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terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Responsabilização de terceiro em casos de aliciamento de prestadores de serviço (art. 608 do Código Civil). Caso Band x SBT (Danilo Gentili)

 

Segundo os autos, a situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

A Band tinha um contrato com o humorista Danilo Gentili para que ele apresentasse o programa de televisão “Agora é Tarde”, exibido na Band TV, de terças a sextas, por volta da meia noite.

O referido contrato teve início em 01/01/2013 e previsão de término em 31/12/2014, com possibilidade de renovação e direito de preferência. Além disso, a Band celebrou contratos com os humoristas Léo Lins e Murilo Couto para que eles também participassem do referido programa.

Em dezembro de 2013, ou seja, ainda durante a vigência do contrato, Danilo noticiou à imprensa que havia recebido convite do SBT para apresentar um programa. Danilo declarou que deixaria a Band e que iria trabalhar no SBT levando toda a equipe do programa “Agora é Tarde” consigo.

Assim que a Band tomou conhecimento dos fatos, enviou notificação para o SBT com a finalidade de demonstrar a vigência do contrato. Mesmo com a notificação, o SBT realizou a contratação de Danilo e dos demais integrantes do programa “Agora é Tarde” e estreou um programa semelhante, chamado “The Noite com Danilo Gentili”.

Diante do cenário acima, a Band propôs ação de indenização contra o SBT. Sustentou que a ré aliciou os integrantes do programa “Agora é Tarde”, incidindo na previsão do art. 608 do Código Civil:

Art. 608. Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos.

 

O juiz julgou o pedido parcialmente procedente condenando o SBT a pagar a quantia de R$ 3.684.000,00, atualizada monetariamente e com juros desde 10 de março de 2014.

O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença.

Ainda inconformado, o SBT interpôs recurso especial, sustentando que o aliciamento não foi caracterizado e que foi dada interpretação equivocada ao art. 608 do CC. Alegou que a aliciação pressupõe uma atividade instigadora exclusiva do aliciador em face do aliciado. No caso, o apresentador já estaria insatisfeito com a Band, de modo notório.

 

O STJ deu provimento ao recurso do SBT?

SIM.

O STJ discutiu, no recurso, o âmbito da responsabilidade de terceiro que oferece proposta de contratação a prestador de serviço durante a vigência de negócio jurídico celebrado com emissora de televisão concorrente e a consequente resilição do contrato em curso.

 

Responsabilização civil de terceiro ofensor por lesão a contrato alheio

Inicialmente, é importante esclarecer que, em tese, é possível a responsabilização civil de terceiro ofensor por lesão a contrato alheio. Assim, um terceiro, embora alheio ao contrato (não é parte nesse ajuste), pode nele interferir indevidamente e, neste caso, pode ser responsabilizado por isso.

A responsabilização, em tais situações, é possível como desdobramento da função social do contrato e da boa-fé objetiva.

Nesse contexto, a doutrina e a jurisprudência afirmam que é possível a responsabilização de terceiro por quebra do contrato envolvendo outras pessoas.

Trata-se daquilo que ficou conhecido como teoria do terceiro ofensor, terceiro cúmplice ou terceiro interferente.

Na doutrina, Antônio Junqueira de Azevedo afirma que o terceiro, embora não seja parte em um contrato, não pode se comportar como se o ajuste não existisse (Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 142).

Temos, inclusive, uma recente decisão da 3ª Turma do STJ no qual o tema foi analisado:

Os contratos são protegidos por deveres de confiança, os quais se estendem a terceiros em razão da cláusula de boa-fé objetiva.

Diante do reconhecimento e da ampliação de novas áreas de proteção à pessoa humana, resultantes da nova realidade social e da ascensão de novos interesses, surgem também novas hipóteses de violações de direitos, o que impõe sua salvaguarda pelo ordenamento jurídico.

Assim, viu-se a necessidade de analisar o comportamento daquele terceiro que interfere ou induz o inadimplemento de um contrato sob o prisma de uma proteção extracontratual, do capitalismo ético, da função social do contrato e da proteção das estruturas de interesse da sociedade, tais como a honestidade e a tutela da confiança.

De acordo com a Teoria do Terceiro Cúmplice terceiro ofensor também está sujeito à eficácia transubjetiva das obrigações, haja vista que seu comportamento não pode interferir indevidamente na relação, perturbando o normal desempenho da prestação pelas partes, sob pena de se responsabilizar pelos danos decorrentes de sua conduta.

A responsabilização de um terceiro, alheio à relação contratual, decorre da sua não funcionalização sob a perspectiva social da autonomia contratual, incorporando como razão prática a confiança e o desenvolvimento social na conduta daqueles que exercem sua liberdade.

Uma das hipóteses em que a conduta condenável do terceiro pode gerar sua responsabilização é a indução interferente ilícita, na qual o terceiro imiscui-se na relação contratual mediante informações ou conselhos com o intuito de estimular uma das partes a não cumprir seus deveres contratuais.

STJ. 3ª Turma. REsp 1895272/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/4/2022 (Info 734).

 

Previsão do art. 608 do CC e sua correta interpretação

Vejamos novamente a redação do art. 608 do Código Civil:

 

De acordo com esse dispositivo, o terceiro que alicia profissional obrigado em contrato a prestar serviço a outrem, provocando a quebra do ajuste anterior, tem o dever de indenizar o contratante lesado, independentemente da responsabilidade contratual incidente entre as partes do negócio desfeito.

Vale ressaltar, contudo, que a interpretação do art. 608 do Código Civil deve levar em consideração o comportamento de mercado dos concorrentes envolvidos no ramo de atividade em questão.

Se, por um lado, a teoria do terceiro ofensor reforça a função social do contrato e os deveres decorrentes da boa-fé objetiva, por outro prisma, deve-se ter algum cuidado com a aplicação literal do art. 608 do Código Civil. Isso porque eventual interpretação literal significaria impor a toda a coletividade o dever de nunca celebrar negócios jurídicos com pessoas que estivessem no curso de contratos anteriormente assumidos.

 

A interpretação do art. 608 do Código Civil de 2002, que prevê a possibilidade de responsabilização de terceiro em casos de aliciamento de prestadores de serviço, deve levar em consideração o comportamento de mercado dos concorrentes envolvidos no ramo de atividade analisado.

STJ. 3ª Turma. REsp 2.023.942-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 25/10/2022 (Info Especial 9).

 

O art. 608 do CC busca combater práticas desleais

A doutrina brasileira e a jurisprudência do STJ admitem a responsabilização de terceiro pela quebra de contrato em virtude dos postulados da função social do contrato, dos deveres decorrentes da boa-fé objetiva, da prática de concorrência desleal e da responsabilidade por ato ilícito ou abusivo.

No entanto, a tutela da função social externa do contrato, no caso da norma aqui tratada, exige a prática de aliciamento do prestador de serviço, o que indica que o art. 608 do Código Civil busca combater práticas desleais entre agentes econômicos, conduta apta a demonstrar uma vontade manifesta de aliciar.

A oferta de proposta mais vantajosa a artista contratado por emissora concorrente não configura automaticamente prática de aliciamento de prestador de serviço, haja vista a ausência de qualquer conduta voltada à concorrência desleal ou à violação dos deveres anexos à boa-fé objetiva, sem que se esteja com isso a desconsiderar a função social externa do contrato.

 

Voltando ao caso concreto

Para o STJ, não se pode afirmar que a conduta do SBT tenha sido seria parasitária ou que tenha se utilizado indevidamente do investimento feito pela Band no apresentador. No mercado de entretenimento é normal que as empresas concorrentes demostrem interesse justamente por artistas que estejam em voga, fazendo com que seja comum que as propostas sejam formuladas para contratados de outras emissoras.

Nas exatas palavras do Ministro Relator:

“ (...) na conduta da recorrente em contratar ou apresentar oferta de contratação a artista que mantinha relação jurídica com emissora de televisão concorrente, não se pode reconhecer a prática de aliciamento a incidir o disposto no art. 608 do Código Civil de 2002, visto que ausente qualquer indício da prática de concorrência desleal ou de violação dos deveres decorrentes da boa-fé objetiva e da função social do contrato (...)

Assim, a oferta de proposta mais vantajosa a artista contratado por emissora concorrente não configura automaticamente prática de aliciamento de prestador de serviço, haja vista a ausência de qualquer conduta voltada à concorrência desleal ou à violação dos deveres anexos à boa-fé objetiva, sem que se esteja com isso a desconsiderar a função social externa do contrato.

Não se pode afirmar que a conduta da recorrente seria parasitária ou que teria se utilizado do investimento da concorrente no referido profissional pelo fato de a proposta ter sido apresentada na vigência do contrato exatamente porque parece ser da natureza da concorrência no mercado de entretenimento o interesse por artistas que estejam em voga, o que inevitavelmente pode decorrer da circunstância de sua atuação em outra emissora.

A propósito, exigir esse tipo de cooperação entre agentes econômicos que atuam em mercados altamente competitivos vai de encontro a toda a lógica econômica e concorrencial que permeia as relações empresariais.”

 

Dispositivo

Ante o exposto, a 3ª Turma do STJ deu provimento ao recurso especial para afastar a condenação do SBT ao pagamento de indenização à Band com fundamento no art. 608 do Código Civil.

 

 


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