segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023
É possível dizer que o “devedor solidário” de um contrato de locação se equipara ao fiador e, portanto, o seu bem de família pode ser penhorado em razão de dívidas decorrentes desse ajuste?
Imagine a seguinte situação hipotética:
A empresa usou
o espaço locado no Shopping para o funcionamento de uma loja de roupas.
João,
sócio da Mixx, também figurou no contrato, como pessoa física, na condição de
“devedor solidário”.
Após meses
de dificuldade financeira e sem pagar aluguéis, a locatária Mixx encerrou as
suas atividades e devolveu o espaço para a administração do Shopping.
Como não
conseguiu receber os aluguéis atrasados, a administradora do Shopping ingressou
com execução de título extrajudicial contra a pessoa jurídica e João.
Não se
conseguiu encontrar nenhum bem penhorável da empresa. Em razão disso, a
exequente pediu a penhora do apartamento de João, onde ele mora.
A exequente
argumentou que, mesmo sendo bem de família, a penhora seria possível com base
no inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009/90:
Art.
3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil,
fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
VII
- por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Primeira
pergunta: esse inciso VII do art. 3º é constitucional? Ele é aplicado pelo STF
e STJ?
SIM. O STF
decidiu que o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 é constitucional, não violando o
direito à moradia (art. 6º da CF/88) nem qualquer outro dispositivo da CF/88.
Nesse sentido:
É constitucional a
penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja
residencial, seja comercial.
STF. Plenário. RE
1.307.334/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 8/3/2022 (Repercussão
Geral – Tema 1127) (Info 1046).
O STJ
possui um enunciado sobre o tema:
Súmula 549-STJ: É
válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.
Isso
significa que será possível a penhora do apartamento de João, mesmo sendo bem
de família? A situação narrada acima se enquadra no inciso VII do art. 3º da
Lei nº 8.009/90?
NÃO. Isso porque João não figurou no contrato na condição de “fiador”,
mas sim como “devedor solidário”.
Ora, mas
não é o mesmo? Não seria possível fazer uma interpretação extensiva da exceção prevista
no inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009/90, a fim de equiparar o devedor
solidário ao fiador em contrato de locação?
NÃO.
As hipóteses
permissivas da penhora do bem de família devem receber interpretação
restritiva, não havendo possibilidade de incidência da exceção à
impenhorabilidade do bem de família do fiador ao devedor solidário.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp
2.118.730-PR, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 14/11/2022 (Info 763).
O escopo (objetivo)
da Lei nº 8.009/90 não é proteger o devedor contra suas dívidas, mas sim a
entidade familiar no seu conceito mais amplo, razão pela qual as hipóteses
permissivas da penhora do bem de família, em virtude do seu caráter
excepcional, devem receber interpretação restritiva.
Nesse sentido:
A impenhorabilidade do
bem de família decorre dos direitos fundamentais à dignidade da pessoa humana e
à moradia, de forma que as exceções previstas na legislação não comportam
interpretação extensiva.
STJ. 3ª Turma. REsp
1.604.422/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2021.
Logo, não é
possível equiparar o devedor solidário ao fiador para, mediante essa
interpretação extensiva, permitir a penhora do bem de família.
A posição jurídica
de devedor solidário não se confunde com a figura do fiador de contrato de
locação, não podendo receber o mesmo tratamento jurídico, notadamente para a
incidência de norma restritiva de direitos.