Dizer o Direito

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

O simples fechamento de filial de pessoa jurídica é suficiente para fundamentar a inclusão de sócio no polo passivo de execução fiscal?

 

Execução fiscal

Execução fiscal é a ação judicial proposta pela Fazenda Pública (União, Estados, DF, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações) para cobrar do devedor créditos (tributários ou não tributários) inscritos em dívida ativa.

A execução fiscal é regida pela Lei nº 6.830/80 (LEF) e, subsidiariamente, pelo CPC.

 

Redirecionamento

Quando a Fazenda Pública ajuíza uma execução fiscal contra a empresa e não consegue localizar bens penhoráveis, o CTN prevê a possibilidade de o Fisco REDIRECIONAR a execução incluindo no polo passivo como executadas algumas pessoas físicas que tenham relação com a empresa, desde que fique demonstrado que elas praticaram atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. É o que prevê o art. 135 do CTN:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

 

Assim, os sócios, como regra geral, não respondem pessoalmente (com seu patrimônio pessoal) pelas dívidas da sociedade empresária. Isso porque vigora o princípio da autonomia jurídica da pessoa jurídica em relação aos seus sócios. A pessoa jurídica possui personalidade e patrimônio autônomos, que não se confundem com a personalidade e patrimônio de seus sócios. No entanto, a autonomia patrimonial não é um direito absoluto. Desse modo, se o sócio praticou atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III), ele utilizou o instituto da personalidade jurídica de forma fraudulenta ou abusiva, podendo, portanto, ser responsabilizado pessoalmente pelos débitos.

Vale ressaltar, no entanto, que o simples fato de a pessoa jurídica estar em débito com o Fisco não autoriza que o sócio pague pela dívida com seu patrimônio pessoal. É necessário – repito – que ele tenha praticado atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III).

É a tese fixada no Tema 97:

A simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no art. 135 do CTN. É indispensável, para tanto, que tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.101.728/SP, Rel. Ministro Teori Zavascki, DJe de 23/03/2009 – Tema 97.

 

A fim de que não houvesse dúvidas quanto a isso, o STJ, em 24/03/2010, aprovou o seguinte enunciado:

Súmula 430-STJ: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.

 

A dissolução irregular da empresa caracteriza infração à lei

Uma das situações mais comuns em que ocorre o redirecionamento da execução fiscal é quando a empresa é dissolvida irregularmente. Se isso acontece, a jurisprudência entende que houve infração à lei (art. 135 do CTN), já que o procedimento para a extinção de sociedades empresárias é disciplinado em lei, devendo ser cumprida uma série de formalidades, de sorte que se essa dissolução ocorre de forma irregular, a legislação está sendo desrespeitada.

Assim, a dissolução irregular constitui, por si só, ato de infração à lei e autoriza o redirecionamento (para a cobrança da dívida ativa tributária e da não tributária).

 

Se a empresa deixa de funcionar no seu domicílio fiscal e não comunica aos órgãos competentes, presume-se que foi dissolvida irregularmente

Domicílio tributário (ou fiscal) é o lugar, cadastrado na repartição tributária, onde o sujeito passivo poderá ser encontrado pelo Fisco. Dessa feita, se a Administração Tributária tiver que enviar uma notificação fiscal para aquele contribuinte, deverá encaminhar para o endereço constante como seu domicílio fiscal.

As regras para a definição do domicílio tributário estão previstas no art. 127 do CTN.

Se a empresa deixa de funcionar no seu domicílio fiscal, presume-se que ela deixou de existir (foi dissolvida). E o pior: foi dissolvida de forma irregular, o que caracteriza infração à lei e permite o redirecionamento da execução.

Assim, por exemplo, em uma execução fiscal, caso não se consiga fazer a citação da empresa porque ela não mais está funcionando no endereço indicado como seu domicílio fiscal, será possível concluir que ela foi dissolvida irregularmente, ensejando o redirecionamento da execução, conforme entendimento sumulado do STJ:

Súmula 435-STJ: Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

 

Segundo explica o Min. Mauro Campbell Marques ao comentar a origem da súmula, “o sócio-gerente tem o dever de manter atualizados os registros empresariais e comerciais, em especial quanto à localização da empresa e a sua dissolução. Ocorre aí uma presunção da ocorrência de ilícito. Este ilícito é justamente a não obediência ao rito próprio para a dissolução empresarial (...)” (REsp 1.371.128-RS).

No mesmo sentido, veja a lição do Juiz Federal Mateus Pontalti:

“Como se observa do enunciado, se a pessoa jurídica não for encontrada no endereço que informou ao fisco como sendo o do local em que exerce suas atividades, há uma presunção de que ocorreu a sua dissolução irregular. Isso ocorre com frequência em execuções fiscais movidas pelas fazendas públicas. O Oficial de Justiça dirige-se até a sede do estabelecimento e não encontra a pessoa jurídica. Nesse caso, o fisco pode pedir o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios-gerentes ou administradores, utilizando-se como fundamento o artigo 135, inciso III, do CTN, e a Súmula 435 do STJ.” (PONTALTI, Mateus. Manual de Direito Tributário. 2ª ed., Salvador: Juspodivm, 2021, p. 361-362).

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

O Estado do Acre ajuizou execução fiscal contra a sociedade empresária Alfa.

O juiz determinou a citação da executada.

O oficial de justiça não conseguiu cumprir o mandado de citação no endereço indicado. Isso porque no local não mais funcionava a empresa Alfa.

Diante disso, o exequente pediu o redirecionamento da execução para os sócios da Alfa sob o argumento de que ficou caracterizada a extinção irregular da empresa executada, traduzida no encerramento das atividades sem a devida baixa perante a Junta Comercial.

O magistrado acolheu o pedido de redirecionamento e determinou a citação de João, Pedro e Tiago, sócios da empresa Alfa a fim de que figurem no polo passivo da execução fiscal.

João apresentou exceção de pré-executividade explicando que, no caso, trata-se de empresa com matriz em São Paulo (SP) e filial em Rio Branco (AC). Apesar da filial da empresa situada no Acre ter encerrado suas atividades no endereço apontado para o ato citatório, a matriz, localizada em São Paulo continua em plena atividade. Desse modo, não houve o encerramento das atividades empresárias de forma irregular, mas mero fechamento de filial, não podendo ser aplicado ao caso em tela a disposição da Súmula 435 do STJ, devendo prosseguir a execução em busca de bens em nome da empresa matriz.

 

Os argumentos de João foram acolhidos pelo STJ?

SIM.

Não se pode concluir que houve, no caso, dissolução irregular da pessoa jurídica.

A filial de uma empresa, apesar de possuir CNPJ próprio, não configura nova pessoa jurídica, razão pela qual as dívidas oriundas de relações jurídicas decorrentes de fatos geradores atribuídos a determinado estabelecimento constituem, em verdade, obrigação tributária da “sociedade empresária como um todo”.

Assim, os bens em nome das filiais estão sujeitos à penhora por dívidas tributárias da matriz e vice-versa.

Esse foi o entendimento fixado pelo STJ no Tema 614:

(...) 1. No âmbito do direito privado, cujos princípios gerais, à luz do art. 109 do CTN, são informadores para a definição dos institutos de direito tributário, a filial é uma espécie de estabelecimento empresarial, fazendo parte do acervo patrimonial de uma única pessoa jurídica, partilhando dos mesmos sócios, contrato social e firma ou denominação da matriz. Nessa condição, consiste, conforme doutrina majoritária, em uma universalidade de fato, não ostentando personalidade jurídica própria, não sendo sujeito de direitos, tampouco uma pessoa distinta da sociedade empresária. Cuida-se de um instrumento de que se utiliza o empresário ou sócio para exercer suas atividades.

2. A discriminação do patrimônio da empresa, mediante a criação de filiais, não afasta a unidade patrimonial da pessoa jurídica, que, na condição de devedora, deve responder com todo o ativo do patrimônio social por suas dívidas (...)

(...)

4. A obrigação de que cada estabelecimento se inscreva com número próprio no CNPJ tem especial relevância para a atividade fiscalizatória da administração tributária, não afastando a unidade patrimonial da empresa, cabendo ressaltar que a inscrição da filial no CNPJ é derivada do CNPJ da matriz.

5. Nessa toada, limitar a satisfação do crédito público, notadamente do crédito tributário, a somente o patrimônio do estabelecimento que participou da situação caracterizada como fato gerador é adotar interpretação absurda e odiosa. (...)

STJ. 1ª Seção. REsp 1355812/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 22/05/2013 (Recurso Repetitivo – Tema 614).

 

Desse modo, conforme entendimento do STJ, a obrigação tributária é da sociedade empresária como um todo, composta por suas matrizes e filiais. Logo, se apenas a filial fechou, mas a matriz continua funcionando regularmente, não se pode dizer que houve dissolução irregular da sociedade empresária.

Não tendo havido dissolução irregular pelo simples fechamento de um de seus estabelecimentos, não se afigura possível incluir, no caso concreto, o sócio no polo passivo da execução fiscal.

 

Em suma:

O simples fechamento de filial de pessoa jurídica não basta para fundamentar a inclusão de sócio no polo passivo de execução fiscal.

STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.925.113-AC, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 28/11/2022 (Info Especial 8).

 

 

 

 

 


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