Dizer o Direito

quarta-feira, 1 de março de 2023

O pai foi obrigado por sentença judicial, a pagar as despesas da filha; não como não pagou, a mãe da criança teve que quitar a dívida; não se admite que esta dívida seja cobrada no cumprimento de sentença

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Carla e Lucas tiveram uma filha chamada Beatriz.

O casal se divorciou e ficou ajustado, na sentença, que Lucas deveria pagar pensão alimentícia em favor da filha nos seguintes termos:

a) 50% do salário-mínimo, valor pago em pecúnia;

b) repasse do vale alimentação para a filha a fim de que ela almoçasse na escola, que era no regime integral (alimentos in natura).

 

No período de julho de 2019 a março de 2020, Lucas deixou de repassar à filha o vale alimentação para que ela fizesse as refeições no restaurante da escola.

Para que Beatriz não deixasse de comer no colégio, Carla custeou, com recursos próprios, os almoços da criança no restaurante.

 

Cumprimento de sentença

Em abril de 2020, Beatriz, 10 anos de idade, representada por sua mãe, ingressou com cumprimento de sentença cobrando R$ 4 mil, que foi o total dos almoços realizados pela criança no restaurante da escola, conforme comprovantes juntados nos autos.

A exequente pediu a prisão civil do executado.

 

Habeas corpus

Lucas impetrou habeas corpus alegando que:

- Carla (a mãe da criança) pagou as despesas no restaurante;

- logo, não há dívida de Beatriz com o restaurante;

- Carla até tem direito de cobrar de Lucas pelas despesas que teve que fazer diante do descumprimento da obrigação do pai;

- ocorre que essa cobrança deve ser feita por meio de ação própria, não podendo ser realizada na execução de alimentos.

 

Assim, Lucas alegou que a legislação e a jurisprudência não admitem a sub-rogação em pagamento de alimentos in natura, ainda mais feita pela genitora da credora em favor de empresa estranha ao processo (restaurante da escola). Esse crédito deve ser cobrado por meio de ação própria, não sendo execução de alimentos o instrumento adequado para o ressarcimento de valores pagos.

 

O STJ concordou com os argumentos do devedor?

SIM.

Conforme já explicado, Carla, representante legal de Beatriz, sem outra opção para não deixar a filha passar fome e constrangimento no restaurante da escola que frequenta em período integral, pagou as refeições da filha, obrigação era do executado (que não o fez).

Para o STJ, a cobrança de tal verba na execução tem natureza ressarcitória/indenizatória pois a genitora da credora estaria se sub-rogando nos direitos da filha, em relação ao referido crédito, o que não é aceito pela jurisprudência, que requer o ajuizamento de ação própria.

Nesse sentido:

(...) 2- A genitora que, no inadimplemento do pai, custeia as obrigações alimentares a ele atribuídas, tem direito a ser ressarcida pelas despesas efetuadas e que foram revertidas em favor do menor, não se admitindo, todavia, a sub-rogação da genitora nos direitos do alimentado nos autos da execução de alimentos, diante do caráter personalíssimo que é inerente aos alimentos. Inaplicabilidade do art. 346 do Código Civil.

3- A ação própria para buscar o ressarcimento das despesas efetivadas durante o período de inadimplemento do responsável pela prestação dos alimentos se justifica pela inexistência de sub-rogação legal, pela necessidade de apuração, em cognição exauriente, das despesas efetivamente revertidas em favor do menor e, ainda, pela existência de regra jurídica que melhor se amolda à hipótese em exame. Incidência do art. 871 do Código Civil.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.658.165/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado aos 12/12/2017.

 

A genitora, mesmo na condição de representante legal, não pode se sub-rogar nos direitos da credora dos alimentos na presente execução porque este direito é pessoal e intransferível.

Assim, seria necessário o ajuizamento de ação de conhecimento autônoma de Carla contra Lucas, para que ela venha a obter o reembolso da referida despesa efetuada (adiantada) no período, porque não há que se falar em sub-rogação legal na hipótese em comento, diante da ausência das hipóteses do art. 346 do CC/2002.

Dessa forma, deve-se afastar o decreto de prisão civil do genitor, especificamente em relação aos referidos alimentos in natura, que foram pagos pela genitora da credora (como medida de proteção para a filha menor, que não poderia ficar sem refeição na escola), que devem ser objeto de ação de cobrança própria, sob o crivo do contraditório, não podendo ser realizada na presente execução.

 

Em suma:

 


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