Dizer o Direito

quinta-feira, 23 de março de 2023

O tratamento por home care deve abranger todos os insumos que o paciente teria caso estivesse internado no hospital

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina é tetraplégica e precisa de aparelhos para manter a sua respiração.

Além disso, para se alimentar, ela necessita de uma sonda.

Regina teve uma piora em seu quadro e foi internada no hospital (internação hospitalar).

O médico prescreveu dieta enteral de sistema fechado por meio de bomba de infusão para diminuir os riscos de abdômen distendido. O médico também recomendou que o tratamento fosse feito em residência por meio de internação domiciliar (home care).

Foi solicitado então ao plano de saúde a disponibilidade da referida dieta, bem como a equipe de Home Care, a cama, colchão, suporte de soro e a bomba de infusão de dieta enteral.

O plano de saúde, contudo, negou todos os pedidos.

Regina ajuizou ação de obrigação de fazer contra o plano de saúde.

O pedido foi julgado parcialmente procedente.

O juiz obrigou o plano de saúde a conceder a alimentação enteral e a respectiva  bomba  de  infusão.

Por outro lado, o magistrado negou o fornecimento de fraldas geriátricas, da cama hospitalar com colchão e dos materiais de uso da enfermagem (luvas, seringas etc.).

A autora recorreu pedindo o fornecimento de todos os materiais que ela teria caso estivesse em internação hospitalar.

O réu, por sua vez, argumentou que “não há qualquer previsão na Lei que imponha o dever das operadoras de planos de saúde em prestar atendimento domiciliar” e que “o home care é uma liberalidade da operadora para pacientes que efetivamente apresentem necessidade do tratamento em regime de internação domiciliar, porquanto não possui cobertura contratual”.

 

A questão chegou até o STJ. O pedido da autora foi acolhido?

SIM.

Na saúde suplementar, os Serviços de Atenção Domiciliar - SAD, na modalidade de internação domiciliar podem ser oferecidos pelas operadoras como alternativa à internação hospitalar.

Importante registrar que somente o médico assistente do beneficiário poderá determinar se há ou não indicação de internação domiciliar em substituição à internação hospitalar e a operadora não pode suspender uma internação hospitalar pelo simples pedido de internação domiciliar. Caso a operadora não concorde em oferecer o serviço de internação domiciliar, deverá manter o beneficiário internado até sua alta hospitalar.

Quando a operadora, por sua livre iniciativa ou por previsão contratual, oferecer a internação domiciliar como alternativa à internação hospitalar, o Serviço de Atenção Domiciliar - SAD deverá obedecer às exigências mínimas previstas na Lei nº 9.656/98, para os planos de segmentação hospitalar, em especial o disposto nas alíneas “c”, “d”, “e” e “g”, do inciso II do art. 12 da referida Lei.

Acrescenta-se a isso que, segundo a jurisprudência do STJ:

É abusiva a cláusula contratual que veda a internação domiciliar (home care) como alternativa à internação hospitalar.

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.107.542/RJ, julgado em 3/10/2022.

 

No caso concreto, a autora apresentava grave quadro clínico e, conforme determinação médica, era dependente de tratamento domiciliar especializado.

Tendo sido reconhecido, por meio de laudo médico, a necessidade da internação domiciliar em substituição à internação hospitalar, a operadora do plano de saúde deverá fornecer o tratamento em home care, nos termos do que determinam o art. 13 da Resolução Normativa 465/2021 e as alíneas “c”, “d”, “e” e “g” do inciso II do art. 12 da Lei nº 9.656/98:

Art. 13. Caso a operadora ofereça a internação domiciliar em substituição à internação hospitalar, com ou sem previsão contratual, deverá obedecer às exigências previstas nos normativos vigentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e nas alíneas "c", "d", "e" e "g" do inciso II do art. 12 da Lei n.º 9.656, de 1998.

 

Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1º desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:

(...)

II - quando incluir internação hospitalar:

c) cobertura de despesas referentes a honorários médicos, serviços gerais de enfermagem e alimentação;

d) cobertura de exames complementares indispensáveis para o controle da evolução da doença e elucidação diagnóstica, fornecimento de medicamentos, anestésicos, gases medicinais, transfusões e sessões de quimioterapia e radioterapia, conforme prescrição do médico assistente, realizados ou ministrados durante o período de internação hospitalar;

e) cobertura de toda e qualquer taxa, incluindo materiais utilizados, assim como da remoção do paciente, comprovadamente necessária, para outro estabelecimento hospitalar, dentro dos limites de abrangência geográfica previstos no contrato, em território brasileiro; e

(...)

g) cobertura para tratamentos antineoplásicos ambulatoriais e domiciliares de uso oral, procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer e hemoterapia, na qualidade de procedimentos cuja necessidade esteja relacionada à continuidade da assistência prestada em âmbito de internação hospitalar;

 

Desse modo, a cobertura de internação domiciliar, em substituição à internação hospitalar, deve abranger os insumos necessários para garantir a efetiva assistência médica ao beneficiário; ou seja, aqueles insumos a que ele faria jus acaso estivesse internado no hospital, sob pena de desvirtuamento da finalidade do atendimento em domicílio, de comprometimento de seus benefícios, e da sua subutilização enquanto tratamento de saúde substitutivo à permanência em hospital.

Vale ressaltar, inclusive, que o atendimento domiciliar insuficiente acarretará, ao fim e ao cabo, uma piora na condição de saúde da paciente, fazendo com que sejam necessárias novas internações hospitalares, as quais obrigarão a operadora, inevitavelmente, ao custeio integral de todos os procedimentos e eventos delas decorrentes.

 

Em suma:

 

Diante disso, o STJ determinou que o plano de saúde deveria custear os insumos indispensáveis ao tratamento de saúde da autora – idosa, acometida de tetraplegia, apresentando grave quadro clínico, com dependência de tratamento domiciliar especializado – na modalidade de home care, conforme a prescrição feita pelo médico assistente, limitado o custo do atendimento domiciliar por dia ao custo diário em hospital.

 

 


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