Dizer o Direito

sexta-feira, 17 de março de 2023

Em ação civil pública, é possível a substituição da associação autora pelo Ministério Público associação caso a primeira venha a ser dissolvida

 

Imagine a seguinte situação adaptada:

A Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor - ANADEC (associação civil) ajuizou, na Justiça Estadual de Minas Gerais, ação civil pública contra uma administradora de consórcios pedindo que ficasse reconhecida a abusividade de uma multa que era prevista no contrato celebrado pela instituição.

O pedido foi julgado em 1ª instância. A administradora interpôs apelação, mas o STJ manteve a sentença.

Ainda inconformada, a administradora interpôs recurso especial.

Antes que o recurso fosse julgado, a administradora de consórcios peticionou nos autos informando que a ANADEC foi dissolvida por decisão judicial, em um outro processo.

A instituição narrou que essa dissolução foi determinada porque a mencionada associação contava com quadro ínfimo de associados e teria sido constituída com objetivo exclusivo de auferir honorários advocatícios.

Em outras palavras, a ANADEC foi dissolvida por decisão judicial que reconheceu a ausência de representatividade adequada e o desvio de finalidade.

Diante dessa informação, o Ministério Público Federal, que atua no STJ, pediu para suceder a associação autora no polo ativo da ACP, com fundamento no art. 5º, § 3º da Lei nº 7.347/85:

Art. 5º (...) § 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.

 

Obs: esse dispositivo é muito cobrado em provas. Vale a pena voltar e ler de novo:

þ (Promotor MP/GO 2019) Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. (CERTO)

ý (Promotor MP/SC 2019) Em caso de desistência infundada ou abandono da ação coletiva de defesa do consumidor por associação legitimada, somente o Ministério Público assumirá a titularidade ativa. (ERRADO)

ý (Juiz de Direito TJ/AC 2019 Vunesp) Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público tem atribuição exclusiva para assumir a titularidade ativa. (ERRADO)

 

Em tese, ou seja, abstraindo o caso concreto, é possível a interpretação extensiva do art. 5º, § 3º, da LACP no caso em que a associação que ajuizou a ação é dissolvida por decisão judicial, permitindo-se a sua substituição pelo Ministério Público?

SIM.

Em caso de dissolução, por decisão judicial, da associação autora de ação civil pública, é possível a substituição processual pelo Ministério Público.

STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.582.243-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/2/2023 (Info 764).

 

Como não cabe ao intérprete estabelecer distinções onde a própria lei não distinguiu, é irrelevante ao deferimento da substituição processual a circunstância da associação haver sido extinta por decisão judicial. Nesse sentido, o STJ já deixou claro que “se o dispositivo não restringiu, não pode o aplicador do direito interpretar a norma a ponto de criar uma restrição nela não prevista” (STJ. Corte Especial. REsp 1.113.175/DF, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 24/5/2012, DJe 7/8/2012).

 O que importa é que tanto nos casos de desistência infundada ou de abandono da ação quanto na hipótese de extinção da associação por decisão judicial, o objetivo legítimo consiste em não deixar desprotegidas as pessoas que de fato tinham o interesse naquela tutela e até então eram substituídas pela associação. Assim sendo, o fundamento para o deferimento da substituição processual não depende de se tratar de desistência infundada ou de abandono da ação, mas, sim, da necessidade de proteger os consumidores.

Nesse sentido:

Consoante previsão dos arts. 9º da Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação Popular) e art. 5º, § 3º, da Lei nº 7.347/85 (LACP), tendo ocorrido a dissolução da autora coletiva originária, deve ser possibilitado aos outros legitimados coletivos a assunção do polo ativo, como forma de se privilegiar a coletividade envolvida no processo e a economia dos atos processuais.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.800.726/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 2/4/2019.

 

No caso concreto, o STJ admitiu que o MPF assumisse o polo ativo?

NÃO.

Ainda que o processo esteja em curso no Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público Federal não possui legitimidade para substituir associação extinta por decisão judicial em ação civil pública proposta perante a Justiça estadual.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.678.925-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/2/2023 (Info 764).

 

É certo que o Ministério Público Federal (MPF) atua nas causas de competência do STJ, conforme previsto no art. 37, I e art. 66, da Lei Complementar nº 75/1993.

No entanto, a pretensão do MPF de substituir a associação civil é inadmissível porquanto a presente ação tramitou na Justiça do Estado de Minas Gerais. Embora tenha legitimidade para oficiar nos processos em curso no STJ, essa legitimidade não se estende à assunção do polo ativo de ação civil pública proposta perante a Justiça estadual e que nela teve tramitação por não se enquadrar na competência da Justiça Federal (art. 109 da CF/88).

Logo, no caso concreto, a providência a ser adotada é intimar o Ministério Público estadual para que ele, querendo, assuma a titularidade da ação.

 

 

 


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