Dizer o Direito

sábado, 11 de março de 2023

A tese firmada no Tema 1.119 da repercussão geral não se aplica para as associações genéricas

 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

A Associação Brasileira de Contribuintes (ABCT) impetrou mandado de segurança coletivo para garantir o direito líquido e certo dos contribuintes do país de “não se submeterem à ilegal e inconstitucional inclusão dos valores do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, tendo em vista que tais montantes não se enquadram nos conceitos de ‘receita bruta’ ou ‘faturamento’”.

O processo foi extinto sem resolução do mérito em razão de a associação não ter juntado a lista individualizando os associados que autorizaram a entidade associativa a demandar em seu nome.

 

Recurso da associação

A associação recorreu alegando que o mandado de segurança coletivo é uma hipótese de substituição processual, por meio da qual o impetrante, no caso a associação, atua em nome próprio defendendo direito alheio, pertencente aos associados ou parte deles. Logo, é desnecessária, para a impetração do mandamus, a apresentação de autorização dos substituídos ou mesmo lista nominal.

A associação afirmou que o STF já pacificou esse entendimento ao julgar o Tema 1.119:

É desnecessária a autorização expressa dos associados, a relação nominal destes, bem como a comprovação de filiação prévia, para a cobrança de valores pretéritos de título judicial decorrente de mandado de segurança coletivo impetrado por entidade associativa de caráter civil.

STF. Plenário. ARE 1293130 RG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 17/12/2020 (Repercussão Geral – Tema 1.119).

 

O argumento da associação foi acolhido pelo STF?

NÃO.

De fato, no julgamento do aludido Tema, o STF considerou que a substituição processual pelas associações teria sede direta no art. 5º, LXX, b, da CF/88, e fixou a seguinte tese: “É desnecessária a autorização expressa dos associados, a relação nominal destes, bem como a comprovação de filiação prévia, para a cobrança de valores pretéritos de título judicial decorrente de mandado de segurança coletivo impetrado por entidade associativa de caráter civil”.

Contudo, ao apreciar os embargos de declaração opostos contra o acórdão que fixou a tese do Tema 1.119, o STF ressalvou, expressamente, não ter analisado se as associações genéricas poderiam ter seus associados beneficiados por decisões em mandado de segurança coletivo.

Nas exatas palavras do Min. Roberto Barroso:

“6. Entendo, conforme consta do voto do relator, que, no caso concreto, esta Corte não analisou se associações genéricas, que não analisou se associações genéricas, que não representam quaisquer categorias econômicas e profissionais específicas, como é o caso da ANCT, podem ter seus associados beneficiados por decisões em mandado de segurança coletivo. Ou seja, esse tema ainda está em aberto e pode vir a ser arguido pela União e discutido pelas instâncias ordinárias e, inclusive, em outro momento, por esta Corte. representam quaisquer categorias econômicas e profissionais específicas, como é o caso da ANCT, podem ter seus associados beneficiados por decisões em mandado de segurança coletivo. Ou seja, esse tema ainda está em aberto e pode vir a ser arguido pela União e discutido pelas instâncias ordinárias e, inclusive, em outro momento, por esta Corte.”

 

Assim, o simples fato de se criar e registrar uma pessoa jurídica como sendo uma associação não impõe ou autoriza, no aspecto da atuação processual, a automática e autêntica legitimidade ativa das associações, sendo necessário à regular substituição processual, que se determine, minimamente, o seu objeto social, a partir do qual definido o conjunto de seus associados.

Conforme explicou a União em sua manifestação no STF:

“Da leitura dos julgados do STF extrai-se que a Constituição Federal, ao reconhecer o direito às ações coletivas e ao mandado de segurança coletivo, pretendeu tutelar a multiplicidade e variedade de interesses existentes na sociedade brasileira, interesses de minorias e de setores sociais que representam parte do todo social e que com ele não se confundem. Buscou-se, antes de tudo, ampliar-se a voz do cidadão brasileiro, quando atua no seio de determinada comunidade, a qual está ligado por laços profissionais, culturais, religiosos, étnicos etc, na defesa de pretensões relativas a tal contexto social.

Pois bem. Ocorre que recentemente, no Brasil, tem se multiplicado, principalmente em direito tributário, o número de ações promovidas por Associações que pretendem representar não grupos, mas uma coletividade, em total discrepância do modelo associativo que ensejou a formação da jurisprudência mencionada, o que justifica que esse Supremo Tribunal Federal reflita sobre o tratamento a ser conferido em tal situação.

A associação ora agravada pretende representar os contribuintes brasileiros, Excelência. Basicamente todos os cidadãos! Não há qualquer liame social/ideológico/profissional entre eles, senão o de serem contribuintes sediados no país. Não há sequer identidade de pretensões, registre-se. Porque entre o grupo que se pretende ver representado pela embargada, e que abrange todas as pessoas residentes no Brasil, existem, obviamente, alguns cidadãos com interesses conflitantes e que não compartilham uma mesma aspiração. Isso porque (i) que nem todos são contribuintes dos mesmos tributos e (ii) a tributação mais alta que recai sobre um grupo de cidadãos permite que incida menor encargo e/ou que se preste melhores serviços públicos para outro. A entidade autora não representa um grupo determinado e coeso de cidadãos brasileiros, com um interesse coletivo próprio e auferível, mas todos aqueles que possam, eventualmente, vir a praticar (ou não) um fato gerador no país, ou seja, a somatória de todos os grupos, categorias ou classes existentes em um dado momento no território brasileiro.

(...)

É inadmissível que por via da criação de uma associação tão abrangente se utilize o Mandado de Segurança coletivo como meio de defesa de interesses gerais, eventuais, indeterminados, conflituosos e difusos – além do presente caso, pode-se imaginar vários exemplos esdrúxulos do manuseio do mandado de segurança coletivo em evidente contradição com objetivos do constituinte, por entidades que se proponham a defender interesses “dos brasileiros”, “dos eleitores”, “das famílias”. Coletividades dotadas de tal generalidade são, na verdade, representadas pelo próprio Estado, não por associações privadas.

(...)

É portanto, fundamental considerar que, para tais associações “genéricas”, faz-se necessária a filiação prévia à propositura do mandado de segurança pelos substituídos, para que se demonstre o alcance da coisa julgada sobre cada indivíduo.”

 

O STF acolheu os argumentos da União e afirmou que é necessário que a associação determine minimamente quais são os seus fins sociais. Afinal, a criação de uma entidade sem objetivos estabelecidos constitui violação ao devido processo legal por ser usada indevidamente como substituta processual.

No caso concreto, o STF considerou que a ABCT não estabelece claramente o grupo de indivíduos que representa.

Para o Min. André Mendonça, “a admissão da associação sem maior rigor abriria indesejável precedente, que permitiria a banalização das associações, inclusive prejudicando os interesses de associados”.

A tese firmada no Tema 1.119 se fundamenta na premissa de que a associação representa uma categoria profissional. Portanto, não se aplica a este caso, pois a ABCT tem caráter genérico e poderia representar qualquer contribuinte brasileiro.

 

Em suma:

Não se aplica às associações genéricas — que não representam qualquer categoria econômica ou profissional específica — a tese firmada no Tema 1.119 da sistemática da repercussão geral, sendo insuficiente a mera regularidade registral da entidade para sua atuação em sede de mandado de segurança coletivo, pois passível de causar prejuízo aos interesses dos beneficiários supostamente defendidos.

STF. 2ª Turma. ARE 1.339.496 AgR/RJ, Rel. Min. Edson Fachin, redator do acórdão Min. André Mendonça, julgado em 7/02/2023 (Info 1082).

 

Com base nesse e em outros entendimentos, a 2ª Turma do STF, por maioria, negou provimento ao agravo em recurso extraordinário da Associação Brasileira de Contribuintes Tributários (ABCT), mantendo a exigência de que essa associação, por ser genérica, apresentasse a lista individualizando os associados que autorizaram a entidade associativa a demandar em seu nome.

 

 

 


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