Imagine a seguinte situação adaptada:
A Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor
- ANADEC (associação civil) ajuizou, na Justiça Estadual de Minas Gerais, ação
civil pública contra uma administradora de consórcios pedindo que ficasse
reconhecida a abusividade de uma multa que era prevista no contrato celebrado
pela instituição.
O pedido foi julgado em 1ª instância. A administradora
interpôs apelação, mas o STJ manteve a sentença.
Ainda inconformada, a administradora interpôs recurso
especial.
Antes que o recurso fosse julgado, a administradora de consórcios
peticionou nos autos informando que a ANADEC foi dissolvida por decisão
judicial, em um outro processo.
A instituição narrou que essa dissolução foi determinada porque a
mencionada associação contava com quadro ínfimo de associados e teria sido
constituída com objetivo exclusivo de auferir honorários advocatícios.
Em outras palavras, a ANADEC foi dissolvida por decisão judicial
que reconheceu a ausência de representatividade adequada e o desvio de
finalidade.
Diante dessa informação, o Ministério Público Federal, que atua no STJ,
pediu para suceder a associação autora no polo ativo da ACP, com fundamento no
art. 5º, § 3º da Lei nº 7.347/85:
Art. 5º (...) § 3º Em caso de
desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o
Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.
Obs: esse dispositivo é muito cobrado em provas. Vale a pena
voltar e ler de novo:
þ
(Promotor MP/GO 2019) Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por
associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade
ativa. (CERTO)
ý (Promotor MP/SC
2019) Em caso de desistência infundada ou abandono da ação coletiva de defesa
do consumidor por associação legitimada, somente o Ministério Público assumirá
a titularidade ativa. (ERRADO)
ý (Juiz de Direito TJ/AC 2019 Vunesp) Em caso de
desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o
Ministério Público tem atribuição exclusiva para assumir a titularidade ativa.
(ERRADO)
Em tese, ou seja, abstraindo o caso concreto, é
possível a interpretação extensiva do art. 5º, § 3º, da LACP no caso em que a
associação que ajuizou a ação é dissolvida por decisão judicial, permitindo-se
a sua substituição pelo Ministério Público?
SIM.
Em caso de dissolução, por decisão judicial, da
associação autora de ação civil pública, é possível a substituição processual
pelo Ministério Público.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.582.243-SP, Rel. Min. Maria Isabel
Gallotti, julgado em 14/2/2023 (Info 764).
Como não cabe ao intérprete estabelecer distinções onde a
própria lei não distinguiu, é irrelevante ao deferimento da substituição
processual a circunstância da associação haver sido extinta por decisão
judicial. Nesse sentido, o STJ já deixou claro que “se o dispositivo não
restringiu, não pode o aplicador do direito interpretar a norma a ponto de
criar uma restrição nela não prevista” (STJ. Corte Especial. REsp 1.113.175/DF,
Rel. Min. Castro Meira, julgado em 24/5/2012, DJe 7/8/2012).
O que importa é que
tanto nos casos de desistência infundada ou de abandono da ação quanto na
hipótese de extinção da associação por decisão judicial, o objetivo legítimo
consiste em não deixar desprotegidas as pessoas que de fato tinham o interesse
naquela tutela e até então eram substituídas pela associação. Assim sendo, o
fundamento para o deferimento da substituição processual não depende de se
tratar de desistência infundada ou de abandono da ação, mas, sim, da
necessidade de proteger os consumidores.
Nesse sentido:
Consoante previsão dos arts. 9º da Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação
Popular) e art. 5º, § 3º, da Lei nº 7.347/85 (LACP), tendo ocorrido a
dissolução da autora coletiva originária, deve ser possibilitado aos outros
legitimados coletivos a assunção do polo ativo, como forma de se privilegiar a
coletividade envolvida no processo e a economia dos atos processuais.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.800.726/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 2/4/2019.
No caso concreto, o STJ admitiu que o MPF
assumisse o polo ativo?
NÃO.
Ainda que o processo esteja em curso no Superior
Tribunal de Justiça, o Ministério Público Federal não possui legitimidade para
substituir associação extinta por decisão judicial em ação civil pública
proposta perante a Justiça estadual.
STJ. 4ª
Turma. REsp 1.678.925-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/2/2023
(Info 764).
É certo que o Ministério Público Federal (MPF) atua nas
causas de competência do STJ, conforme previsto no art. 37, I e art. 66, da Lei
Complementar nº 75/1993.
No entanto, a pretensão do MPF de substituir a associação
civil é inadmissível porquanto a presente ação tramitou na Justiça do Estado de
Minas Gerais. Embora tenha legitimidade para oficiar nos processos em curso no
STJ, essa legitimidade não se estende à assunção do polo ativo de ação civil
pública proposta perante a Justiça estadual e que nela teve tramitação por não
se enquadrar na competência da Justiça Federal (art. 109 da CF/88).
Logo, no caso concreto, a providência a ser adotada é
intimar o Ministério Público estadual para que ele, querendo, assuma a
titularidade da ação.