Dizer o Direito

domingo, 2 de abril de 2023

A Súmula 111 do STJ continua eficaz e aplicável

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina requereu ao INSS a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez).

A autarquia previdenciária indeferiu o pedido.

Inconformada, Regina ajuizou ação contra a autarquia previdenciária, postulando a concessão do benefício desde o início da incapacidade.

O Juiz proferiu sentença julgando o pedido procedente para condenar o INSS a conceder a aposentadoria à Regina, com o pagamento dos valores em atraso, acrescidos de juros de mora e correção monetária.

Com relação aos honorários, o magistrado entendeu que a definição do percentual relativo aos honorários advocatícios de sucumbência somente ocorreria após a liquidação da sentença, nos termos do art. 85, § 4º, II, do CPC:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

(...)

§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:

I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;

II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;

III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;

IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;

V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.

4º Em qualquer das hipóteses do § 3º :

I - os percentuais previstos nos incisos I a V devem ser aplicados desde logo, quando for líquida a sentença;

II - não sendo líquida a sentença, a definição do percentual, nos termos previstos nos incisos I a V, somente ocorrerá quando liquidado o julgado;

(...)

 

O INSS interpôs apelação pedindo:

1) a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido;

 

2) que os honorários advocatícios não incidissem sobre as parcelas vincendas, posteriores a sentença. Explicando melhor esse segundo pedido recursal: como a aposentadoria será paga todos os meses, mesmo depois da sentença, o INSS pediu que, no momento de se calcular os honorários, esses valores que serão pagos depois da sentença fossem excluídos do cálculo. Ex: se considerarmos até a data da sentença, Regina tem R$ 50 mil para receber de parcelas atrasadas. Os honorários serão calculados com base nesse valor. O que for devido à Regina após a data da sentença não será considerado para fins de cálculo dos honorários advocatícios.

Esse segundo pedido recursal do INSS foi fundamentado na Súmula 111 do STJ:

Súmula 111-STJ: Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença.

 

O advogado de Regina não concordou e apresentou contrarrazões em nome da parte dizendo que a Súmula 111 do STJ, aprovada em 1994 e alterada em 2006, está superada (ultrapassada) considerando que o CPC/2015 não limita a incidência dos honorários advocatícios somente sobre as parcelas vencidas até a sentença. Em outras palavras, alegou que o CPC traz as regras para fixação de honorários e nada diz que nas ações previdenciárias os honorários não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença.

 

O STJ concordou com os argumentos da parte autora? A súmula 111 do STJ está superada com o advento do CPC/2015?

NÃO.

O inciso II do § 4º do art. 85 do CPC/2015 nada dispõe a respeito da base de cálculo para a incidência da verba advocatícia, limitando-se a postergar tão só a definição de seu percentual (conforme as faixas econômicas dispostas no § 3º do mesmo artigo) para depois de apurado o correspondente quantum debeatur em procedimento liquidatório. Veja novamente o dispositivo:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

(...)

§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:

I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;

II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;

III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;

IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;

V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.

4º Em qualquer das hipóteses do § 3º :

I - os percentuais previstos nos incisos I a V devem ser aplicados desde logo, quando for líquida a sentença;

II - não sendo líquida a sentença, a definição do percentual, nos termos previstos nos incisos I a V, somente ocorrerá quando liquidado o julgado;

(...)

 

O objetivo da Súmula nº 111 do STJ foi o de desestimular o indevido prolongamento da demanda, possibilitando que o segurado autor  recebesse logo as prestações judicialmente reconhecidas em seu favor. Para o STJ, se os honorários advocatícios incluíssem também as prestações vencidas após a sentença, isso estimularia que os advogados dos autores interpusessem mais recursos considerando que, quanto mais tempo passasse, mais parcelas do benefício previdenciário o autor iria receber e essas parcelas entrariam no cálculo dos honorários. Confira julgado que espelha esse entendimento do STJ:

Tomando-se o marco final das prestações vencidas como o trânsito em julgado da decisão, tem-se uma situação inusitada, na qual a morosidade no término do processo reverte em maiores ganhos ao patrocinador do segurado.

STJ. 3ª Seção. EREsp 195.520/SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 22/9/1999.

 

Diante disso, o STJ afirmou que seria mais conveniente que se antecipasse o marco final da base de cálculo dos honorários, estabelecendo que a verba honorária levará em consideração apenas as prestações vencidas até a data da sentença condenatória. Logo, o fato de o processo se prolongar após a sentença não gerará um aumento na base de cálculo dos honorários a ele devidos. Segundo o STJ:

Esta interpretação, além de facilitar a execução da sentença, evita conflito de interesses entre parte-autora e patrono, o que deve ser sempre buscado, porquanto a este interessaria a delonga da causa, com vistas a uma maior base de cálculo dos honorários, enquanto àquela o seu apressamento, para ter satisfeita a pretensão deduzida.

STJ. 3ª Seção. EREsp 198.260/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 13/10/1999.

 

Como as razões que levaram o STJ a editar o enunciado não têm relação direta com o CPC antigo ou com o atual, sendo fruto da preocupação de se evitar o eventual efeito indesejado acima exposto, o Tribunal entendeu que, mesmo após a vigência do CPC/2015, continua aplicável o comando gizado na Súmula 111.

 

Em suma:

Continua eficaz e aplicável o conteúdo da Súmula nº 111/STJ (modificado em 2006), mesmo após a vigência do CPC/2015, no que tange à fixação de honorários advocatícios.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.880.529-SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 8/3/2023 (Recurso Repetitivo – Tema 1105) (Info 766).

 

 

 


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