Imagine
a seguinte situação hipotética:
Pedro
é Juiz de Direito na 1ª Vara da Comarca X, do interior do Estado.
A
namorada do filho de Pedro foi nomeada como Diretora Geral do Hospital
Municipal, um cargo comissionado.
Ricardo,
Promotor de Justiça no Município, não achou isso correto e expediu uma Recomendação
dirigida ao Prefeito afirmando que deveria exonerar a moça do cargo de Diretora
Geral porque, como ela é namorada do filho do juiz, isso configuraria nepotismo
cruzado.
Na visão de Pedro, a Recomendação não
teria qualquer fundamento jurídico, sendo fruto de uma tentativa de perseguição
pessoal perpetrada pelo Promotor de Justiça.
Por essa razão, Pedro ingressou com uma ação
declaratória de inexistência de nepotismo c/c danos morais, em tramitação
perante a 2ª Vara da Comarca X. Além disso, Pedro formulou reclamação
disciplinar contra o Promotor junto ao CNMP.
Alguns meses depois, o Ministério Público, em petição subscrita por
Ricardo, ingressou com ação civil pública. Já na inicial dessa ação civil
pública, o Ministério Público suscitou preliminar de impedimento de magistrado.
De acordo com o MP, Pedro seria o juiz
natural do processo considerando que só há uma Vara da Fazenda Pública no
município. No entanto, para o Parquet, estaria configurada a causa de
impedimento de magistrado contida no art. 144, IX, do CPC, tendo em vista que o
Promotor de Justiça que assina a ação civil pública é réu na ação declaratória
c/c danos morais proposta pelo magistrado, além de representado na reclamação
disciplinar oferecida perante o CNMP.
Confira o que diz o
art. 144, IX, do CPC:
Art.
144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:
(...)
IX
- quando promover ação contra a parte ou seu advogado.
Pedro não
reconheceu o impedimento suscitado pelo Ministério Público e submeteu a
arguição ao Tribunal de Justiça, nos termos do § 1º do art. 146 do CPC:
Art.
146 (...)
§
1º Se reconhecer o impedimento ou a suspeição ao receber a petição, o juiz
ordenará imediatamente a remessa dos autos a seu substituto legal, caso contrário, determinará a autuação
em apartado da petição e, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentará suas razões,
acompanhadas de documentos e de rol de testemunhas, se houver, ordenando a
remessa do incidente ao tribunal.
Em suas razões, o magistrado alegou que:
- a ação foi proposta por ele contra
Ricardo, pessoa física, e não contra o Ministério Público;
- a ação civil pública foi ajuizada pelo
Ministério Público (e não por Ricardo);
- não se pode dizer que Ricardo seja o
autor da ACP, considerando que o autor é o MP;
- logo, a situação não se enquadraria no
art. 144, IX, do CPC.
O TJ declarou o impedimento do juiz, que
interpôs recurso especial. Para o STJ, há impedimento do magistrado neste caso?
SIM.
Cinge-se
a controvérsia a definir se o impedimento do juiz, “quando promover ação contra
a parte ou seu advogado” (art. 144, IX, do CPC), é aplicável a caso em que o
magistrado ajuizou ação contra membros do Ministério Público, que tem como
causa de pedir suposta perseguição pessoal.
A
resposta é afirmativa. Existe impedimento. Isso porque, embora use as
expressões “parte” e “advogado”, o art. 144, IX, do CPC, se destina a impedir a
atuação do juiz que esteja em contenda judicial com aqueles que integrem a
relação processual ou oficiem em quaisquer dos polos do processo.
Assim,
apesar de Promotor de Justiça não ser “parte” nem “advogado” - ambos no sentido
técnico - da ação na qual é arguida a exceção, ele subscreve a inicial - no
sentido subjetivo -, afetando, assim a necessária impessoalidade do magistrado,
que se diz particularmente perseguido por esse Promotor de Justiça.
Por
fim, vale considerar que não há impedimento para que o Juiz atue em qualquer
ação ajuizada pelo Ministério Público do Estado, mas apenas naquelas em que,
porventura, esteja oficiando o membro do Parquet contra o qual ele possui essa
disputa judicial.
Em
suma:
STJ. 2ª Turma. REsp 1.881.175-MA,
Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 14/3/2023 (Info 768).