Decreto presidencial
autorizou PRF a lavrar termo circunstanciado de ocorrência (TCO)
O Presidente
da República editou o Decreto nº 10.073/2019, que acrescentou o inciso XII ao
art. 47 do Anexo I do Decreto nº 9.662/2019, conferindo à Polícia Rodoviária
Federal a prerrogativa de lavrar termo circunstanciado de ocorrência (TCO):
Art. 47. À Polícia Rodoviária Federal cabe exercer as competências
estabelecidas no § 2º do art. 144 da Constituição, no art. 20 da Lei nº9.503,
de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, no Decreto nº 1.655,
de 3 de outubro de 1995, e, especificamente:
(...)
XII - lavrar o termo circunstanciado de que trata o art. 69 da Lei nº 9.099,
de 26 de setembro de 1995.
O que é o termo circunstanciado de ocorrência (TCO)?
Se a
autoridade policial tomar conhecimento da prática de uma infração penal de
menor potencial ofensivo, ela deverá lavrar um termo circunstanciado. É o que
prevê o art. 69 da Lei nº 9.099/95:
Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência
lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o
autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais
necessários.
O termo circunstanciado é um “substituto” bem mais
simples que o inquérito policial, realizado pela polícia nos casos de infrações
de menor potencial ofensivo.
O objetivo do legislador foi facilitar e desburocratizar
o procedimento.
No termo circunstanciado é narrado o fato criminoso, com
todos os dados necessários para identificar a sua ocorrência e autoria, devendo
ser feita a qualificação do autor, da vítima e indicadas as provas existentes,
inclusive o rol de testemunhas.
Após lavrar o termo circunstanciado, a autoridade
policial deverá encaminhá-lo imediatamente ao Juizado Especial Criminal, com o
autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais
necessários (ex.: exame de corpo de delito).
Vale ressaltar que, se não for realizada transação penal
e o MP entender que o caso é complexo, ele poderá requisitar que seja feito um
inquérito policial. Em outras palavras, a regra nas infrações penais de menor
potencial ofensivo é o termo circunstanciado, mas é possível que seja feito IP
se assim entender necessário o titular da ação penal.
O art. 69 da Lei nº 9.099/95 fala que o termo
circunstanciado é lavrado pela “autoridade policial”. Quem é considerado “autoridade policial”?
Existem duas correntes sobre o assunto:
1ª) Para uma primeira posição, autoridade policial é o
Delegado de Polícia (Civil ou Federal) e, no caso de investigações militares, o
Oficial militar responsável pelo inquérito.
2ª) Para uma segunda corrente, autoridade policial não
seria necessariamente o Delegado de Polícia, mas sim o agente público estatal
designado para exercer as funções de autoridade policial, podendo ser um
policial civil ou militar, por exemplo. É a tese defendida por alguns para que
os policiais militares (e agora os PRFs) possam lavrar termo circunstanciado de
ocorrência no caso de infrações de menor potencial ofensivo (art. 69 da Lei nº
9.099/95).
ADI
A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal –
ADPF e a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária – ANDPJ
ajuizaram duas ações diretas de inconstitucionalidade contra o art. 6º do
Decreto nº 10.073/2019.
Os requerentes argumentaram que o termo circunstanciado é
atribuição privativa de polícia judiciária, uma vez que configura ato de
procedimento investigativo, não podendo ficar a cargo de órgãos de polícia
administrativa, como é o caso da Polícia Rodoviária Federal.
Argumentaram ainda que a norma afronta os princípios da
eficiência e da supremacia do interesse público.
O STF concordou com os pedidos formulados nas ADIs? A
previsão foi declarada inconstitucional?
NÃO.
Termo circunstanciado é diferente de inquérito policial
É possível estabelecer uma distinção entre o termo
circunstanciado, que é lavrado pela autoridade policial que “tomar conhecimento
da ocorrência” e o “inquérito policial”, o qual, nos termos da Lei nº 12.830/2013
é da competência do delegado de polícia.
O inquérito é o instrumento apto para viabilizar a
investigação criminal, que consiste na atividade de apuração de infrações
penais.
Já o termo circunstanciado é o instrumento legal que se
limita a constatar a ocorrência de crimes de menor potencial ofensivo, motivo
pelo qual não configura atividade investigativa e, por via de consequência, não
se revela como função privativa de polícia judiciária.
Embora substitua o inquérito policial como principal peça
informativa dos processos penais que tramitam nos juizados especiais, o termo
circunstanciado não é procedimento investigativo. Segundo explica Ada
Pellegrini Grinover, “o termo circunstanciado (…) nada mais é do que um boletim
de ocorrência mais detalhado” (GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados
especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5ª ed. São Paulo:
RT, 2005, p. 118).
TCO é ato de investigação; TCO = registro de ocorrência
O TCO, nos moldes definidos pela Lei nº 9.099/1995,
destina-se a registrar ocorrências de crimes de menor
potencial ofensivo, sem dar margem a qualquer procedimento que acarrete
diligências para esclarecimento dos fatos ou da autoria delitiva.
Não se trata de ato investigativo, pois ele não inicia
qualquer procedimento que acarrete diligências para esclarecimento dos fatos ou
da autoria delitiva. Ao contrário, após a lavratura do TCO, os autos e o
suposto autor são encaminhados à autoridade judicial para que sejam adotadas as
medidas previstas em lei.
Trata-se de um termo para a constatação e registro de um
fato. É incabível, portanto, a sua comparação com o inquérito policial, que,
dada a natureza investigativa, é necessariamente presidido por delegado de
polícia (polícia judiciária).
Em suma:
É
constitucional — por ausência de usurpação das funções das polícias judiciárias
— a prerrogativa conferida à Polícia Rodoviária Federal de lavrar termo
circunstanciado de ocorrência (TCO), o qual, diversamente do inquérito
policial, não constitui ato de natureza investigativa, dada a sua finalidade de
apenas constatar um fato e registrá-lo com detalhes.
STF. Plenário.
ADI 6245/DF e ADI 6264/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 17/02/2023
(Info 1083).
Tese fixada pelo STF:
STF. Plenário.
ADI 6245/DF e ADI 6264/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 17/02/2023
(Info 1083).
Outro precedente no mesmo sentido:
O STF já reputou constitucional a lavratura de TCO por
autoridade policial que não seja delegado de polícia, por considerar que essa
atribuição não é exclusiva da polícia judiciária, tal como ocorre nos casos
submetidos à investigação mediante inquérito policial:
É constitucional
norma estadual que prevê a possibilidade da lavratura de termos
circunstanciados pela Polícia Militar e pelo Corpo de Bombeiros Militar.
O art. 69 da Lei
dos Juizados Especiais, ao dispor que “a autoridade policial que tomar
conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado” não se refere
exclusivamente à polícia judiciária, englobando também as demais autoridades
legalmente reconhecidas.
O termo
circunstanciado é o instrumento legal que se limita a constatar a ocorrência de
crimes de menor potencial ofensivo, motivo pelo qual não configura atividade
investigativa e, por via de consequência, não se revela como função privativa
de polícia judiciária.
STF. Plenário.
ADI 5637/MG, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 11/3/2022 (Info 1046).
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade,
em apreciação conjunta, julgou improcedentes os pedidos e assentou a constitucionalidade
do art. 6º do Decreto nº 10.073/2019, na parte em que modificou o art. 47, XII,
do Decreto nº 9.662/2019.