Imagine
a seguinte situação hipotética:
A autarquia previdenciária indeferiu o
pedido.
Inconformada, Regina ajuizou ação contra a
autarquia previdenciária, postulando a concessão do benefício desde o início da
incapacidade.
O Juiz proferiu sentença julgando o pedido procedente
para condenar o INSS a conceder a aposentadoria à Regina, com o pagamento dos
valores em atraso, acrescidos de juros de mora e correção monetária.
Com relação aos honorários, o magistrado entendeu
que a definição do percentual relativo aos honorários advocatícios de
sucumbência somente ocorreria após a liquidação da sentença, nos termos do art.
85, § 4º, II, do CPC:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a
pagar honorários ao advogado do vencedor.
(...)
§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for
parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos
incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de vinte por
cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200
(duzentos) salários-mínimos;
II - mínimo de oito e máximo de dez por
cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200
(duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III - mínimo de cinco e máximo de oito por
cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de
2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV - mínimo de três e máximo de cinco por
cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de
20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V - mínimo de um e máximo de três por cento
sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000
(cem mil) salários-mínimos.
4º Em qualquer das hipóteses do § 3º :
I - os percentuais previstos nos incisos I a
V devem ser aplicados desde logo, quando for líquida a sentença;
II - não sendo líquida a sentença, a
definição do percentual, nos termos previstos nos incisos I a V, somente
ocorrerá quando liquidado o julgado;
(...)
O INSS interpôs apelação pedindo:
1) a reforma da sentença para julgar
improcedente o pedido;
2) que os honorários advocatícios não
incidissem sobre as parcelas vincendas, posteriores a sentença. Explicando
melhor esse segundo pedido recursal: como a aposentadoria será paga todos os
meses, mesmo depois da sentença, o INSS pediu que, no momento de se calcular os
honorários, esses valores que serão pagos depois da sentença fossem excluídos do
cálculo. Ex: se considerarmos até a data da sentença, Regina tem R$ 50 mil para
receber de parcelas atrasadas. Os honorários serão calculados com base nesse
valor. O que for devido à Regina após a data da sentença não será considerado
para fins de cálculo dos honorários advocatícios.
Esse segundo pedido recursal do INSS foi
fundamentado na Súmula 111 do STJ:
Súmula 111-STJ: Os honorários advocatícios, nas ações
previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença.
O advogado de Regina não concordou e
apresentou contrarrazões em nome da parte dizendo que a Súmula 111 do
STJ, aprovada em 1994 e alterada em 2006, está superada (ultrapassada) considerando
que o CPC/2015 não limita a incidência dos honorários advocatícios somente
sobre as parcelas vencidas até a sentença. Em outras palavras, alegou que o CPC
traz as regras para fixação de honorários e nada diz que nas ações
previdenciárias os honorários não incidem sobre as prestações vencidas após a
sentença.
O
STJ concordou com os argumentos da parte autora? A súmula 111 do STJ está
superada com o advento do CPC/2015?
NÃO.
O inciso II do § 4º
do art. 85 do CPC/2015 nada dispõe a respeito da base de cálculo para a
incidência da verba advocatícia, limitando-se a postergar tão só a definição de
seu percentual (conforme as faixas econômicas dispostas no § 3º do mesmo
artigo) para depois de apurado o correspondente quantum debeatur
em procedimento liquidatório. Veja novamente o dispositivo:
Art.
85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
(...)
§
3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários
observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes
percentuais:
I
- mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do
proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II
- mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do
proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000
(dois mil) salários-mínimos;
III
- mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do
proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000
(vinte mil) salários-mínimos;
IV
- mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do
proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até
100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V
- mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do
proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.
4º
Em qualquer das hipóteses do § 3º :
I
- os percentuais previstos nos incisos I a V devem ser aplicados desde logo,
quando for líquida a sentença;
II
- não sendo líquida a sentença, a definição do percentual, nos termos previstos
nos incisos I a V, somente ocorrerá quando liquidado o julgado;
(...)
O
objetivo da Súmula nº 111 do STJ foi o de desestimular o indevido prolongamento
da demanda, possibilitando que o segurado autor
recebesse logo as prestações judicialmente reconhecidas em seu favor. Para
o STJ, se os honorários advocatícios incluíssem também as prestações vencidas
após a sentença, isso estimularia que os advogados dos autores interpusessem
mais recursos considerando que, quanto mais tempo passasse, mais parcelas do
benefício previdenciário o autor iria receber e essas parcelas entrariam no
cálculo dos honorários. Confira julgado que espelha esse entendimento do STJ:
Tomando-se o marco
final das prestações vencidas como o trânsito em julgado da decisão, tem-se uma
situação inusitada, na qual a morosidade no término do processo reverte em
maiores ganhos ao patrocinador do segurado.
STJ. 3ª Seção. EREsp
195.520/SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 22/9/1999.
Diante
disso, o STJ afirmou que seria mais conveniente que se antecipasse o marco
final da base de cálculo dos honorários, estabelecendo que a verba honorária levará
em consideração apenas as prestações vencidas até a data da sentença condenatória.
Logo, o fato de o processo se prolongar após a sentença não gerará um aumento
na base de cálculo dos honorários a ele devidos. Segundo o STJ:
Esta interpretação,
além de facilitar a execução da sentença, evita conflito de interesses entre
parte-autora e patrono, o que deve ser sempre buscado, porquanto a este
interessaria a delonga da causa, com vistas a uma maior base de cálculo dos
honorários, enquanto àquela o seu apressamento, para ter satisfeita a pretensão
deduzida.
STJ. 3ª Seção. EREsp
198.260/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 13/10/1999.
Como
as razões que levaram o STJ a editar o enunciado não têm relação direta com o
CPC antigo ou com o atual, sendo fruto da preocupação de se evitar o eventual
efeito indesejado acima exposto, o Tribunal entendeu que, mesmo após a vigência
do CPC/2015, continua aplicável o comando gizado na Súmula 111.
Em
suma:
Continua eficaz e
aplicável o conteúdo da Súmula nº 111/STJ (modificado em 2006), mesmo após a
vigência do CPC/2015, no que tange à fixação de honorários advocatícios.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.880.529-SP,
Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 8/3/2023 (Recurso Repetitivo – Tema 1105)
(Info 766).