Imagine a seguinte situação
hipotética:
Regina requereu administrativamente,
do INSS, o benefício de pensão por morte em razão do falecimento de seu marido João.
O INSS indeferiu o pedido sob o argumento
de que João havia perdido a qualidade de segurado porque estava há mais
de 24 meses sem trabalhar e, portanto, sem contribuir para a previdência
social.
Inconformada, Regina ajuizou ação, na
Justiça Federal, contra o INSS argumentando que seu marido, pouco antes do
óbito, trabalhou como pedreiro em uma empresa. Para comprovar isso que estava
sendo alegado, ela juntou cópia de acordo trabalhista firmado entre João e a
empresa, devidamente homologado pelo juiz (sentença trabalhista homologatória
de acordo).
O pedido de Regina deverá ser obrigatoriamente
acolhido já que existe essa sentença trabalhista? A sentença trabalhista
homologatória de acordo deve ser considerada, por si só, como início válido de
prova para comprovar o tempo de contribuição para fins previdenciários?
NÃO.
A resposta para essa pergunta se encontra no § 3º do art. 55
da Lei nº 8.213/91:
Art. 55 (...)
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins
desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial,
observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de
prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova
exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou
caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº
13.846, de 2019)
Com base nesse dispositivo, a
jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que:
A sentença trabalhista somente será admitida como início de
prova material caso ela tenha sido fundada em outros elementos de prova que
evidenciem o labor exercido na função e no período alegado pelo segurado.
STJ. 1ª Turma. AgInt no
AREsp 1.078.726/PE Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 01/10/2020.
Assim, se, no processo
trabalhista não houve instrução probatória, com início de prova material, e não
houve exame do mérito da demanda no qual o juiz tenha reconhecido que houve exercício
da atividade laboral, apontando o trabalho desempenhado, no período
correspondente etc., não se pode considerar exista início válido de prova
material apto à comprovação de tempo de serviço, na forma do art. 55, § 3º, da
Lei nº 8.213/91.
Nesse sentido:
(...) 1. Conforme a jurisprudência desta Corte Superior de
Justiça, a sentença trabalhista somente será admitida como início de prova
material do vínculo laboral caso ela tenha sido fundada em outros elementos de
prova que evidenciem o exercício da atividade laborativa durante o período que
se pretende ter reconhecido na ação previdenciária.
2. No caso dos autos, o Tribunal a quo reconheceu a qualidade de
segurado do de cujus amparando-se, unicamente, em sentença proferida em
reclamação trabalhista que, diante da revelia do empregador, reconhecera o
vínculo de emprego entre o falecido e a empresa, que teria perdurado de
19/08/2002 a 17/01/2004. (...)
STJ. 1ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 1.917.056/SP, Rel. Min.
Manoel Erhardt (Desembargador Federal convocado do TRF/5ª Região), DJe de
25/05/2022.
A sentença homologatória de acordo trabalhista é admitida como
início de prova material para fins previdenciários, mesmo que o INSS não tenha
participado da lide laboral, desde que contenha elementos que evidenciem o
período trabalhado e a função exercida pelo trabalhador, o que não ocorreu no
caso dos autos.
STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 529.963/RS, Rel. Min. Benedito
Gonçalves, DJe de 28/02/2019.
(...) 1. A jurisprudência desta Corte está firmada no sentido de
que a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material,
desde que prolatada com base em elementos probatórios capazes de demonstrar o
exercício da atividade laborativa, durante o período que se pretende ter
reconhecido na ação previdenciária.
2. Na espécie, ao que se tem dos autos, a sentença trabalhista
está fundada apenas nos depoimentos das partes, motivo pelo qual não se revela
possível a sua consideração como início de prova material para fins de
reconhecimento da qualidade de segurado do instituidor do benefício e, por
conseguinte, como direito
da parte autora à pensão por morte.
STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1.405.520/SP, Rel. Min. Sérgio
Kukina, DJe de 12/11/2019.
Mutatis mutandis, foi o
raciocínio que inspirou a súmula 149 do STJ:
Súmula 149-STJ: A prova exclusivamente testemunhal não basta a
comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício
previdenciário.
O art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91
- que estabelece norma especial, com regramento específico para a prova do
tempo de serviço no RGPS - teve a sua constitucionalidade reconhecida pelo STF:
A teor do disposto no § 3º do artigo 55 da Lei nº 8.213/91, o tempo
de serviço há de ser relevado mediante início de prova documental, não sendo
admitida, exceto ante motivo de força maior ou caso fortuito, a exclusivamente
testemunhal. Decisão em tal sentido não vulnera os preceitos do artigo 5º,
incisos LV e LVI, 6º e 7º, inciso XXIV, da Constituição Federal.
STF. 2ª Turma. RE
226.772-4/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 06/10/2000.
A jurisprudência do STJ, embora
não exija que o documento apresentado como início de prova material abranja
todo o lapso controvertido, considera indispensável a sua contemporaneidade com os fatos alegados,
devendo, assim, corresponder, pelo menos, a uma fração do período alegado,
corroborado por idônea e robusta prova testemunhal, que amplie sua eficácia
probatória.
Veja como o tema foi recentemente cobrado:
ý
(Juiz Federal TRF3 2022) A comprovação do tempo de labor rural exige a
apresentação de início de prova material, o que, segundo a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça e da TNU, não se confunde com prova plena. Além
disso, diante das dificuldades do trabalhador rural de obtenção de prova
escrita, não há exigência de que o documento apresentado como início de prova
material seja contemporâneo aos fatos alegados ou que abranja todo o período
que se quer comprovar. (errado)
Em regra, a sentença trabalhista
homologatória de acordo não é, por si só, contemporânea dos fatos que provariam
o tempo de serviço, referindo-se ela a fatos pretéritos, anteriores à sua
prolação, e, nessa medida, não atende ao art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, que
exige início de prova material contemporânea dos fatos, e não posterior a eles.
Em suma:
A sentença trabalhista homologatória de acordo
somente será considerada início válido de prova material, para os fins do art.
55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, quando fundada em elementos probatórios
contemporâneos dos fatos alegados, aptos a evidenciar o exercício da atividade
laboral, o trabalho desempenhado e o respectivo período que se pretende ter
reconhecido, em ação previdenciária.
STJ. 1ª Seção.
PUIL 293-PR, Rel. Min. Og Fernandes, Rel. para acórdão Min. Assusete Magalhães,
julgado em 14/12/2022 (Info 762).