoridades públicas e de seus agentes, certidões,
exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações,
esclarecimentos e demais providências necessárias ao exercício de suas
atribuições.
STF. Plenário.
ADI 6860/MT, ADI 6861/PI e ADI 6863/PE, Rel. Min. Nunes Marques, julgados em
13/9/2022 (Info 1067).
A possibilidade de a Defensoria
requisitar certidões, informações e documentos de órgãos públicos, embora não
tenha previsão constitucional expressa, é medida salutar porque permite,
inclusive, a solução de demandas pelas vias administrativas ou transacionais,
evitando o ajuizamento de processos judiciais.
Além disso, esse poder de requisição
serve como um auxílio para o assistido conseguir obter os documentos que
necessita para a garantia de seus direitos, diminuindo o tempo que os
hipossuficientes precisarão esperar para serem atendidos.
Nesse sentido, a retirada da
prerrogativa de requisição implicaria, na prática, a criação de obstáculo à
atuação da Defensoria Pública, a comprometer sua função primordial, bem como a
autonomia que lhe foi garantida.
O poder de requisitar de qualquer
autoridade pública e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias,
diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais
providências necessárias ao exercício de suas atribuições, foi atribuído aos
membros da Defensoria Pública porque eles exercem, e para que continuem a
exercer de forma desembaraçada, uma função essencial à Justiça e à democracia,
especialmente, no tocante, a sua atuação coletiva e fiscalizadora.
LEI ESTADUAL NÃO PODE CONFERIR À DEFENSORIA PÚBLICA A PRERROGATIVA DE REQUISITAR A INSTAURAÇÃO
DE INQUÉRITO POLICIAL
Lei estadual conferindo a prerrogativa
de os membros da Defensoria Pública requisitarem a instauração de inquérito
policial
A Lei Complementar estadual nº 65/2003, de Minas Gerais,
organiza a Defensoria Pública do Estado.
Essa lei
previu que os Defensores Públicos podem requisitar a instauração de inquérito
policial:
Art. 45. Aos Defensores Públicos do Estado incumbe o desempenho das
funções de orientação, postulação e defesa dos direitos e interesses dos
necessitados, cabendo-lhes especialmente:
(...)
XXI – requisitar a instauração de inquérito policial e diligências
necessárias à apuração de crime de ação penal pública;
Vale ressaltar que a Lei Complementar federal nº 80/94,
que organiza a Defensoria Pública da União e estabelece normas gerais para as
Defensorias Públicas estaduais, não possui previsão semelhante.
ADI
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP)
ingressou com ADI contra esse dispositivo.
A autora sustentou que houve violação da competência
privativa da União para legislar sobre matéria processual, uma vez que a lei
estadual atribuiu competência a Defensores Públicos para requisição de
diligências voltadas a apurar crimes de ação penal pública.
Sustentou que caberia ao Ministério Público, órgão titular
da ação penal, a atribuição de requisitar a instauração de inquérito policial
para averiguação de crimes de ação penal pública.
Esses argumentos foram acolhidos pelo STF? Essa previsão
da lei estadual é inconstitucional?
SIM.
O art. 45, XXI, da LC 65/2003, do Estado de Minas Gerais,
conferiu à Defensoria Pública estadual o poder de requisitar não apenas
documentos e/ou diligências, mas também a instauração de inquérito policial.
Para o STF, a situação neste caso é diferente do que foi
explicado acima, não se podendo adotar o mesmo raciocínio para se considerar
essa previsão constitucional.
Requisitar inquérito policial é atividade ligada à
persecução penal; logo, é matéria de processo penal, de competência privativa
da União
O poder de requisitar a instauração de inquérito policial
está intrinsecamente ligado à persecução penal no
País, o que exige uma disciplina uniforme em todo o território nacional.
Nesse
contexto, o Código de Processo Penal — norma editada no exercício da
competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22,
I, CF/88) — já delimitou essa atribuição, conferindo-a somente à autoridade
judiciária ou ao Ministério Público, conforme previsto no art. 5º:
CF/88
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,
marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
CPP
Art. 5º Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:
I - de ofício;
II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério
Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para
representá-lo.
Logo, o legislador estadual usurpou a competência
privativa da União.
Não se poderia dizer que essa norma trata sobre
procedimentos e sobre Defensoria Pública, matérias que são de competência
concorrente (art. 24, XI e XIII, da CF/88)?
Mesmo que se adotasse essa premissa, a lei continuaria
sendo inconstitucional.
A
Constituição diz o seguinte:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
(...)
XI - procedimentos em matéria processual;
(...)
XIII - assistência jurídica e Defensoria pública;
Ainda que se considerasse que a norma impugnada foi
editada no exercício de competência concorrente pra dispor sobre procedimento
em matéria processual (art. 24, XI, CF/88) ou sobre assistência jurídica e
defensoria pública (art. 24, XIII, CF/88), o art. 45, XXI, da Lei Complementar
nº 65/2003, do Estado de Minas Gerais, seria inconstitucional, por colidir com
o previsto no art. 5º do CPP, que já regulou a titularidade do poder de
requisição de instauração de inquérito policial.
Resumindo:
Nesse
cenário, viola o art. 22, I, da CF/88, a norma estadual que, indo de encontro à
disciplina processual editada pela União, amplia o poder de requisição para
instauração de inquérito policial para conferir tal atribuição à Defensoria
Pública:
STF. Plenário.
ADI 4346/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, redator do acórdão Min. Alexandre de
Moraes, julgado em 13/03/2023 (Info 1086).
Com base
nesse entendimento, o Plenário do STF julgou parcialmente procedente o pedido apenas
para declarar a inconstitucionalidade da expressão “a instauração de inquérito
policial”, constante do art. 45, XXI, da Lei Complementar nº 65/2003 do Estado
de Minas Gerais:
Art. 45. Aos Defensores Públicos do Estado incumbe o desempenho das
funções de orientação, postulação e defesa dos direitos e interesses dos
necessitados, cabendo-lhes especialmente:
(...)
XXI – requisitar a instauração de inquérito policial e
diligências necessárias à apuração de crime de ação penal pública;