Dizer o Direito

segunda-feira, 27 de março de 2023

É inconstitucional lei estadual que obriga prévia notificação do consumidor para que a concessionária possa fazer a vistoria técnica no medidor de energia

                                                                                

O caso concreto foi o seguinte:

No Rio de Janeiro, foi editada a Lei estadual nº 4.724/2006, que determinou que as concessionárias de energia elétrica somente poderiam realizar vistoria técnica no medidor de energia se, antes da providência, enviassem notificação pessoal ao consumidor, com aviso de recebimento. Eis o teor da norma impugnada:

Art. 1º As empresas concessionárias de serviços públicos fornecedoras de energia elétrica, no Estado do Rio de Janeiro, quando da realização de vistoria técnica no medidor do usuário residencial, deverão expedir notificação pessoal com aviso de recebimento (AR) a ser enviada para o endereço do consumidor, apresentando dia e hora da vistoria, salvo quando do registro da queixa-crime de furto de energia na delegacia competente.

Parágrafo único. A vistoria Técnica deverá ser marcada em prazo superior a 48 (quarenta e oito) horas da entrega do Aviso de Recebimento pelo usuário.

Art. 2º A não observância à regra do “caput” do art. 1º ocasionará a nulidade absoluta do laudo de vistoria técnica realizada no medidor do usuário residencial, salvo as hipóteses de denúncias expressas de furto de energia elétrica.

Art. 3º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

 

A Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica – ABRADEE ajuizou ADI contra essa Lei.

Arguiu que a lei estadual impugnada usurpou a competência da União para legislar sobre energia elétrica, violando os arts. 21, XII, “b” e 22, IV, da CF/88:

Art. 21. Compete à União:

(...)

XII- explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

(...)

b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;

 

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

VI - sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;

 

Além disso, sustentou que houve violação ao art. 175, caput e incisos I e II do parágrafo único, da Constituição Federal, os quais exigem lei nacional para dispor sobre regime de empresas concessionárias e permissionárias de serviço público federal e de seus usuários:

Art. 175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II - os direitos dos usuários;

III - política tarifária;

IV- a obrigação de manter serviço adequado.

 

O STF concordou com os argumentos da autora? O pedido formulado na ADI foi julgado procedente?

SIM.

No presente caso, o Estado-membro invadiu competência privativa da União para legislar sobre serviços de fornecimento de energia elétrica, violando, assim, o art. 22, IV, da CF/88:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

 

Além disso, essa lei estadual também interferiu na prestação de um serviço público federal, considerando que o serviço de energia elétrica é de competência da União, nos termos do art. 21, XII, “b”, da CF/88:

Art. 21. Compete à União:

(...)

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

(...)

b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;

 

Como a União é responsável pela prestação dos serviços de fornecimento de energia elétrica, também lhe compete legislar sobre o regime jurídico das autorizadas, concessionárias e permissionárias desse serviço público, bem como sobre os direitos do usuário, a política tarifária e a obrigação de manutenção da qualidade adequada do serviço.

Na espécie, a lei estadual impugnada alterou aspectos relevantes da relação jurídico-contratual mantida entre o poder concedente federal e as empresas do setor de energia elétrica, estabelecendo direito, em benefício dos usuários do serviço público, não contido no instrumento contratual.

Ademais, essa previsão onera as concessionárias de serviço público, pois impacta diretamente nas receitas por elas auferidas e, consequentemente, no custo e no equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, necessário à sustentabilidade do sistema de fornecimento de energia elétrica.

No caso em questão, a legislação impugnada dispõe especificamente sobre tema afeto à organização do setor elétrico, concedendo aos usuários do serviço público um direito que exorbita o regime jurídico estabelecido no contrato de concessão celebrado com o poder público federal.

Cuida-se, portanto, de atividade do legislador estadual que, embora imbuído de nobres propósitos, invade campo legislativo reservado à União, a quem foi outorgada a competência material e a responsabilidade pela exploração, direta ou indireta, do serviço público de energia elétrica uniformemente em todo o território nacional.

Assim, embora reconheça que a norma estadual se ampara em objetivos relevantes, ela não garante a sustentabilidade do sistema de fornecimento de energia elétrica e o consequente fornecimento contínuo e universal do serviço.

 

Em suma:

 

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 4.724/2006 do Estado do Rio de Janeiro.

 

DOD Plus – mudança de entendimento

Vale ressaltar que o julgado acima representa uma mudança de entendimento. Isso porque o STF, no fim de 2020, havia decidido que a Lei Estadual nº 83/2010, do Estado do Amazonas, de idêntico conteúdo, era constitucional:

É constitucional lei estadual que obriga as empresas prestadoras de serviço público de fornecimento de energia elétrica e água a notificarem, com aviso de recebimento, a realização de vistoria técnica em medidor localizado nas residências de usuários, ante a competência concorrente dos Estados para legislar sobre proteção aos consumidores.

STF. Plenário. ADI 4914, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 21/12/2020.



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