A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:
A Associação Brasileira de Contribuintes (ABCT) impetrou
mandado de segurança coletivo para garantir o direito líquido e certo dos
contribuintes do país de “não se submeterem à ilegal e inconstitucional
inclusão dos valores do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, tendo em
vista que tais montantes não se enquadram nos conceitos de ‘receita bruta’ ou ‘faturamento’”.
O processo foi extinto sem resolução do mérito em razão de a
associação não ter juntado a lista individualizando os associados que autorizaram
a entidade associativa a demandar em seu nome.
Recurso da associação
A associação recorreu alegando que o mandado de segurança
coletivo é uma hipótese de substituição processual, por meio da qual o
impetrante, no caso a associação, atua em nome próprio defendendo direito
alheio, pertencente aos associados ou parte deles. Logo, é desnecessária, para
a impetração do mandamus, a apresentação de autorização dos substituídos ou
mesmo lista nominal.
A associação afirmou que o STF já pacificou esse
entendimento ao julgar o Tema 1.119:
É desnecessária a autorização expressa dos associados, a relação
nominal destes, bem como a comprovação de filiação prévia, para a cobrança de
valores pretéritos de título judicial decorrente de mandado de segurança
coletivo impetrado por entidade associativa de caráter civil.
STF. Plenário. ARE 1293130
RG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 17/12/2020 (Repercussão Geral – Tema 1.119).
O argumento da associação foi acolhido pelo STF?
NÃO.
De fato, no julgamento do aludido Tema, o STF considerou que
a substituição processual pelas associações teria sede direta no art. 5º, LXX,
b, da CF/88, e fixou a seguinte tese: “É desnecessária a autorização expressa
dos associados, a relação nominal destes, bem como a comprovação de filiação
prévia, para a cobrança de valores pretéritos de título judicial decorrente de
mandado de segurança coletivo impetrado por entidade associativa de caráter
civil”.
Contudo, ao apreciar os embargos de declaração opostos
contra o acórdão que fixou a tese do Tema 1.119, o STF ressalvou,
expressamente, não ter analisado se as associações genéricas poderiam ter seus
associados beneficiados por decisões em mandado de segurança coletivo.
Nas exatas palavras do Min.
Roberto Barroso:
“6. Entendo, conforme consta do
voto do relator, que, no caso concreto, esta Corte não analisou se associações
genéricas, que não analisou se associações genéricas, que não representam
quaisquer categorias econômicas e profissionais específicas, como é o caso da
ANCT, podem ter seus associados beneficiados por decisões em mandado de
segurança coletivo. Ou seja, esse tema ainda está em aberto e pode vir a ser
arguido pela União e discutido pelas instâncias ordinárias e, inclusive, em
outro momento, por esta Corte. representam quaisquer categorias econômicas e
profissionais específicas, como é o caso da ANCT, podem ter seus associados beneficiados
por decisões em mandado de segurança coletivo. Ou seja, esse tema ainda está em
aberto e pode vir a ser arguido pela União e discutido pelas instâncias
ordinárias e, inclusive, em outro momento, por esta Corte.”
Assim, o simples fato de se criar e registrar uma pessoa
jurídica como sendo uma associação não impõe ou autoriza, no aspecto da atuação
processual, a automática e autêntica legitimidade ativa das associações, sendo
necessário à regular substituição processual, que se determine, minimamente, o
seu objeto social, a partir do qual definido o conjunto de seus associados.
Conforme explicou a União em sua manifestação no STF:
“Da leitura dos julgados do STF
extrai-se que a Constituição Federal, ao reconhecer o direito às ações
coletivas e ao mandado de segurança coletivo, pretendeu tutelar a
multiplicidade e variedade de interesses existentes na sociedade brasileira,
interesses de minorias e de setores sociais que representam parte do todo
social e que com ele não se confundem. Buscou-se, antes de tudo, ampliar-se a
voz do cidadão brasileiro, quando atua no seio de determinada comunidade, a
qual está ligado por laços profissionais, culturais, religiosos, étnicos etc,
na defesa de pretensões relativas a tal contexto social.
Pois bem. Ocorre que
recentemente, no Brasil, tem se multiplicado, principalmente em direito
tributário, o número de ações promovidas por Associações que pretendem
representar não grupos, mas uma coletividade, em total discrepância do modelo
associativo que ensejou a formação da jurisprudência mencionada, o que
justifica que esse Supremo Tribunal Federal reflita sobre o tratamento a ser
conferido em tal situação.
A associação ora agravada
pretende representar os contribuintes brasileiros, Excelência. Basicamente todos
os cidadãos! Não há qualquer liame social/ideológico/profissional entre eles,
senão o de serem contribuintes sediados no país. Não há sequer identidade de
pretensões, registre-se. Porque entre o grupo que se pretende ver representado
pela embargada, e que abrange todas as pessoas residentes no Brasil, existem,
obviamente, alguns cidadãos com interesses conflitantes e que não compartilham
uma mesma aspiração. Isso porque (i) que nem todos são contribuintes dos mesmos
tributos e (ii) a tributação mais alta que recai sobre um grupo de cidadãos
permite que incida menor encargo e/ou que se preste melhores serviços públicos
para outro. A entidade autora não representa um grupo determinado e coeso de
cidadãos brasileiros, com um interesse coletivo próprio e auferível, mas todos
aqueles que possam, eventualmente, vir a praticar (ou não) um fato gerador no
país, ou seja, a somatória de todos os grupos, categorias ou classes existentes
em um dado momento no território brasileiro.
(...)
É inadmissível que por via da criação
de uma associação tão abrangente se utilize o Mandado de Segurança coletivo
como meio de defesa de interesses gerais, eventuais, indeterminados,
conflituosos e difusos – além do presente caso, pode-se imaginar vários
exemplos esdrúxulos do manuseio do mandado de segurança coletivo em evidente
contradição com objetivos do constituinte, por entidades que se proponham a
defender interesses “dos brasileiros”, “dos eleitores”, “das famílias”.
Coletividades dotadas de tal generalidade são, na verdade, representadas pelo
próprio Estado, não por associações privadas.
(...)
É portanto, fundamental
considerar que, para tais associações “genéricas”, faz-se necessária a filiação
prévia à propositura do mandado de segurança pelos substituídos, para que se
demonstre o alcance da coisa julgada sobre cada indivíduo.”
O STF acolheu os argumentos da
União e afirmou que é necessário que a associação determine minimamente quais
são os seus fins sociais. Afinal, a criação de uma entidade sem objetivos
estabelecidos constitui violação ao devido processo legal por ser usada
indevidamente como substituta processual.
No caso concreto, o STF considerou
que a ABCT não estabelece claramente o grupo de indivíduos que representa.
Para o Min. André Mendonça, “a
admissão da associação sem maior rigor abriria indesejável precedente, que
permitiria a banalização das associações, inclusive prejudicando os interesses
de associados”.
A tese firmada no Tema 1.119 se
fundamenta na premissa de que a associação representa uma categoria profissional.
Portanto, não se aplica a este caso, pois a ABCT tem caráter genérico e poderia
representar qualquer contribuinte brasileiro.
Em suma:
Não se
aplica às associações genéricas — que não representam qualquer categoria
econômica ou profissional específica — a tese firmada no Tema 1.119 da
sistemática da repercussão geral, sendo insuficiente a mera regularidade
registral da entidade para sua atuação em sede de mandado de segurança
coletivo, pois passível de causar prejuízo aos interesses dos beneficiários
supostamente defendidos.
STF. 2ª Turma. ARE 1.339.496 AgR/RJ, Rel. Min. Edson Fachin, redator do
acórdão Min. André Mendonça, julgado em 7/02/2023 (Info 1082).
Com base nesse e em outros entendimentos, a 2ª Turma do STF,
por maioria, negou provimento ao agravo em recurso extraordinário da Associação
Brasileira de Contribuintes Tributários (ABCT), mantendo a exigência de que
essa associação, por ser genérica, apresentasse a lista individualizando os
associados que autorizaram a entidade associativa a demandar em seu nome.