Dizer o Direito

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Cabe multa diária para forçar o cumprimento de uma obrigação de pagar quantia?

 

Astreintes

A multa cominatória, também conhecida como astreinte, é prevista no art. 537 do CPC/2015:

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

 

Assim, a multa coercitiva pode ser aplicada pelo magistrado como uma forma de pressionar o devedor a cumprir:

• uma decisão interlocutória que concedeu tutela provisória; ou

• uma sentença que julgou procedente o pedido do autor.

 

Ex: em uma ação envolvendo contrato empresarial, o juiz determinou que a empresa “XX” entregasse para a empresa “YY” 8 mil sacas de soja em determinado prazo, sob pena de multa diária de R$ 16 mil. Essa multa é chamada de astreinte.

 

Principais características da multa cominatória (astreinte)

• Essa multa coercitiva tornou-se conhecida no Brasil pelo nome de astreinte em virtude de ser semelhante (mas não idêntica) a um instituto processual previsto no direito francês e que lá assim é chamado.

• A finalidade dessa multa é coercitiva, isto é, pressionar o devedor a realizar a prestação. Trata-se de uma técnica judicial de coerção indireta.

• Apresenta um caráter híbrido, possuindo traços de direito material e também de direito processual.

• Não tem finalidade ressarcitória, tanto é que pode ser cumulada com perdas e danos.

• Pode ser imposta pelo juiz de ofício ou a requerimento, na fase de conhecimento ou de execução.

• Apesar de no dia a dia ser comum ouvirmos a expressão “multa diária”, essa multa pode ser estipulada também em meses, anos ou até em horas. O CPC/2015, corrigindo essa questão, não fala mais em “multa diária”, utilizando simplesmente a palavra “multa”.

• O valor da multa deve ser revertido em favor do credor, ou seja, o destinatário das astreintes é a pessoa que seria beneficiada com a conduta que deveria ter sido cumprida (STJ REsp 949.509-RS / art. 537, § 2º do CPC 2015). Geralmente, as astreintes foram impostas para que o réu cumprisse determinada conduta, de forma que a multa será revertida em favor do autor. No entanto, é possível imaginar alguma situação na qual, durante o processo, o juiz imponha uma obrigação ao autor sob pena de multa. Neste caso, o beneficiário das astreintes seria o réu.

• A parte beneficiada com a imposição das astreintes somente continuará tendo direito ao valor da multa se sagrar-se vencedora. Se no final do processo essa parte sucumbir, não terá direito ao valor da multa ou, se já tiver recebido, deverá proceder à sua devolução.

• É perfeitamente possível ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, fixar multa diária cominatória (astreintes) contra a Fazenda Pública, em caso de descumprimento de obrigação de fazer (STJ. 2ª Turma. REsp 1654994/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 06/04/2017).

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

“X” ajuizou ação contra “Z” pedindo de R$ 100 mil.

O juiz concedeu a tutela provisória de urgência determinando o pagamento da quantia, mesmo antes da sentença.

Ocorre que o magistrado determinou o pagamento da quantia, em 5 dias, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.

 

Isso é possível? É cabível a imposição das astreintes para forçar o cumprimento de uma obrigação de pagar quantia?

NÃO.

A fixação da multa diária (rectius: multa cominatória) só tem espaço no plano das obrigações de fazer e de não fazer, sendo vedada sua utilização no campo das obrigações de pagar.

Nesse sentido:

Nas obrigações de pagar quantia certa, é descabida a fixação de multa diária como forma de compelir a parte devedora ao cumprimento da prestação que lhe foi imposta.

STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1.441.336/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/8/2019.

 

As astreintes constituem medida de execução indireta e são impostas para a efetivação da tutela específica perseguida ou para a obtenção de resultado prático equivalente nas ações de obrigação de fazer ou não fazer.

Logo, tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, é inaplicável a imposição de multa para coagir o devedor ao seu cumprimento, devendo o credor valer-se de outros procedimentos para receber o que entende devido.

STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1.324.029/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/6/2016.

 

A obrigação de pagar quantia certa, ainda que objeto de tutela antecipada, não se sujeita à aplicação de multa cominatória com o fim de impor seu cumprimento.

STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 401.426/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 15/3/2016.

 

 

 

 


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