Dizer o Direito

quarta-feira, 29 de março de 2023

É inconstitucional lei estadual que permita que um juiz estadual seja removido para outro Estado

                                                                                

O caso concreto foi o seguinte:

No Rio Grande do Norte, foi editada a Lei Complementar nº 643, de 21 de dezembro de 2018, que regula a divisão e a organização judiciária da referida unidade da federação. O art. 76 dessa Lei permitiu que houvesse a remoção de juízes vinculados a Tribunais de Justiça diferentes. Confira:

Art. 76. O acesso, a promoção, a remoção e a permuta dar-se-ão nos termos das Constituições Federal e Estadual, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, dos atos normativos do CNJ e daqueles expedidos pelo Tribunal de Justiça sobre a matéria, permitindo-se a remoção entre juízes vinculados a Tribunais de Justiça distintos, por resolução própria do Tribunal com a definição dos requisitos mínimos.

 

Assim, esse art. 76 da lei complementar estadual permitiu, por exemplo, que um Juiz de Direito do Rio Grande do Norte fosse removido para o Ceará e, com isso, passasse a estar vinculado ao TJ/CE.

 

Essa previsão – em lei estadual – é constitucional?

NÃO.

Compete à União legislar sobre a organização da magistratura nacional. Isso deve ser feito, inclusive, mediante lei complementar cujo projeto de lei será enviado ao Congresso Nacional pelo STF. É o que prevê o art. 93 da CF/88:

Art. 93 Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(...)

 

Essa lei complementar deverá tratar, inclusive, sobre os critérios de remoção dos magistrados, nos termos do art. 93, VIII-A, da CF/88.

Atualmente, essa norma é a Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN (LC 35/79).

Assim, até o advento da lei complementar de iniciativa do STF, o Estatuto da Magistratura continua a ser disciplinado pela Lei Complementar nº 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional - LOMAN).

Logo, a matéria em questão somente poderia ser disciplinada por lei complementar federal, mediante a iniciativa do STF.

As disposições da LOMAN constituem um regime jurídico único dos magistrados do País. Assim, como o Poder Judiciário é nacional, os seus membros devem se submeter a regras uniformes, de modo que, para preservar a independência assegurada constitucionalmente ao Poder Judiciário, as normas da LOMAN vinculam o legislador e o judiciário estaduais.

A alternativa de caracterização das normas da LOMAN como meramente programáticas ou não vinculantes para o legislador e o judiciário estaduais abriria uma via perigosa para a concessão de privilégios e poderia dar ensejo a um quadro instável de troca institucional de boas vontades entre os poderes locais, incompatível com a independência assegurada constitucionalmente ao Poder Judiciário.

No caso em análise, ao permitir a remoção entre magistrados vinculados a diferentes Tribunais de Justiça, o legislador estadual violou competência da União para dispor sobre a Magistratura brasileira, tanto na Justiça Federal, quanto na Justiça Estadual.

Em suma:

É inconstitucional — por violar a competência da União para dispor sobre a magistratura brasileira, tanto na justiça estadual como na justiça federal — norma estadual que permite a remoção entre juízes de direito vinculados a diferentes tribunais de justiça.

STF. Plenário. ADI 6782/RN, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 6/3/2023 (Info 1085).

 

Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade do trecho “permitindo-se a remoção entre juízes vinculados a Tribunais de Justiça distintos, por resolução própria do Tribunal com a definição dos requisitos mínimos”, constante do art. 76, caput, da Lei Complementar nº 643/2018 do Estado do Rio Grande do Norte.

 

E se o tema fosse previsto em lei complementar nacional, de iniciativa do STF, ainda assim haveria inconstitucionalidade? É possível que uma eventual nova LOMAN preveja essa remoção de Juízes de Direito vinculados a diferentes Tribunais de Justiça?

O STF não respondeu expressamente essa questão.

Vale ressaltar, no entanto, que, em 2006, o CNJ, no Pedido de Providências nº 465/2006, negou essa possibilidade. Na época, o relator foi o então Conselheiro do CNJ Alexandre de Moraes, atualmente Ministro do STF. Na ementa constou o seguinte (23ª Sessão Ordinária, em 15 de agosto de 2006):

1. PODER JUDICIÁRIO NACIONAL – O Poder Judiciário, nos termos do art. 92 da Constituição Federal, é nacional, compondo-se dos ramos especializados da Justiça Trabalhista, Eleitoral e Militar e da Justiça Comum, que abrange as Justiça Federal e Estadual.

2. Cada ramo da Justiça brasileira constitui carreira autônoma, cujo provimento, em regra, se dará por concurso público, salvo as hipóteses excepcionais de investidura político-constitucional.

3. PODER JUDICIÁRIO E FEDERALISMO – Nos termos do art. 125 da Constituição da República Federativa do Brasil, a organização da Justiça Estadual deve absoluto respeito às regras federalistas da autoorganização, auto-governo e auto-administração (CF, arts. 93 e 96).

4. INEXISTÊNCIA DE UMA ÚNICA CARREIRA REFERENTE À TODAS AS JUSTIÇAS ESTADUAIS – Não há um único Poder Judiciário Estadual, mas sim, existe a Justiça Estadual como um dos importantes ramos da Justiça Brasileira, exercida pelos Tribunais de Justiça Estaduais e por seus juízes vinculados administrativamente, sem que haja qualquer vaso comunicante – administrativo ou jurisdicional – entre eles.

5. Impossibilidade de remoção por permuta de magistrados pertencentes a Poderes Judiciários estaduais diversos, mesmo com a concordância dos respectivos Tribunais de Justiça, por corresponder à transferência, ou seja, forma de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso, hipótese absolutamente vedada pelo artigo 37, inciso II, do texto constitucional.




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