Dizer o Direito

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Os pais respondem solidariamente pelas mensalidades do colégio particular onde estuda o filho mesmo que o contrato com a instituição de ensino tenha sido firmado por uma terceira pessoa (ex: madrinha da criança)?

 

SITUAÇÃO 1:

Imagine a seguinte situação hipotética:

Lucas é filho de Renato e Cristina.

Cristina matriculou Lucas em uma escola particular e, para tanto, teve que assinar um contrato de prestação de serviços educacionais, comprometendo-se as pagar as mensalidades.

O ano terminou e Cristina ficou devendo o pagamento de 5 mensalidades.

A escola ingressou com execução de título executivo extrajudicial contra Cristina.

No curso da execução, não foram localizados bens penhoráveis da executada.

Diante disso, a escola (exequente) requereu que a execução fosse redirecionada contra Renato, o pai.

O juiz negou o pedido afirmando que o contrato não foi assinado por João, que nem sequer constava nesse instrumento.

 

O pedido formulado pela escola (exequente) pode ser acolhido pelo STJ?

A 3ª Turma do STJ já decidiu que sim. Confira:

A execução de título extrajudicial por inadimplemento de mensalidades escolares de filhos do casal pode ser redirecionada ao outro consorte, ainda que não esteja nominado nos instrumentos contratuais que deram origem à dívida.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.472.316-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 05/12/2017 (Info 618).

 

A 4ª Turma do STJ também entende que o cônjuge que não assinou o contrato pode ser cobrado pelas dívidas das mensalidades escolares. Contudo, é indispensável que esse cônjuge tenha sido citado no processo de conhecimento ou de execução:

(...) 1. No âmbito do poder familiar estão contidos poderes jurídicos de direção da criação e da educação, envolvendo pretensões e faculdades dos pais em relação a seus filhos, correspondentes a um encargo privado imposto pelo Estado, com previsão em nível constitucional e infraconstitucional.

2. As obrigações derivadas do poder familiar, contraídas nessa condição, quando casados os titulares, classificam-se como necessárias à economia doméstica, sendo, portanto, solidárias por força de lei e inafastáveis pela vontade das partes (art. 1644, do CC/2002).

3. Nos casos de execução de obrigações contraídas para manutenção da economia doméstica, para que haja responsabilização de ambos os cônjuges, o processo judicial de conhecimento ou execução deve ser instaurado em face dos dois, com a devida citação e formação de litisconsórcio necessário.

4. Nos termos do art. 10, § 1º, III, CPC/1973 (art. 73, § 1º, CPC/2015), se não houver a citação de um dos cônjuges, o processo será valido e eficaz para aquele que foi citado, e a execução não poderá recair sobre os bens que componham a meação ou os bens particulares do cônjuge não citado. (...)

STJ. 4ª Turma. REsp 1444511/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/02/2020.

 

SITUAÇÃO 2:

Imagine outra seguinte situação hipotética:

Tiago é filho de Roberto e Carla.

Silvana é amiga do casal há muitos anos, sendo a madrinha de Tiago. Ela resolveu ajudar a família e se afirmou que iria pagar os estudos do menino em uma escola particular.

Assim, Silvana matriculou Tiago em uma escola particular e, para tanto, teve que assinar um contrato de prestação de serviços educacionais, comprometendo-se as pagar as mensalidades. Logo, Silvana constou como responsável financeira no contrato de prestação de serviços escolares.

Ocorre que Silvana passou por dificuldades financeiras e ficou devendo o pagamento de 5 mensalidades.

Diante disso, a escola ingressou com execução de título executivo extrajudicial contra Silvana, Roberto e Carla. A exequente argumentou que os pais da criança possuem responsabilidade solidária e, portanto, também deverão pagar o débito.

 

O pedido formulado pela escola (exequente) pode ser acolhido? Os pais de Tiago possuem responsabilidade solidária, neste caso, pelo pagamento do débito?

NÃO.

 

Conforme vimos acima, no julgamento do REsp 1.472.316/SP (Min. Relator Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 05/12/2017, DJe de 18/12/2017), a Terceira Turma do STJ entendeu que:

“(...) os pais, detentores do poder familiar, têm o dever de garantir o sustento e a educação dos filhos, compreendendo, aí, a manutenção do infante em ensino regular, pelo que deverão, solidariamente, responder pelas mensalidades da escola em que matriculado o filho”.

 

Assim, o genitor ou a genitora, que não conste como responsável financeiro no contrato de prestação de serviços escolares firmado pelo outro cônjuge com a instituição de ensino da criança, detém legitimidade para figurar no polo passivo de ação de cobrança da dívida.

A responsabilidade solidária dos genitores, nos termos em que reconhecida nos julgados supramencionados, decorre da interpretação combinada de dispositivos do Código Civil, do Código de Processo Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Consoante interpretação dos arts. 1.643 e 1.644 do CC/2002 e art. 790, IV, do CPC/2015, o casal responde solidariamente pelas obrigações relativas à manutenção da economia doméstica, em proveito da entidade familiar, ainda que a dívida tenha sido contraída por apenas um dos cônjuges/companheiros, sendo possível, inclusive, requerer a excussão dos bens não só do legitimado ordinário, mas também do coobrigado, extraordinariamente legitimado, uma vez que o patrimônio deste se sujeita à solvência do débito utilizado para satisfazer as necessidades da entidade familiar.

Ainda, conforme previsão contida no art. 55 do ECA, “os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”.

Desse modo, sendo a obrigação relativa à manutenção dos filhos no ensino regular de ambos os genitores, tem-se que a dívida originada de contrato de prestação de serviços educacionais firmado em benefício da prole é comum ao casal, como resultado do poder familiar.

Nesse cenário, firmado o contrato de serviços educacionais por apenas um dos detentores do poder familiar, é indiferente que o outro não esteja nominado no instrumento para que seja possível o redirecionamento da execução da dívida. Isso significa que, constando do contrato apenas o nome da mãe, o pai também responde pela dívida inadimplida, e vice-versa. Isso, porque, como já mencionado, o poder familiar implica responsabilidade solidária de ambos os genitores em prover a educação dos filhos.

 

Situação concreta é diferente porque o contrato foi assinado por um terceiro

Ocorre que, na hipótese, tem-se circunstância excepcional, diferenciada. Trata-se de determinar se o inadimplemento das mensalidades escolares relativas a contrato de serviços escolares firmado por terceiro, estranho à entidade familiar, obriga os pais da criança ao pagamento do débito decorrente da contratação.

Segundo prevê o art. 265 do CC/2002, a solidariedade não pode ser presumida, resultando de previsão legal ou contratual. Assim, não havendo como se reconhecer a responsabilidade solidária decorrente do poder familiar (legal), a única maneira de se redirecionar a execução aos pais do aluno seria caso houvesse alguma anuência ou participação de qualquer dos pais no instrumento contratual firmado pela escola com a responsável financeira.

Logo, não se mostra possível a aplicação do raciocínio do REsp 1444511/SP para a presente situação, já que as circunstâncias fática e jurídica são distintas.

Consequentemente, inexistindo previsão legal e/ou convencional que respalde o reconhecimento da solidariedade entre os genitores do aluno e os contratantes dos serviços, não é possível, na hipótese, redirecionar a execução das mensalidades inadimplidas aos genitores, que não fizeram parte da avença.

 

 


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