Imagine a seguinte situação hipotética:
Pedro, adolescente, praticou ato infracional análogo ao tráfico de
drogas.
O juiz da Vara da Infância e Juventude julgou procedente a
representação ministerial proposta e determinou que Pedro cumprisse medida
socioeducativa de internação, pelo prazo máximo de 3 anos, com reavaliação em 6
meses, nos termos do art. 121, §§ 2º e 3º do ECA:
Art. 121. A internação constitui
medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
(...)
§ 2º A medida não comporta prazo
determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão
fundamentada, no máximo a cada seis meses.
§ 3º Em nenhuma hipótese o
período máximo de internação excederá a três anos.
Em 17/03/2022, Pedro iniciou o cumprimento de medida socioeducativa.
Em 27/04/2022, a equipe técnica do centro socioeducativo elaborou
um parecer favorável sugerindo a extinção da medida, conforme o plano
individual de atendimento, que destacou a boa capacidade de responsabilização
do adolescente que tem concreto planejamento para a mudança de vida.
O Ministério Público Estadual também concordou com a extinção da internação.
O juiz, contudo, manteve a internação sob o argumento de que o período
em que o adolescente ficou internado não seria suficiente para a reflexão sobre
os atos que cometeu. Afirmou que o jovem, com longo histórico infracional, faz
uso substâncias ilícitas e encontra-se inserido em um contexto infracional
grave. Diante disso, entendeu necessária a medida para afastá-lo da ilicitude.
A defesa recorreu contra essa decisão, mas o TJ manteve a
internação.
Ainda inconformada, a defesa impetrou habeas corpus no STJ
em favor do adolescente, alegando, em síntese, que a sugestão da extinção foi
da equipe técnica do centro socioeducativo, uma vez satisfeitos pelo
adolescente os eixos propostos na medida.
Sustentou que a fundamentação utilizada pelo magistrado foi inidônea
e que a manutenção da medida é ilegal, por afrontar o previsto no art. 35, VI e
VII da Lei nº 12.594/2012 e o art. 122, § 2º do ECA:
Art. 35. A execução das medidas
socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios:
(...)
VI - individualização,
considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente;
VII - mínima intervenção,
restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida;
Art. 122. (...)
§ 2º Em nenhuma hipótese será
aplicada a internação, havendo outra medida adequada.
O STJ concordou com o pedido da defesa?
SIM.
A execução da medida socioeducativa, embora ostente viés
retributivo, está conformada pelos princípios da brevidade e excepcionalidade, não havendo tempo
pré-estabelecido de sua duração, bastando para sua extinção, que atenda sua
finalidade, nos termos do art. 46, II, da Lei nº 12.594/2012:
Art. 46. A medida socioeducativa
será declarada extinta:
(...)
II - pela realização de sua
finalidade;
Vale ressaltar que não há vinculação do juiz ao laudo
multidisciplinar elaborado no curso da execução da medida socioeducativa. Em
outra palavras, o magistrado pode discordar fundamentadamente do laudo com base
no princípio do livre convencimento motivado. Nesse sentido:
O parecer psicossocial não possui caráter vinculante e
representa apenas um elemento informativo para auxiliar o magistrado na
avaliação da medida socioeducativa mais adequada a ser aplicada. A partir dos
fatos contidos nos autos, o juiz pode decidir contrariamente ao laudo com base
no princípio do livre convencimento motivado.
STF. 1ª Turma.
RHC 126205/PE, rel. Min. Rosa Weber, julgado em 24/3/2015 (Info 779).
No entanto, no caso concreto, percebe-se que o fundamento
utilizado pelo magistrado teve caráter exclusivamente retributivo, finalidade
que, embora presente na imposição e execução da medida socioeducativa, escapa à
dosagem judicial, remanescendo apenas enquanto não atingidas as finalidades
estabelecidas no plano individual de atendimento (art. 52 da Lei nº
12.594/2012), não constituindo critério legal invocável pelo juiz para manter
em curso medida que já atingiu sua finalidade, principalmente a título de
dilação temporal.
Na situação concreta, mesmo a equipe técnica tendo indicado
que foi cumprida a finalidade da medida, o juiz e o TJ mantiveram a internação por
entenderem que o período pelo qual se encontra acautelado o adolescente não foi
suficiente para que ele refletisse sobre os graves atos que cometeu. Ocorre que
esse argumento não possui amparo legal. Além disso, a alegada insuficiência do
período em que acautelado não está ancorada em qualquer critério legal
aferível, controlável. Pouco tempo de internação é um argumento muito
subjetivo.
Desse modo, como esse fundamento invocado não tem previsão
legal, torna-se arbitrária a manutenção da medida de internação.
Considerando os postulados da brevidade e da
excepcionalidade, que na execução da medida socioeducativa restringem a
intervenção do Estado ao necessário para atingimento da finalidade da medida,
inviável manter a execução apenas pela menção genérica à insuficiência do tempo,
a despeito, ainda, da menção ao histórico infracional do menor.
Em suma:
STJ. 6ª Turma. HC 789.465/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
julgado em 7/2/2023 (Info 763).