Dizer o Direito

terça-feira, 14 de março de 2023

Plano de saúde deve cobrir Terapia ABA para tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA)

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Luiza, criança de 5 anos, foi diagnosticada com Transtorno de Espectro Autista (TEA).

O tratamento recomendado foi o método da Análise do Comportamento Aplicada (ABA), que abrange psicoterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicopedagogia e musicoterapia.

“A terapia ABA no autismo foca em promover o ensino de novas habilidades e ajudar a lidar com comportamentos desafiadores, o que podem ser tanto comportamentos de crises quanto aqueles que colocam em risco a integridade física, como agressão e autoagressão para promover uma melhor qualidade de vida para a pessoa.” (https://genialcare.com.br/blog/terapia-aba-autismo/)

 

A criança tinha convênio com plano de saúde, contudo, a operadora recusou cobertura ao tratamento, sob a justificativa de que o procedimento não constava no rol obrigatório da ANS.

 

O que é esse rol da ANS?

ANS é a sigla para Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia sob regime especial, responsável pela regulação dos planos de saúde.

Uma das atribuições da ANS é a de elaborar uma lista de procedimentos que deverão ser obrigatoriamente custeados pelas operadoras de planos de saúde. Essa competência está prevista no art. 4º, III, da Lei nº 9.961/2000:

Art. 4º Compete à ANS:

(...)

III - elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades;

 

Assim, a ANS prepara uma lista de tratamentos que deverão ser obrigatoriamente fornecidos pelos planos de saúde.

 

Esse rol procedimentos e eventos da ANS é explicativo ou exaustivo?

Em junho de 2022, o STJ decidiu que o rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo (STJ. 2ª Seção EREsp 1886929-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/06/2022).

Ocorre que, depois de uma grande mobilização popular, o Congresso Nacional editou a Lei nº 14.454/2022, que buscou superar o entendimento firmado pelo STJ.

A Lei nº 14.454/2022 alterou o art. 10 da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98), incluindo o § 12, que prevê o caráter exemplificativo do rol da ANS:

Art. 10 (...)

§ 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.

 

Vale ressaltar, contudo, que, para o plano de saúde ser compelido a custear, é necessário que esteja comprovada a eficácia do tratamento ou procedimento, nos termos do § 13, também inserido:

§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:

I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou

II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

 

Ainda não se sabe o que o STJ irá decidir depois dessa alteração legislativa.

 

Vamos voltar ao caso concreto acima narrado: Luiza terá direito ao tratamento pedido?

SIM. Isso porque o STJ entende que esse tratamento está previsto no rol da ANS.

Assim, para o caso de Luiza, não importa se o rol é taxativo ou exemplificativo considerando que, segundo o STJ, esse tratamento está previsto na lista.

 

Em suma:

É devida a cobertura do tratamento de psicoterapia, sem limite de sessões, admitindo-se que está previsto no rol da ANS, nos seguintes termos:

a) para o tratamento de autismo, não há mais limitação de sessões no Rol;

b) as psicoterapias pelo método ABA estão contempladas no Rol, na sessão de psicoterapia;

c) em relatório de recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde - CONITEC, de novembro de 2021, elucida-se que é adequada a utilização do método da Análise do Comportamento Aplicada - ABA.

STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.900.671/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 12/12/2022 (Info 764).

 

Ainda sobre esse assunto:

A Segunda Seção, por ocasião do julgamento do EREsp 1.889.704/SP, em 8/6/2022, embora tenha fixado a tese quanto à taxatividade, em regra, do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, negou provimento aos embargos de divergência opostos pela operadora do plano de saúde para manter acórdão da Terceira Turma que concluiu ser abusiva a recusa de cobertura de sessões de terapia especializada prescritas para o tratamento de transtorno do espectro autista (TEA).

STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 2.024.908/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/2/2023.

 

 


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