O caso concreto foi o seguinte:
Em Rondônia, foi editada a Lei nº 5.123/2021, proibindo a
chamada “linguagem neutra” nas instituições de ensino e nos editais de
concursos públicos. Confira a íntegra da Lei:
Art. 1º Fica garantido aos estudantes
do Estado de Rondônia o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo
com a norma culta e orientações legais de ensino estabelecidas com base nas
orientações nacionais de Educação, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa (VolP) e da gramática elaborada nos termos da reforma ortográfica
ratificada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP.
Art. 2º O disposto no artigo anterior
aplica-se a toda Educação Básica no Estado de Rondônia, nos termos da Lei
Federal nº 9.394/96, assim como aos Concursos Públicos para acesso aos cargos e
funções públicas do Estado de Rondônia.
Art. 3º Fica expressamente proibida a
denominada “linguagem neutra” na grade curricular e no material didático de
instituições de ensino públicas ou privadas, assim como em editais de concursos
públicos.
Art. 4º A violação do direito do
estudante estabelecido no artigo 1º desta Lei acarretará sanções às
instituições de ensino privadas e aos profissionais de educação que concorrerem
ministrar conteúdos adversos aos estudantes, prejudicando direta ou indiretamente
seu aprendizado à língua portuguesa culta.
Art. 5º As Secretarias responsáveis
pelo ensino básico do Estado de Rondônia deverão empreender todos os meios
necessários para a valorização da língua portuguesa culta em suas políticas
educacionais, fomentando iniciativas de defesa aos estudantes na aplicação de
qualquer aprendizado destoante das normas e orientações legais de ensino.
Art. 6º Fica o Poder Executivo
autorizado a firmar convênio com instituições públicas e privadas voltadas à
valorização da língua portuguesa no Estado de Rondônia.
Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data
de sua publicação.
O que é linguagem neutra?
“A linguagem neutra, também
conhecida como linguagem não-binária, tem como objetivo evitar o uso dos
gêneros tradicionalmente aceitos pela sociedade (masculino e feminino), de modo
a tornar a comunicação mais inclusiva e menos sexista.
Neste tipo de linguagem,
substitui-se os artigos feminino e masculino por um “x”, “e” ou “@”. A palavra
“todos” ou “todas”, por exemplo, na linguagem neutra ficaria “todes”, “todxs”
ou “tod@s”.
Há quem defenda, ainda, o uso do
termo “elu” (no lugar de “ele” ou “ela”) para se referir a qualquer pessoa,
independente do gênero, de forma a abranger as pessoas não-binárias (que não se
identificam como homem nem como mulher).” (https://www.migalhas.com.br/quentes/357892/linguagem-neutra-veja-o-que-e-e-conheca-as-leis-contra-sua-utilizacao)
ADI
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Estabelecimentos de Ensino – Contee propôs ação direta contra essa lei do Estado
de Rondônia afirmando que ela seria formalmente inconstitucional por violação à
competência da União para legislar sobre o assunto.
O STF julgou o pedido procedente? Essa lei é inconstitucional?
SIM.
É
inconstitucional — por violar a competência privativa da União para legislar
sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV, CF/88) — lei
estadual que veda a adoção da “linguagem neutra” na grade curricular e no
material didático de instituições de ensino públicas e privadas, assim como em
editais de concursos públicos locais.
STF.
Plenário. ADI 7019/RO, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 10/02/2023 (Info
1082).
De início, é importante esclarecer que a competência para legislar
sobre educação é concorrente, nos termos do art. 24, IX, da CF/88:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e
ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
IX - educação, cultura, ensino,
desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;
Assim, embora os Estados-membros possuam competência para
legislar concorrentemente sobre educação, devem observar as normas gerais
editadas pela União, conforme determinam os parágrafos do art. 24 da CF/88:
Art. 24 (...)
§ 1º No âmbito da legislação
concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para
legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre
normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para
atender a suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal
sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for
contrário.
Vale ressaltar que essa competência da União para editar as
normas gerais é reforçada pelo art. 22, XXIV, da CF/88:
Art. 22. Compete privativamente à União
legislar sobre:
(...)
XXIV - diretrizes e bases da educação
nacional;
No exercício de sua competência nacional, a União editou a
Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96), que abrange também as regras que
tratam sobre “currículos, conteúdos programáticos, metodologia de ensino ou
modo de exercício da atividade docente” (STF. Plenário. ADPF 457, Rel. Min.
Alexandre de Moraes, DJe 03/06/2020).
O art. 9º, IV, da Lei de Diretrizes e Bases prevê que
compete à União estabelecer competência e diretrizes para a educação infantil,
de modo a assegurar formação básica comum:
Art. 9º A União incumbir-se-á de:
(...)
IV - estabelecer, em colaboração com os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a
educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os
currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum;
(...)
No âmbito da competência concorrente, cabe à União
estabelecer regras minimamente homogêneas em todo território nacional.
O que se viu na lei estadual, contudo, foi uma violação a
esse tratamento nacional da língua portuguesa. Isso porque o art. 3º da Lei de
Rondônia estabeleceu regra específica sobre o modo de utilização da língua
portuguesa na grade curricular de escolas públicas e privadas do Estado de
Rondônia, de modo que disciplinou como o ensino do idioma oficial deve ser
feito naquele território.
A partir do momento em que se assenta que o idioma oficial
deve ser tratado de modo uniforme em todo o território nacional conclui-se que não é dado aos entes
estaduais estabelecer proibições ou permissões locais. Eventuais proibições
terão que ser discutidas e promovidas, se for o caso, em âmbito nacional.
Tese fixada pelo STF:
Norma
estadual que, a pretexto de proteger os estudantes, proíbe modalidade de uso da
língua portuguesa viola a competência legislativa da União.
STF.
Plenário. ADI 7019/RO, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 10/02/2023 (Info
1082).
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade,
julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade formal da Lei nº
5.123/2021, do Estado de Rondônia.
Se uma lei federal proibir a linguem neutra ela também
será inconstitucional?
O STF não respondeu a
essa pergunta. No julgado acima, o STF se limitou a declarar a inconstitucionalidade
formal da lei estadual, mas não adentrou na discussão se uma lei federal
poderia proibir a linguagem neutra ou se ela também seria inconstitucional, mas
sob outro fundamento (inconstitucionalidade material).