O caso concreto foi o seguinte:
No Rio de
Janeiro, foi editada a Lei estadual nº 4.724/2006, que determinou que as
concessionárias de energia elétrica somente poderiam realizar vistoria técnica
no medidor de energia se, antes da providência, enviassem notificação pessoal ao
consumidor, com aviso de recebimento. Eis o teor da norma impugnada:
Art. 1º As empresas concessionárias de serviços públicos fornecedoras de
energia elétrica, no Estado do Rio de Janeiro, quando da realização de vistoria
técnica no medidor do usuário residencial, deverão expedir notificação pessoal
com aviso de recebimento (AR) a ser enviada para o endereço do consumidor,
apresentando dia e hora da vistoria, salvo quando do registro da queixa-crime
de furto de energia na delegacia competente.
Parágrafo único. A vistoria Técnica deverá ser marcada em prazo superior
a 48 (quarenta e oito) horas da entrega do Aviso de Recebimento pelo usuário.
Art. 2º A não observância à regra do “caput” do art. 1º ocasionará a
nulidade absoluta do laudo de vistoria técnica realizada no medidor do usuário
residencial, salvo as hipóteses de denúncias expressas de furto de energia
elétrica.
Art. 3º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas
as disposições em contrário.
A Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia
Elétrica – ABRADEE ajuizou ADI contra essa Lei.
Arguiu que a
lei estadual impugnada usurpou a competência da União para legislar sobre energia
elétrica, violando os arts. 21, XII, “b” e 22, IV, da CF/88:
Art. 21. Compete à União:
(...)
XII- explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
(...)
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético
dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais
hidroenergéticos;
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
VI - sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;
Além disso,
sustentou que houve violação ao art. 175, caput
e incisos I e II do parágrafo único, da Constituição Federal, os quais exigem
lei nacional para dispor sobre regime de empresas concessionárias e permissionárias
de serviço público federal e de seus usuários:
Art. 175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob
regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de
serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços
públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as
condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV- a obrigação de manter serviço adequado.
O STF concordou com os argumentos da autora? O pedido
formulado na ADI foi julgado procedente?
SIM.
No presente caso, o Estado-membro invadiu competência privativa
da União para legislar sobre serviços de fornecimento de energia elétrica, violando,
assim, o art. 22, IV, da CF/88:
Art. 22. Compete privativamente à União
legislar sobre:
(...)
IV - águas, energia, informática,
telecomunicações e radiodifusão;
Além disso, essa lei estadual também interferiu na prestação
de um serviço público federal, considerando que o serviço de energia elétrica é
de competência da União, nos termos do art. 21, XII, “b”, da CF/88:
Art. 21. Compete à União:
(...)
XII - explorar, diretamente ou mediante
autorização, concessão ou permissão:
(...)
b) os serviços e instalações de energia
elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com
os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;
Como a União é responsável pela prestação dos serviços de
fornecimento de energia elétrica, também lhe compete legislar sobre o regime
jurídico das autorizadas, concessionárias e permissionárias desse serviço
público, bem como sobre os direitos do usuário, a política tarifária e a
obrigação de manutenção da qualidade adequada do serviço.
Na espécie, a lei estadual impugnada alterou aspectos
relevantes da relação jurídico-contratual mantida entre o poder concedente
federal e as empresas do setor de energia elétrica, estabelecendo direito, em
benefício dos usuários do serviço público, não contido no instrumento
contratual.
Ademais, essa previsão onera as concessionárias de
serviço público, pois impacta diretamente nas receitas por elas auferidas e,
consequentemente, no custo e no equilíbrio econômico-financeiro do contrato de
concessão, necessário à sustentabilidade do sistema de fornecimento de energia
elétrica.
No caso em questão, a legislação impugnada dispõe especificamente
sobre tema afeto à organização do setor elétrico, concedendo aos usuários do
serviço público um direito que exorbita o regime jurídico estabelecido no
contrato de concessão celebrado com o poder público federal.
Cuida-se, portanto, de atividade do legislador estadual
que, embora imbuído de nobres propósitos, invade campo legislativo reservado à
União, a quem foi outorgada a competência material e a responsabilidade pela
exploração, direta ou indireta, do serviço público de energia elétrica uniformemente
em todo o território nacional.
Assim, embora reconheça que a norma estadual se ampara em
objetivos relevantes, ela não garante a sustentabilidade do sistema de
fornecimento de energia elétrica e o consequente fornecimento contínuo e
universal do serviço.
Em suma:
STF. Plenário. ADI
3703/RJ, Rel. Min. Edson Fachin, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado
em 6/3/2023 (Info 1085).
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria,
julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº
4.724/2006 do Estado do Rio de Janeiro.
DOD Plus – mudança
de entendimento
Vale ressaltar que o julgado acima representa uma mudança
de entendimento. Isso porque o STF, no fim de 2020, havia decidido que a Lei
Estadual nº 83/2010, do Estado do Amazonas, de idêntico conteúdo, era
constitucional:
É constitucional
lei estadual que obriga as empresas prestadoras de serviço público de
fornecimento de energia elétrica e água a notificarem, com aviso de
recebimento, a realização de vistoria técnica em medidor localizado nas
residências de usuários, ante a competência concorrente dos Estados para
legislar sobre proteção aos consumidores.
STF. Plenário.
ADI 4914, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 21/12/2020.