sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023
A superveniente aposentadoria da autoridade detentora do foro por prerrogativa de função cessa a competência do STJ para o processamento e julgamento do feito
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João, Desembargador do Tribunal de
Justiça da Bahia, estava sendo investigado em um inquérito policial supervisionado
pelo Superior Tribunal de Justiça.
Por que a investigação estava sob a
supervisão do STJ?
Porque compete ao STJ julgar crimes cometidos por
Desembargadores, nos termos do art. 105, I, “a”, da CF/88:
Art. 105. Compete ao Superior
Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar,
originariamente:
a) nos crimes comuns, os
Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de
responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do
Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito
Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais
Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos
Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;
(...)
A fase investigativa de crimes imputados a autoridades com
prerrogativa de foro ocorre sob a supervisão do Tribunal respectivo, o qual
deve ser desempenhada durante toda a tramitação das investigações desde a
abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento da
denúncia.
STJ. 5ª Turma. HC
481.107/MT, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 9/12/2020.
(...) Trata-se de denúncia apresentada pelo Ministério Público
Federal como resultado parcial das investigações que deram origem à OPERAÇÃO
FAROESTE e que se desenvolvem sob a supervisão desta Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiça, tendo revelado a existência de uma organização criminosa
formada por desembargadores, magistrados, servidores, advogados e particulares,
com atuação no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, voltada à negociação
sistemática de decisões judiciais e administrativas, à grilagem de terras e à
obtenção e lavagem de vultosas quantias pagas por produtores rurais, ameaçados
de perderem a posse de suas terras, sobretudo na região conhecida como
Coaceral, no oeste baiano. (...)
STJ. Corte Especial. APn 940/DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado
em 6/5/2020.
Voltando ao caso concreto:
Durante o curso do inquérito, João
completou 75 anos e, portanto, foi aposentado compulsoriamente em razão do
implemento da idade máxima.
A defesa de João requereu o declínio
da competência para o processamento e julgamento do Inquérito para a Justiça
Estadual da Bahia, em 1ª instância.
O pedido foi acolhido?
SIM.
Conforme entendimento consolidado na
jurisprudência do STF:
O foro especial por prerrogativa de função não se estende a
magistrados aposentados.
Desse modo, após se aposentar, o magistrado (seja ele juiz,
Desembargador, Ministro) perde o direito ao foro por prerrogativa de função,
mesmo que o fato delituoso tenha ocorrido quando ele ainda era magistrado. Logo,
deverá ser julgado pela 1ª instância.
STF. Plenário. RE 549560/CE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
julgado em 22/3/2012 (Info 659)
A superveniente aposentadoria compulsória
de João fez cessar a prerrogativa de foro que a autoridade gozava enquanto
ocupava o cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.
Nesse cenário, a competência do STJ para
o processo e julgamento do inquérito, prevista no art. 105, I, “a”, da CF/88,
não mais subsiste, impondo o deslocamento do feito para a Justiça Estadual da
Bahia.
Mais recentemente, no julgamento de ADI
6.513, a questão foi novamente objeto de apreciação, tendo o STF reiterado o
entendimento no sentido de que a aposentadoria do detentor de foro faz cessar a
regra excepcional de competência por prerrogativa de função, transferindo-a
para processamento e julgamento ao primeiro grau de jurisdição:
(...) O Plenário deste Tribunal consolidou o entendimento de que
a aposentadoria do magistrado faz cessar a regra excepcional do foro por
prerrogativa de função, transferindo a competência para processamento e
julgamento de eventual ilícito penal para o primeiro grau de jurisdição (...)
STF. Plenário. ADI 6513, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em
21/12/2020.
Assim, no caso, diante da
superveniente aposentadoria compulsória da autoridade detentora do foro por
prerrogativa de função, cessa a competência do STJ para o processamento e
julgamento do feito.
Em suma:
STJ. Corte
Especial. Inq 1.420/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 7/12/2022 (Info
762).