Dizer o Direito

domingo, 5 de março de 2023

Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de falsificação de documento público, consistente na falsificação de identidades funcionais do Poder Judiciário da União

 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

A Polícia Rodoviária Federal, em fiscalização de rotina, parou o veículo no qual havia um casal.

Eles se identificaram como Juliana Lemos e Jorge Oliveira e apresentaram CNH com esses nomes.

Os policiais fizeram vistoria no veículo e encontraram identidades funcionais do Poder Judiciário Federal. As identidades tinham a fotografia de Juliana, mas estavam preenchidas com nomes e dados diversos, ou seja, eram documentos falsificados.

Também foi encontrada uma impressora, que seria supostamente utilizada na falsificação.

Diante disso, foi dada voz de prisão ao casal.

Posteriormente, surgiu uma dúvida acerca da competência para julgar essa conduta.

O Juízo Estadual (Juiz de Direito) declinou da competência, sob o fundamento de que o crime foi praticado em detrimento de serviço da União (Poder Judiciário Federal). O magistrado estadual invocou a Súmula 546 do STJ: A competência para processar e julgar o crime de uso de documento falso é firmada em razão da entidade ou órgão ao qual foi apresentado o documento público, não importando a qualificação do órgão expedidor.

O Juízo Federal não concordou e suscitou conflito afirmando que os flagranteados não apresentaram o documento falso aos Policiais Rodoviários Federais. Os documentos foram encontrados pelos Policiais. Logo, não houve no caso ofensa direta a serviço federal.

 

O que o STJ decidiu? De quem é a competência para julgar essa conduta?

Justiça Federal.

 

Não se aplica a Súmula 546 do STJ porque não houve uso de documento falso

Inicialmente, importante esclarecer que não se aplica, no caso, a Súmula 546 do STJ. Isso porque não houve a apresentação dos documentos falsos à autoridade policial.

Assim, não se apura o crime de uso de documento falso, mas sim o de falsificação de documento público.

Não há crime de uso porque não há como se reconhecer, a priori, o elemento de vontade (o dolo de fazer uso de documento falso) necessário à caracterização do delito do art. 304 do Código Penal (STJ. 3ª Seção. CC 148.592/RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 13/2/2017).

Contudo, mesmo não sendo crime de uso de documento falso, a competência continua sendo da Justiça Federal.

 

Se é falsificado um documento “federal”, mas para ser usado em prejuízo de particular, a competência é, em regra, da Justiça Estadual

O STJ possui entendimento no sentido de que se um documento de um órgão ou entidade federal é falsificado, mas a vítima primária dessa falsificação é um particular, a competência para julgar esse crime é da Justiça Estadual. Isso porque o prejuízo da União será apenas reflexo (indireto).

Exemplificativamente, nos casos de falsificação do selo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA, o STJ já concluiu que o delito deve ser julgado pela Justiça Comum Estadual, porque os ofendidos são os consumidores. Nesse sentido:

Competente a Justiça Comum Estadual quando a falsificação de selo ou sinal público (art. 296, § 1.º, inciso II, do Código Penal) é usada para dar a produtos falsificados aparência de regularidade, em prejuízo das relações de consumo, sem ofensa a interesses, bens ou serviços da União.

STJ. 3ª Seção. AgRg no CC 181.690/PB, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 9/2/2022.

 

No entanto, a situação aqui é diferente e merece uma distinção (distinguishing) em relação à diretriz jurisprudencial acima mencionada.

No caso concreto, a vítima primária é a própria União, pois não se cogita de prejuízo fundamental a particulares. Não há notícia de particulares que tenham sido prejudicados.

Além disso, a Lei nº 12.774/2012, ao dispor sobre as Carreiras dos Servidores do Poder Judiciário da União, prescreveu, em seu art. 4º, que:

Art. 4º As carteiras de identidade funcional emitidas pelos órgãos do Poder Judiciário da União têm fé pública em todo o território nacional.

 

Dessa forma, a falsificação de identidades funcionais do Poder Judiciário da União atinge direta e essencialmente a fé pública e a presunção de veracidade de documento, cuja expedição atribui-se à Administração Pública Federal.

Logo, o crime em questão foi praticado em detrimento da Administração Pública federal, atraindo a competência da Justiça Federal, nos termos do art. art. 109, IV, da CF/88:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

(...)

IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

 

Em suma:

 

 

 

 


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