Imagine a seguinte situação
hipotética:
João requereu administrativamente
junto ao INSS a concessão de aposentadoria.
O pedido foi deferido e ele começou
a receber o benefício a partir de 05/1997.
Posteriormente, em um
procedimento administrativo de auditoria interna, o INSS constatou que João apresentou
documentos fraudulentos para comprovar os vínculos empregatícios.
Descoberta a ilegalidade, o pagamento do benefício foi
cessado em 09/2007.
Em 10/2016, o INSS ajuizou ação
para a cobrança dos valores recebidos indevidamente por João.
O juiz extinguiu o processo com
resolução do mérito por considerar prescrita a pretensão ressarcitória.
Para o magistrado, o INSS tinha um prazo de 5 anos para
ajuizar a ação após a descoberta do pagamento indevido, nos termos do art. 1º
do Decreto 20.910/1932:
Art. 1º As dívidas passivas da
União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação
contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza,
prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
Irresignado, o INSS recorreu alegando que deveria ser
aplicada a parte final do §5º do art. 37 da CF/88, que prevê a imprescritibilidade
do ressarcimento ao erário nos casos de dolo, fraude ou má-fé:
Art. 37 (...)
§ 5º A lei estabelecerá os prazos
de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não,
que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de
ressarcimento.
O STJ concordou com os
argumentos do INSS? Essa pretensão é imprescritível como alegou a autarquia?
NÃO.
O Supremo Tribunal Federal, no
julgamento do RE 669.069/MG, em sede de repercussão geral, definiu a tese de
que:
É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública
decorrente de ilícito civil.
STF. Plenário. RE 669069/MG,
Rel. Min Teori Zavascki, julgado em 03/02/2016 (Repercussão Geral – Tema 666).
Dito de outro modo, se o Poder
Público sofreu um dano ao erário decorrente de um ilícito civil e deseja ser
ressarcido, ele deverá ajuizar a ação no prazo prescricional previsto em lei.
Não há que se falar em pretensão imprescritível.
Esse
Tema 666 é aplicável ao caso dos autos, uma vez que não se trata de improbidade
administrativa, tampouco há notícia de sentença criminal transitada em julgado
em desfavor do réu, o que enseja o reconhecimento de ato ilícito civil e impõe
o afastamento da tese de imprescritibilidade aventada pelo INSS.
Sobre o tema, o STJ entende que:
(i) configurada a má-fé do
beneficiário no recebimento dos valores e
(ii) na ausência de prazo
prescricional específico definido em lei, é aplicável o prazo disposto no art.
1º do Decreto 20.910/1932, em respeito aos princípios da isonomia e simetria.
A pretensão de ressarcimento de danos ao erário não decorrente
de ato de improbidade, como é o caso dos autos, prescreve em cinco anos.
STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.835.383/RJ, Rel. Min. Francisco
Falcão, julgado em 1/6/2021.
Aplica-se o prazo prescricional de 5 anos, nos termos do art. 1º
do Decreto 20.910/1932, à ação de ressarcimento de benefício previdenciário pago
indevidamente, quando comprovada a má-fé do beneficiário, em atenção aos
princípios da isonomia e simetria.
STJ. 2ª Turma. AREsp 1.441.458/RS, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, julgado em 20/10/2020.
A prescrição é a regra no
ordenamento jurídico. Assim, ainda que configurada a má-fé do beneficiário no
recebimento dos valores, inexistindo prazo específico definido em lei, o prazo
prescricional aplicável é o de 5 anos, nos termos do art. 1º do Decreto
20.910/1932, em respeito aos princípios da isonomia e simetria.
Enquanto não reconhecida a natureza ímproba ou criminal do ato
causador de dano ao erário, a pretensão de ressarcimento sujeita-se normalmente
aos prazos prescricionais.
STJ. 1ª Turma. REsp 1825103/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia
Filho, julgado em 12/11/2019.
Em suma:
STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.998.744-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, julgado em 6/3/2023 (Info 768).
DOD Plus –
informações complementares
SITUAÇÃO |
PRESCRIÇÃO |
Ação de reparação por danos
causados à Fazenda Pública em razão da prática de ILÍCITO
CIVIL Ex: particular, dirigindo seu veículo, por imprudência, colide com o
carro de um órgão público estadual em serviço. Estado terá o prazo de 5 anos
para buscar o ressarcimento. |
é PRESCRITÍVEL (STF RE 669069/MG) Tema 666 |
Pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão do Tribunal
de Contas |
é PRESCRITÍVEL (STF RE 636886/AL) Tema 899 |
Pretensão de ressarcimento de
benefício previdenciário pago indevidamente, quando comprovada a má-fé do
beneficiário, não decorrente de ato de improbidade administrativa |
é PRESCRITÍVEL (5 anos) (STJ AgInt no REsp
1.998.744-RJ) |
Ação de ressarcimento
decorrente de ato de improbidade
administrativa praticado com DOLO (obs: depois da Lei
14.230/2021, só existe ato de improbidade administrativa doloso) |
é IMPRESCRITÍVEL (§ 5º do art. 37 da CF/88) STF RE 852475/SP Tema 897 |
Ação pedindo a reparação civil
decorrente de DANOS AMBIENTAIS É imprescritível a pretensão de reparação
civil de dano ambiental. Ex: não há prazo para ACP ajuizada pelo MP objetivando
a reparação de danos decorrentes de degradação ao meio ambiente. Embora a Constituição e as leis ordinárias não tratem sobre prazo
prescricional para a reparação de danos civis ambientais, a reparação do meio
ambiente é direito fundamental indisponível, devendo, portanto, ser
reconhecida a imprescritibilidade dessa pretensão. |
é IMPRESCRITÍVEL (STF RE 654833) Tema 999 |