Imagine a seguinte situação hipotética:
Luiza, criança de 5 anos, foi
diagnosticada com Transtorno de Espectro Autista (TEA).
O tratamento
recomendado foi o método da Análise do Comportamento Aplicada (ABA), que
abrange psicoterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicopedagogia e
musicoterapia.
“A terapia
ABA no autismo foca em promover o ensino de novas habilidades e ajudar a lidar
com comportamentos desafiadores, o que podem ser tanto comportamentos de crises
quanto aqueles que colocam em risco a integridade física, como agressão e
autoagressão para promover uma melhor qualidade de vida para a pessoa.”
(https://genialcare.com.br/blog/terapia-aba-autismo/)
A criança
tinha convênio com plano de saúde, contudo, a operadora recusou cobertura ao
tratamento, sob a justificativa de que o procedimento não constava no rol
obrigatório da ANS.
O que é
esse rol da ANS?
ANS é a
sigla para Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia sob regime especial,
responsável pela regulação dos planos de saúde.
Uma das atribuições
da ANS é a de elaborar uma lista de procedimentos que deverão ser obrigatoriamente
custeados pelas operadoras de planos de saúde. Essa competência está prevista
no art. 4º, III, da Lei nº 9.961/2000:
Art.
4º Compete à ANS:
(...)
III
- elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão
referência básica para os fins do disposto na Lei nº 9.656, de 3 de junho de
1998, e suas excepcionalidades;
Assim, a
ANS prepara uma lista de tratamentos que deverão ser obrigatoriamente
fornecidos pelos planos de saúde.
Esse rol
procedimentos e eventos da ANS é explicativo ou exaustivo?
Em junho
de 2022, o STJ decidiu que o rol de Procedimentos e Eventos em Saúde
Suplementar é, em regra, taxativo (STJ. 2ª Seção EREsp 1886929-SP, Rel. Min.
Luis Felipe Salomão, julgado em 08/06/2022).
Ocorre
que, depois de uma grande mobilização popular, o Congresso Nacional editou a
Lei nº 14.454/2022, que buscou superar o entendimento firmado pelo STJ.
A Lei nº
14.454/2022 alterou o art. 10 da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98),
incluindo o § 12, que prevê o caráter exemplificativo do rol da ANS:
Art.
10 (...)
§
12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS
a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados
de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os
contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.
Vale ressaltar,
contudo, que, para o plano de saúde ser compelido a custear, é necessário que
esteja comprovada a eficácia do tratamento ou procedimento, nos termos do § 13,
também inserido:
§
13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo
assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a
cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à
saúde, desde que:
I
- exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em
evidências científicas e plano terapêutico; ou
II
- existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias
no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1
(um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional,
desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.
Ainda não
se sabe o que o STJ irá decidir depois dessa alteração legislativa.
Vamos
voltar ao caso concreto acima narrado: Luiza terá direito ao tratamento pedido?
SIM. Isso
porque o STJ entende que esse tratamento está previsto no rol da ANS.
Assim, para
o caso de Luiza, não importa se o rol é taxativo ou exemplificativo
considerando que, segundo o STJ, esse tratamento está previsto na lista.
Em suma:
É devida a cobertura
do tratamento de psicoterapia, sem limite de sessões, admitindo-se que está
previsto no rol da ANS, nos seguintes termos:
a) para o tratamento
de autismo, não há mais limitação de sessões no Rol;
b) as psicoterapias
pelo método ABA estão contempladas no Rol, na sessão de psicoterapia;
c) em relatório de
recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema
Único de Saúde - CONITEC, de novembro de 2021, elucida-se que é adequada a
utilização do método da Análise do Comportamento Aplicada - ABA.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp
1.900.671/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 12/12/2022 (Info 764).
Ainda sobre esse assunto:
A Segunda Seção, por ocasião do julgamento do EREsp
1.889.704/SP, em 8/6/2022, embora tenha fixado a tese quanto à taxatividade, em
regra, do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, negou provimento aos
embargos de divergência opostos pela operadora do plano de saúde para manter
acórdão da Terceira Turma que concluiu ser abusiva a recusa de cobertura de
sessões de terapia especializada prescritas para o tratamento de transtorno do
espectro autista (TEA).
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 2.024.908/SP, Rel. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 13/2/2023.