Princípio da identidade física do juiz
A Lei nº 11.719/2008 introduziu, no processo penal, o
princípio da identidade física do juiz, até então somente existente no processo
civil. A inovação foi inserida no § 2º do art. 399 do CPP:
Art. 399 (...)
§ 2º O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.
A razão de ser desta previsão está no fato de que o juiz que
instruiu o processo é a pessoa mais indicada para decidir considerando que foi
ela quem teve contato pessoal e direto com as provas (especialmente os
testemunhos e interrogatório) e, com isso, pode formar sua convicção de maneira
mais precisa.
Este
princípio é absoluto ou admite exceções?
O CPP não traz nenhuma exceção a este princípio. No entanto,
o STJ afirma o princípio da identidade física do juiz não pode ser levado às
últimas consequências nem ser tratado como absoluto.
Assim, por exemplo, se o magistrado que instruiu o processo
foi afastado da jurisdição sobre aquela Vara por qualquer motivo, o juiz que o
sucedeu poderá sentenciar normalmente o processo, sem que haja ofensa ao
princípio da identidade física do juiz.
Feitas essas considerações, veja a situação concreta, com adaptações,
enfrentada pelo STJ:
João respondia a um processo penal na 2ª Vara criminal da Comarca
de Criciúma (SC).
O Juiz da Comarca de Tubarão (SC) julgou o processo e condenou João
pelo cometimento do crime.
A Defensoria Pública impetrou habeas corpus em favor do
condenado suscitando a nulidade absoluta da sentença, uma vez que foi prolatada
por magistrado não lotado na comarca de Criciúma e que não fez a audiência de
instrução. Logo, teria havido nulidade por violação ao princípio da identidade
física do juiz.
A ordem foi denegada pelo TJ/SC.
O Tribunal argumentou que a sentença foi proferida pelo Juízo de
Direito titular da 1ª Vara Criminal da Comarca de Tubarão (SC), em razão do
Programa CGJ-Apoia, instituído pelo TJ para “viabilizar o julgamento dos feitos
que integram o acervo excedente de processos acumulados da justiça de primeiro
grau e de implantar boas práticas administrativas e medidas voltadas à
organização, racionalização e uniformização dos procedimentos e métodos de
trabalho das unidades de primeiro grau.”
Em outras palavras, foi uma espécie de mutirão instituído pelo TJ
para reduzir o acervo de comarcas que estavam com um excedente de processos
acumulados.
Sendo assim, o TJ/SC expediu portaria e designou os magistrados
que receberiam os feitos excedentes provenientes de outras comarcas, o que foi
feito, não havendo nulidade a ser reconhecida.
Ainda irresignada, a Defensoria Pública impetrou novo habeas
corpus, desta vez para o STJ.
O STJ concedeu a ordem no habeas corpus? Houve nulidade no
presente caso?
NÃO.
O processo em questão foi redistribuído entre magistrados em
razão do Programa CGJ-APOIA, instituído com o objetivo de permitir o julgamento
dos feitos que integravam o acervo excedente de processos acumulados.
Constatado que o Juiz sentenciante foi designado por
Portaria do Tribunal criada para reduzir o congestionamento de processos
judiciais e otimizar as atividades do primeiro grau, inexiste ilegalidade a ser
reparada.
O STJ já julgou outros casos semelhantes e possui firme
entendimento no sentido de que:
Não há nulidade no processo pelo fato de outro magistrado ter
proferido a sentença, haja vista que estava designado para atuar como
cooperador na respectiva Vara, designado pelo Programa CGJ Apoia (Portaria GP
nº 1870, de 21 de setembro de 2020, com data retroativa de 1º de agosto de
2020).
O princípio da identidade física do juiz não é absoluto, podendo
ser excepcionado em hipóteses como a dos autos, em que o magistrado que presidiu
a instrução foi auxiliado por outro em esquema de colaboração na condução dos
processos sob sua responsabilidade na Vara, não havendo falar-se em nulidade.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 676.173/SC, Rel. Min. Olindo Menezes
(Desembargador convocado do TRF 1ª Região), DJe 11/3/2022.
Em suma:
Se o magistrado prolator da sentença estava designado
pelo Programa CGJ-Apoia para atuar como cooperador na respectiva vara, não há
abalo ao princípio da identidade física do juiz.
STJ. 6ª
Turma. AgRg no HC 523.501-SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em
14/11/2022 (Info Especial 10).
No mesmo sentido:
O princípio da identidade física do juiz não se trata de um
princípio absoluto.
Assim, no que tange ao princípio do juiz natural, consolidou-se
no STJ entendimento no sentido de que não ofende tal princípio a designação de
magistrados em regime de mutirão (penal, cível ou carcerário), no interesse
objetivo da jurisdição, para atuar em feitos genericamente atribuídos e no
objetivo da mais célere prestação jurisdicional. No caso concreto, não se
demonstrou ter havido escolha de magistrados para julgamento deste ou daquele
processo.
Conclui-se, portanto, não haver ilegalidade a ser sanada.
STJ. 5ª Turma.
HC 441.393/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 18/08/2020.
Haveria, no caso, violação ao princípio do juízo
natural?
Também não.
(...) 2. Consolidou-se nesta Corte Superior de Justiça
entendimento no sentido de que não ofende o princípio do juiz natural a
designação de magistrados em regime de mutirão (penal, cível ou carcerário), no
interesse objetivo da jurisdição, para atuar em feitos genericamente atribuídos
e no objetivo da mais célere prestação jurisdicional. Precedentes.
3. No caso concreto, não houve escolha de magistrados para
julgamento deste ou daquele processo. Pelo contrário, a designação se deu de
maneira ampla e indiscriminada para a atuação em período certo de tempo, de
modo a conferir eficiência à prestação jurisdicional e efetividade ao princípio
da duração razoável dos processos, conforme o disposto na Instrução Normativa
(...)
STJ. 5ª Turma. HC 449.361/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, julgado em 12/3/2019.