Dizer o Direito

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Mesmo que a audiência seja realizada por videoconferência, ainda assim o réu pode ser impedido de assistir às oitivas da vítima e da testemunha se a sua presença estiver causando temor ou constrangimento às pessoas que serão ouvidas

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi denunciado pela prática dos delitos de lesão corporal e ameaça contra a vítima Regina.

O Ministério Público informou ao juiz que a testemunha e a vítima manifestaram receio de serem ouvidas na presença do réu.

Diante disso, o juiz autorizou que os depoimentos da testemunha e da vítima fossem feitos por meio de videoconferência, nos termos do art. 217 do CPP:

Art. 217.  Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.

 

Assim, a testemunha e a vítima ficaram em uma sala separada, prestando o depoimento por videoconferência, e o Juiz, o Promotor de Justiça e o Advogado permaneceram na sala de audiências vendo e ouvindo os depoimentos por videoconferência.

O juiz determinou que o réu saísse da sala de audiências e não acompanhasse os depoimentos, mesmo neste caso em que a testemunha e a vítima não estavam presencialmente na sala.

Desse modo, da parte da defesa, somente o advogado do réu foi autorizado a acompanhar os depoimentos.

João foi condenado.

O réu recorreu alegando a nulidade da audiência de instrução, sob fundamento de que a proibição de que o réu ficasse na sala violou o seu direito à autodefesa.

A defesa argumentou que a audiência foi realizada por meio de videoconferência, razão pela qual não havia motivo para retirar o réu da sala, o que prejudicou seu direito de autodefesa.

Para a defesa, o art. 217 do CPP traz duas hipóteses distintas:

1) o juiz autoriza a inquirição por videoconferência (neste caso, o réu pode acompanhar o ato já que eles estão em salas distintas); ou

2) se não for possível a inquirição por videoconferência, a inquirição será presencial, mas o réu não poderá estar na sala de audiência.

 

O Tribunal de Justiça manteve a sentença e o réu interpôs recurso especial insistindo na tese.

 

O STJ acolheu os argumentos da defesa? Houve nulidade neste caso?

NÃO.

Pela interpretação literal do art. 217 do CPP, aparentemente o réu não poderia ser impedido de visualizar os depoimentos já que a audiência foi realizada por videoconferência. No entanto, para o STJ, esta não é a melhor interpretação da lei. Isso porque, além de se garantir a máxima fidedignidade na produção da prova, o objetivo da norma é no sentido de preservar a dignidade e a intimidade da vítima e testemunha, o que não estaria resguardado caso se permitisse ao réu presenciar o depoimento, ainda que à distância.

Ademais, o contraditório e a ampla defesa do réu permanecem resguardados pela indispensável presença da defesa técnica no ato processual, afastando-se qualquer prejuízo ao direito de defesa.

No caso concreto, embora a audiência tenha sido realizada por meio de videoconferência, ainda assim a vítima e uma das testemunhas mostraram-se atemorizadas, o que justificou a medida tomada pelo magistrado, valendo-se ressaltar que o ato foi acompanhado pelo patrono do acusado.

Vale ressaltar que essa intepretação teleológica em detrimento da literal já era defendida na doutrina por Renato Brasileiro:

“Da leitura do art. 217 do CPP fica a impressão de que, sendo a audiência realizada por videoconferência, estaria o acusado autorizado a assisti-la, ou seja, a retirada do acusado da sala de audiência seria permitida apenas quando da realização da audiência na forma comum, leia-se, com a presença de todos. Não parece ser este o objetivo do dispositivo. Na verdade, seja por meio da videoconferência, seja pessoalmente, não se deve permitir, em hipótese alguma, que a pessoa constrangida seja identificada pelo acusado. É bem verdade que a testemunha ou o ofendido terão contato com os defensores do acusado, mas estes, sob compromisso de seu grau, certamente não irão desvendar-lhe a identidade.” (Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 774).

 

É também a posição sustentada por Nucci:

“Videoconferência: abriu-se a hipótese de retirar o acusado da sala, colocando-o em outro local, de onde pudesse acompanhar os trabalhos por meio de videoconferência. Ou mesmo deixar o acusado na sala e a testemunha prestar o seu depoimento de outro lugar, por videoconferência. Há dois pontos a considerar: a) na maior parte das Comarcas brasileiras não há o sistema de videoconferência disponível, de modo que o usual será a retirada do réu da sala de audiências; b) havendo o sistema apropriado, será que a testemunha (ou vítima) atemorizada, sabendo que o réu a assiste de outro local, dará o depoimento imparcial aguardado? Parece-nos que não (deixamos de ponderar a hipótese de mentir à testemunha ou vítima, ocultando que o acusado estará assistindo). Por isso, a previsão de que se utilizará videoconferência pode ter sido em vão. O mais importante, por certo, é garantir que o depoente fale sem constrangimento e sem prejudicar a ampla defesa. Para tanto, estará presente, no recinto, o defensor do réu.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 516).

 

Em suma:

 

 

 

 

 


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