Imagine a seguinte situação hipotética:
João ajuizou ação contra Pedro, tendo o pedido sido julgado
improcedente.
O autor interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça manteve
a sentença.
Ainda inconformado, em fevereiro de 2021, João interpôs
recurso especial contra o acórdão do TJ.
Como se sabe, o recurso especial é interposto no Tribunal de
origem, ou seja, no juízo a quo (recorrido) e não diretamente
no juízo ad quem (STJ). Isso está previsto no art. 1.029 do
CPC:
Art. 1.029. O recurso
extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição
Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do
tribunal recorrido, em petições distintas que conterão:
(...)
A parte recorrida (em nosso exemplo, Pedro) será intimada
para apresentar suas contrarrazões.
Após, o Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal (isso vai
depender do regimento interno), em decisão monocrática, irá fazer um juízo de
admissibilidade do recurso especial:
Se o juízo de admissibilidade
for POSITIVO |
Se o juízo de admissibilidade
for NEGATIVO |
Significa
que o Presidente (ou Vice) do Tribunal entendeu que os pressupostos do REsp
estavam preenchidos e, então, remeterá o recurso para o STJ. |
Significa
que o Presidente (ou Vice) do Tribunal entendeu que algum pressuposto do REsp
não estava presente e, então, não admitirá o recurso. |
Contra
esta decisão, não cabe recurso, considerando que o STJ ainda irá examinar
novamente esta admissibilidade. |
Contra
esta decisão, a parte prejudicada poderá interpor recurso, como é o caso do
agravo em recurso especial (art. 1.042 do CPC). |
Voltando ao nosso caso concreto:
O Vice-Presidente do TJ inadmitiu o recurso especial
interposto.
Ainda inconformado, João ingressou com agravo em recurso
especial:
Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão
do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso
extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de
entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de
recursos repetitivos.
O prazo para interpor agravo em recurso especial (AREsp) é
de 15 dias úteis.
João interpôs o agravo em recurso especial no último dia do
prazo.
Na conferência para verificar se João interpôs o recurso
dentro do prazo, o Ministro do STJ considerou que João perdeu o prazo. Isso
porque no período entre a intimação da decisão do Vice-Presidente do TJ e a
interposição do agravo em recurso especial, um dos dias foi segunda-feira de
carnaval.
Segunda-feira de carnaval não é um feriado nacional. No
entanto, em diversos Estados, trata-se de feriado local. No Estado onde
tramitava o processo de João, segunda-feira de carnaval é feriado estadual (ou
seja, dia não útil).
Assim, o Ministro do STJ que estava conferindo a
tempestividade não desconsiderou esse dia e considerou que João perdeu o prazo
e que interpôs o AREsp no 16º dia útil.
No entanto, conforme expliquei, um desses dias era feriado
local (segunda-feira de carnaval) e, dessa forma, esse dia poderia ter
sido excluído da contagem do prazo (desde que comprovado o feriado). Isso
significa que João interpôs o recurso no 15º dia útil e, portanto, o AREsp seria
tempestivo (se comprovado o feriado).
João, ao apresentar o AREsp, tem o ônus de explicar e
comprovar que, na instância de origem, era feriado local ou dia sem expediente
forense? Em outras palavras, em fevereiro de 2021, quando João interpôs o AREsp,
ele tinha que ter comprovado que houve um feriado local (segunda-feira de
carnaval) e que, portanto, o recurso era tempestivo?
SIM.
O CPC/2015 trouxe expressamente um dispositivo dizendo que a
comprovação do feriado local deverá ser feita, obrigatoriamente, no ato de
interposição do recurso. Veja:
Art. 1.003 (...)
§ 6º O recorrente comprovará a
ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso.
Voltando ao caso concreto:
O Ministro do STJ, monocraticamente, inadmitiu o agravo em recurso
especial afirmando que ele foi intempestivo.
João interpôs agravo interno contra a decisão monocrática do
Ministro, recurso que é endereçado e julgado por uma das Turmas do STJ.
No agravo interno João o próprio STJ, por intermédio da
Portaria nº XXX, de 2020, suspendeu os prazos processuais no âmbito do STJ na
segunda-feira de carnaval. Portanto, tendo havido a suspensão de prazo
processual pelo próprio STJ, ele (João) não precisava ter comprovado o feriado
local da segunda-feira de carnaval.
Repetindo o argumento de João com outras palavras:
- o recurso que eu interpus não foi conhecido por
intempestividade já que eu não comprovei um feriado local;
- ok, eu não comprovei mesmo;
- no entanto, isso não importa porque nesse dia
(segunda-feira de carnaval), não houve expediente forense no STJ;
- eu não preciso comprovar o dia em que não há expediente
forense no STJ (só preciso comprovar feriado local).
Os argumentos de João foram aceitos pelo STJ?
NÃO. Isso porque se o que está sendo analisado é a
tempestividade do recurso especial ou do agravo em recurso especial, não
importa o calendário do STJ (se houve expediente, ou não no Tribunal Superior).
O que interessa é o calendário da Corte de origem (no caso, do TJ).
O prazo dos recursos interpostos perante a instância de
origem, ainda que estejam endereçados para este Tribunal Superior, obedecem ao
calendário de funcionamento do Tribunal a quo, sendo irrelevante para a
verificação da tempestividade do recurso a existência de recesso forense no STJ.
A ausência de expediente forense no Tribunal de Justiça (ex:
segunda-feira de carnaval) deve ser comprovada por documento idôneo, pois não
se presume como algo público e notório em âmbito nacional. Não basta, portanto,
a simples alegação.
Ainda que nesse mesmo dia do feriado local não seja dia útil
no STJ, isso não interessa porque o recesso forense do STJ é irrelevante à
verificação da tempestividade do recurso especial, que deve ser interposto na
instância de origem.
Em suma:
A tempestividade do recurso especial e do respectivo
agravo em recurso especial deve ser aferida de acordo com os prazos em curso na
Corte de origem.
STJ. 2ª
Turma. AgInt no AREsp 2.118.653-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em
28/11/2022 (Info Especial 8).