Imagine a seguinte situação hipotética:
João, represente legal da empresa XYZ, efetuou a importação de
mercadorias, via área, com entrada pelo Aeroporto Internacional de Viracopos.
No momento do desembaraço aduaneiro, a Receita Federal verificou
que houve subfaturamento na importação. Em outras palavras, com o objetivo de
pagar menos imposto, João declarou que havia importado as mercadorias por
valores abaixo do preço efetivamente comercializado.
João foi denunciado e condenado pelo crime de descaminho, com
pena dobrada, considerando que o delito foi praticado por meio de transporte
aéreo (art. 334 § 3º, CP):
Art. 334. Iludir, no todo ou em
parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou
pelo consumo de mercadoria.
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4
(quatro) anos.
(...)
Em apelação, a defesa afirmou que não deveria incidir a majorante
do § 3º do art. 334 do CP porque o agente não buscou esconder os produtos
apreendidos. Ele efetuou a importação via aérea, em um voo regular, que é
sujeito à rígida fiscalização das autoridades, não se devendo aplicar essa
causa de aumento, que é exclusiva para transportes clandestinos.
Nas palavras da defesa, a majorante aplicável ao descaminho se
justifica no fato de dificultar a atividade fiscalizatória por meio de voos
clandestinos.
Essa tese defensiva é acolhida pelo STJ?
NÃO.
Segundo a jurisprudência consolidada no STJ, a pena do descaminho
deve ser aplicada em dobro quando houver transporte aéreo, mesmo que se trate
de um voo regular.
O art. 334, § 3º, do Código Penal prevê a aplicação da pena em
dobro, se “o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo”.
Perceba, portanto, que a lei não fez nenhuma restrição ou exigência quanto à
espécie de voo que enseja a aplicação da majorante. Logo, não cabe ao
intérprete restringir a aplicação do dispositivo legal, sendo irrelevante que o
transporte seja clandestino ou regular.
Em suma:
Incide a causa especial de aumento de pena prevista
no § 3º do art. 334 do Código Penal quando se tratar de descaminho praticado em
transporte aéreo, não sendo relevante o fato de o voo ser regular ou
clandestino.
STJ. 5ª
Turma. AgRg no AREsp 2.197.959-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
julgado em 28/2/2023 (Info 765).
No mesmo sentido:
O art. 334, § 3º, do Código Penal prevê a aplicação da pena em
dobro, se “o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte
aéreo”.
Se a lei não faz restrições quanto à espécie de voo que enseja a
aplicação da majorante, não cabe ao intérprete restringir a aplicação do
dispositivo legal, sendo irrelevante que o transporte seja clandestino ou
regular.
STJ. 5ª Turma.
HC 390.899/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 23/11/2017.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1850255/SP, Rel. Min. Sebastião Reis
Júnior, julgado em 26/05/2020.
Vale ressaltar que existe um julgado da 1ª Turma do STF concluindo
da mesma maneira:
O art. 334, § 3º, do CP, ao versar o aumento da sanção nos casos
de descaminho praticado em transporte aéreo, não distingue os casos de voos
clandestinos ou regulares.
STF. 1ª Turma.
HC 169846, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 12/11/2019.
Obs: existe um julgado da 2ª Turma do STF no qual houve
empate na votação e, portanto, prevaleceu a tese mais favorável ao réu:
Para aplicação da majorante prevista no art. 334, § 3º, do
Código Penal, é necessária a condição de clandestinidade.
A majorante somente pode ser aplicada quando houver uma maior
reprovabilidade da conduta, caracterizada pela atuação do imputado no sentido
de dificultar a fiscalização estatal, por meio da clandestinidade.
STF. Plenário. HC 162553 AgR/CE, relator Min. Edson Fachin,
redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/9/2021 (Info 1030).