SITUAÇÃO 1:
Imagine a seguinte situação hipotética:
Lucas é filho de Renato e Cristina.
Cristina matriculou Lucas em uma escola particular e, para
tanto, teve que assinar um contrato de prestação de serviços educacionais,
comprometendo-se as pagar as mensalidades.
O ano terminou e Cristina ficou devendo o pagamento de 5
mensalidades.
A escola ingressou com execução de título executivo
extrajudicial contra Cristina.
No curso da execução, não foram localizados bens penhoráveis
da executada.
Diante disso, a escola (exequente) requereu que a execução
fosse redirecionada contra Renato, o pai.
O juiz negou o pedido afirmando que o contrato não foi
assinado por João, que nem sequer constava nesse instrumento.
O pedido formulado pela escola (exequente) pode ser acolhido pelo STJ?
A 3ª Turma do STJ já decidiu que sim. Confira:
A execução de título extrajudicial por inadimplemento de
mensalidades escolares de filhos do casal pode ser redirecionada ao outro
consorte, ainda que não esteja nominado nos instrumentos contratuais que deram
origem à dívida.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.472.316-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
julgado em 05/12/2017 (Info 618).
A 4ª Turma do STJ também entende que o cônjuge que não assinou o
contrato pode ser cobrado pelas dívidas das mensalidades escolares. Contudo, é
indispensável que esse cônjuge tenha sido citado no processo de conhecimento ou
de execução:
(...) 1. No âmbito do poder familiar estão contidos poderes
jurídicos de direção da criação e da educação, envolvendo pretensões e
faculdades dos pais em relação a seus filhos, correspondentes a um encargo
privado imposto pelo Estado, com previsão em nível constitucional e
infraconstitucional.
2. As obrigações derivadas do poder familiar, contraídas nessa
condição, quando casados os titulares, classificam-se como necessárias à
economia doméstica, sendo, portanto, solidárias por força de lei e inafastáveis
pela vontade das partes (art. 1644, do CC/2002).
3. Nos casos de execução de obrigações contraídas para
manutenção da economia doméstica, para que haja responsabilização de ambos os
cônjuges, o processo judicial de conhecimento ou execução deve ser instaurado
em face dos dois, com a devida citação e formação de litisconsórcio necessário.
4. Nos termos do art. 10, § 1º, III, CPC/1973 (art. 73, § 1º,
CPC/2015), se não houver a citação de um dos cônjuges, o processo será valido e
eficaz para aquele que foi citado, e a execução não poderá recair sobre os bens
que componham a meação ou os bens particulares do cônjuge não citado. (...)
STJ. 4ª Turma. REsp 1444511/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
julgado em 11/02/2020.
SITUAÇÃO 2:
Imagine outra seguinte situação hipotética:
Tiago é filho de Roberto e Carla.
Silvana é amiga do casal há muitos anos, sendo a madrinha de
Tiago. Ela resolveu ajudar a família e se afirmou que iria pagar os estudos do
menino em uma escola particular.
Assim, Silvana matriculou Tiago em uma escola particular e,
para tanto, teve que assinar um contrato de prestação de serviços educacionais,
comprometendo-se as pagar as mensalidades. Logo, Silvana constou como responsável
financeira no contrato de prestação de serviços escolares.
Ocorre que Silvana passou por dificuldades financeiras e ficou
devendo o pagamento de 5 mensalidades.
Diante disso, a escola ingressou com execução de título
executivo extrajudicial contra Silvana, Roberto e Carla. A exequente argumentou
que os pais da criança possuem responsabilidade solidária e, portanto, também
deverão pagar o débito.
O pedido formulado pela escola (exequente) pode ser acolhido? Os pais
de Tiago possuem responsabilidade solidária, neste caso, pelo pagamento do
débito?
NÃO.
STJ. 4ª Turma. AREsp 571.709-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em
7/2/2023 (Info 763).
Conforme vimos acima, no julgamento do REsp 1.472.316/SP (Min.
Relator Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 05/12/2017, DJe de 18/12/2017),
a Terceira Turma do STJ entendeu que:
“(...) os pais, detentores do
poder familiar, têm o dever de garantir o sustento e a educação dos filhos,
compreendendo, aí, a manutenção do infante em ensino regular, pelo que deverão,
solidariamente, responder pelas mensalidades da escola em que matriculado o
filho”.
Assim, o genitor ou a genitora, que não conste como
responsável financeiro no contrato de prestação de serviços escolares firmado
pelo outro cônjuge com a instituição de ensino da criança, detém legitimidade
para figurar no polo passivo de ação de cobrança da dívida.
A responsabilidade solidária dos genitores, nos termos em
que reconhecida nos julgados supramencionados, decorre da interpretação
combinada de dispositivos do Código Civil, do Código de Processo Civil e do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Consoante interpretação dos arts. 1.643 e 1.644 do CC/2002 e
art. 790, IV, do CPC/2015, o casal responde solidariamente pelas obrigações
relativas à manutenção da economia doméstica, em proveito da entidade familiar,
ainda que a dívida tenha sido contraída por apenas um dos
cônjuges/companheiros, sendo possível, inclusive, requerer a excussão dos bens
não só do legitimado ordinário, mas também do coobrigado, extraordinariamente
legitimado, uma vez que o patrimônio deste se sujeita à solvência do débito
utilizado para satisfazer as necessidades da entidade familiar.
Ainda, conforme previsão contida no art. 55 do ECA, “os pais
ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede
regular de ensino”.
Desse modo, sendo a obrigação relativa à manutenção dos
filhos no ensino regular de ambos os genitores, tem-se que a dívida originada
de contrato de prestação de serviços educacionais firmado em benefício da prole
é comum ao casal, como resultado do poder familiar.
Nesse cenário, firmado o contrato de serviços educacionais
por apenas um dos detentores do poder familiar, é indiferente que o outro não
esteja nominado no instrumento para que seja possível o redirecionamento da
execução da dívida. Isso significa que, constando do contrato apenas o nome da
mãe, o pai também responde pela dívida inadimplida, e vice-versa. Isso, porque,
como já mencionado, o poder familiar implica responsabilidade solidária de
ambos os genitores em prover a educação dos filhos.
Situação concreta é diferente porque o contrato foi
assinado por um terceiro
Ocorre que, na hipótese, tem-se circunstância excepcional,
diferenciada. Trata-se de determinar se o inadimplemento das mensalidades escolares
relativas a contrato de serviços escolares firmado por terceiro, estranho à
entidade familiar, obriga os pais da criança ao pagamento do débito decorrente
da contratação.
Segundo prevê o art. 265 do CC/2002, a solidariedade não
pode ser presumida, resultando de previsão legal ou contratual. Assim, não
havendo como se reconhecer a responsabilidade solidária decorrente do poder
familiar (legal), a única maneira de se redirecionar a execução aos pais do
aluno seria caso houvesse alguma anuência ou participação de qualquer dos pais
no instrumento contratual firmado pela escola com a responsável financeira.
Logo, não se mostra possível a aplicação do raciocínio do REsp
1444511/SP para a presente situação, já que as circunstâncias fática e jurídica
são distintas.
Consequentemente, inexistindo previsão legal e/ou
convencional que respalde o reconhecimento da solidariedade entre os genitores
do aluno e os contratantes dos serviços, não é possível, na hipótese,
redirecionar a execução das mensalidades inadimplidas aos genitores, que não
fizeram parte da avença.