Dizer o Direito

sábado, 25 de março de 2023

Dia do servidor público, segunda-feira de carnaval, quarta-feira de cinzas, quarta e quinta da Paixão e Corpus Christi são considerados feriados locais, para fins de interposição de recurso

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João ajuizou ação contra Pedro, tendo o pedido sido julgado improcedente.

O autor interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça manteve a sentença.

Ainda inconformado, João interpôs recurso especial contra o acórdão do TJ.

O prazo para interpor recurso especial é de 15 dias úteis.

João interpôs o recurso especial no último dia do prazo.

Na conferência para verificar se João interpôs o recurso tempestivamente, pode-se cair em uma armadilha e achar que ele perdeu o prazo. Isso porque no período entre a intimação do acórdão e a interposição do recurso, um dos dias foi Corpus Christi, que é um feriado (ou seja, dia não útil).

Assim, se a pessoa que está conferindo a tempestividade não desconsiderar esse dia, achará que João perdeu o prazo e que interpôs o REsp no 16º dia útil. No entanto, conforme expliquei, um desses dias era feriado (Corpus Christi) e, dessa forma, esse dia tem que ser excluído da contagem do prazo.

Repetindo: tirando sábados e domingos, João interpôs o recurso no 16º dia. Ocorre que um desses dias foi feriado de Corpus Christi. Logo, esse dia tem que ser excluído da contagem (porque não é dia útil). Isso significa que João interpôs o recurso no 15º dia útil e, portanto, o REsp é tempestivo.

 

O que aconteceu, no caso concreto?

A Presidência do STJ entendeu que o recurso especial seria intempestivo.

O problema foi justamente o feriado.

O Ministro afirmou que João não comprovou, de maneira adequada, no momento de interposição, a ocorrência do feriado de Corpus Christi. O Ministro utilizou, como fundamento, para a sua decisão, o art. 1.003, § 6º do CPC, que diz:

Art. 1.003 (...)

§ 6º O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso.

 

João não se conformou e interpôs agravo interno invocando três fundamentos:

1º) Corpus Christi não é um feriado local, mas sim nacional. O art. 1.003, § 6º somente exige a comprovação dos feriados locais;

2º) mesmo assim, eu comprovei que era feriado juntando cópia do calendário do Tribunal de Justiça (que está disponível na internet) e no qual consta que no dia xx foi feriado de Corpus Chirsti;

3º) ainda que Vossas Excelências não aceitem os dois outros argumentos, existe um terceiro para que o recurso especial seja considerado tempestivo: nesse dia (Corpus Christi), não houve expediente forense no STJ. Por intermédio da Portaria nº XXX, de 2020, o Presidente do STJ determinou a suspensão dos prazos processuais no âmbito do STJ no dia de Corpus Christi. Portanto, tendo havido a suspensão de prazo processual pelo próprio STJ, eu (João) não precisava ter comprovado esse feriado, mesmo que ele seja considerado feriado local.

 

Os argumentos de João foram acolhidos pelo STJ?

NÃO.

 

1º) Corpus Christi é considerado feriado local

De acordo com a jurisprudência do STJ, o dia de Corpus Christi é feriado local, considerando que não está previsto em lei federal. Por essa razão, a ausência de expediente forense no dia de Corpus Christi deve ser comprovada pela parte recorrente, no momento da interposição do recurso, por meio de documento idôneo.

STJ. 4ª Turma. AREsp 1.779.552-GO, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 26/04/2022 (Info 735).

 

Esse é um erro comum na prática forense porque se imagina que o Corpus Christi seja considerado, juridicamente, um feriado nacional, o que não é verdade.

Vale ressaltar que, além do Corpus Christi, existem outros feriados que são locais e que, portanto, precisam ser comprovados por meio de documento idôneo. São eles:

a) Dia do servidor público (28 de outubro);

b) Segunda-feira de carnaval;

c) Quarta-feira de Cinzas;

d) Dias que precedem a sexta-feira da Paixão.

 

 

A Quarta-Feira de Cinzas, os dias que precedem a Sexta-Feira da Paixão e o de Corpus Christi não são feriados forenses, previstos em lei federal, para os tribunais de justiça estaduais, motivo pelo qual, caso essas datas sejam feriados locais, deve ser colacionado o ato normativo local com essa previsão, por meio de documento idôneo, no momento de interposição do recurso.

STJ. Corte Especial. AgInt nos EAREsp 1569432/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/02/2022.

 

O dia do servidor público (28 de outubro), a segunda-feira de carnaval, a quarta-feira de cinzas, os dias que precedem a sexta-feira da paixão e, também, o dia de Corpus Christi não são feriados nacionais, em razão de não haver previsão em lei federal. Logo, é dever da parte comprovar a suspensão do expediente forense quando da interposição do recurso, por documento idôneo.

STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 1857694/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 11/04/2022.

 

2º) Cópia de calendário do Tribunal de origem é documento idôneo para comprovar feriado local?

Para o STJ: NÃO

A cópia de calendário editado pelo tribunal de origem ou a simples relação de feriados extraída da internet não são hábeis a ensejar a comprovação da existência de feriado local, pois é necessária a juntada de cópia de lei ou de ato administrativo exarado pela Corte local comprovando a ausência de expediente forense na data em questão.

STJ. 3ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1.941.861/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/6/2022.

 

A juntada de calendário extraído de página do Tribunal de Justiça na internet não se revela como documento idôneo a ensejar a comprovação da existência do aludido feriado, na medida em que, para tanto, é necessária a juntada de cópia de lei ou de ato administrativo que ateste, de modo inequívoco, a ausência de expediente forense na data em questão.

STJ. 4ª Turma. AREsp 1779552-GO, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 26/04/2022 (Info 735).

 

Obs: o STF possui um julgado afirmando que sim.

O calendário disponível no sítio do Tribunal de Justiça que mostra os feriados na localidade é documento idôneo para comprovar a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso, nos termos do art. 1.003, § 6º, do CPC/2015.

STF. 1ª Turma. RMS 36114/AM, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 22/10/2019 (Info 957).

 

3º) A tempestividade do recurso especial e do respectivo agravo em recurso especial deve ser aferida de acordo com os prazos em curso na Corte de origem

O prazo dos recursos interpostos perante a Corte de origem, ainda que estejam endereçados ao STJ, obedece ao calendário de funcionamento do Tribunal de origem, sendo irrelevante, para a verificação da tempestividade do recurso, a existência de recesso forense no STJ.

STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 2118653-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 28/11/2022 (Info Especial 8).

 

Os recursos interpostos na instância de origem, mesmo que endereçados a esta Corte Superior, observam o calendário de funcionamento do tribunal local, não podendo se utilizar, para todos os casos, dos feriados e das suspensões previstas em Portaria e no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, que muitas vezes não coincidem com os da Justiça estadual.

STJ. 3ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 2.006.859-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/2/2023 (Info 765).

 

 

 

 


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