Dizer o Direito

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Os pais respondem solidariamente pelas mensalidades do colégio particular onde estuda o filho mesmo que o contrato com a instituição de ensino tenha sido firmado por uma terceira pessoa (ex: madrinha da criança)?

 

SITUAÇÃO 1:

Imagine a seguinte situação hipotética:

Lucas é filho de Renato e Cristina.

Cristina matriculou Lucas em uma escola particular e, para tanto, teve que assinar um contrato de prestação de serviços educacionais, comprometendo-se as pagar as mensalidades.

O ano terminou e Cristina ficou devendo o pagamento de 5 mensalidades.

A escola ingressou com execução de título executivo extrajudicial contra Cristina.

No curso da execução, não foram localizados bens penhoráveis da executada.

Diante disso, a escola (exequente) requereu que a execução fosse redirecionada contra Renato, o pai.

O juiz negou o pedido afirmando que o contrato não foi assinado por João, que nem sequer constava nesse instrumento.

 

O pedido formulado pela escola (exequente) pode ser acolhido pelo STJ?

A 3ª Turma do STJ já decidiu que sim. Confira:

A execução de título extrajudicial por inadimplemento de mensalidades escolares de filhos do casal pode ser redirecionada ao outro consorte, ainda que não esteja nominado nos instrumentos contratuais que deram origem à dívida.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.472.316-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 05/12/2017 (Info 618).

 

A 4ª Turma do STJ também entende que o cônjuge que não assinou o contrato pode ser cobrado pelas dívidas das mensalidades escolares. Contudo, é indispensável que esse cônjuge tenha sido citado no processo de conhecimento ou de execução:

(...) 1. No âmbito do poder familiar estão contidos poderes jurídicos de direção da criação e da educação, envolvendo pretensões e faculdades dos pais em relação a seus filhos, correspondentes a um encargo privado imposto pelo Estado, com previsão em nível constitucional e infraconstitucional.

2. As obrigações derivadas do poder familiar, contraídas nessa condição, quando casados os titulares, classificam-se como necessárias à economia doméstica, sendo, portanto, solidárias por força de lei e inafastáveis pela vontade das partes (art. 1644, do CC/2002).

3. Nos casos de execução de obrigações contraídas para manutenção da economia doméstica, para que haja responsabilização de ambos os cônjuges, o processo judicial de conhecimento ou execução deve ser instaurado em face dos dois, com a devida citação e formação de litisconsórcio necessário.

4. Nos termos do art. 10, § 1º, III, CPC/1973 (art. 73, § 1º, CPC/2015), se não houver a citação de um dos cônjuges, o processo será valido e eficaz para aquele que foi citado, e a execução não poderá recair sobre os bens que componham a meação ou os bens particulares do cônjuge não citado. (...)

STJ. 4ª Turma. REsp 1444511/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/02/2020.

 

SITUAÇÃO 2:

Imagine outra seguinte situação hipotética:

Tiago é filho de Roberto e Carla.

Silvana é amiga do casal há muitos anos, sendo a madrinha de Tiago. Ela resolveu ajudar a família e se afirmou que iria pagar os estudos do menino em uma escola particular.

Assim, Silvana matriculou Tiago em uma escola particular e, para tanto, teve que assinar um contrato de prestação de serviços educacionais, comprometendo-se as pagar as mensalidades. Logo, Silvana constou como responsável financeira no contrato de prestação de serviços escolares.

Ocorre que Silvana passou por dificuldades financeiras e ficou devendo o pagamento de 5 mensalidades.

Diante disso, a escola ingressou com execução de título executivo extrajudicial contra Silvana, Roberto e Carla. A exequente argumentou que os pais da criança possuem responsabilidade solidária e, portanto, também deverão pagar o débito.

 

O pedido formulado pela escola (exequente) pode ser acolhido? Os pais de Tiago possuem responsabilidade solidária, neste caso, pelo pagamento do débito?

NÃO.

 

Conforme vimos acima, no julgamento do REsp 1.472.316/SP (Min. Relator Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 05/12/2017, DJe de 18/12/2017), a Terceira Turma do STJ entendeu que:

“(...) os pais, detentores do poder familiar, têm o dever de garantir o sustento e a educação dos filhos, compreendendo, aí, a manutenção do infante em ensino regular, pelo que deverão, solidariamente, responder pelas mensalidades da escola em que matriculado o filho”.

 

Assim, o genitor ou a genitora, que não conste como responsável financeiro no contrato de prestação de serviços escolares firmado pelo outro cônjuge com a instituição de ensino da criança, detém legitimidade para figurar no polo passivo de ação de cobrança da dívida.

A responsabilidade solidária dos genitores, nos termos em que reconhecida nos julgados supramencionados, decorre da interpretação combinada de dispositivos do Código Civil, do Código de Processo Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Consoante interpretação dos arts. 1.643 e 1.644 do CC/2002 e art. 790, IV, do CPC/2015, o casal responde solidariamente pelas obrigações relativas à manutenção da economia doméstica, em proveito da entidade familiar, ainda que a dívida tenha sido contraída por apenas um dos cônjuges/companheiros, sendo possível, inclusive, requerer a excussão dos bens não só do legitimado ordinário, mas também do coobrigado, extraordinariamente legitimado, uma vez que o patrimônio deste se sujeita à solvência do débito utilizado para satisfazer as necessidades da entidade familiar.

Ainda, conforme previsão contida no art. 55 do ECA, “os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”.

Desse modo, sendo a obrigação relativa à manutenção dos filhos no ensino regular de ambos os genitores, tem-se que a dívida originada de contrato de prestação de serviços educacionais firmado em benefício da prole é comum ao casal, como resultado do poder familiar.

Nesse cenário, firmado o contrato de serviços educacionais por apenas um dos detentores do poder familiar, é indiferente que o outro não esteja nominado no instrumento para que seja possível o redirecionamento da execução da dívida. Isso significa que, constando do contrato apenas o nome da mãe, o pai também responde pela dívida inadimplida, e vice-versa. Isso, porque, como já mencionado, o poder familiar implica responsabilidade solidária de ambos os genitores em prover a educação dos filhos.

 

Situação concreta é diferente porque o contrato foi assinado por um terceiro

Ocorre que, na hipótese, tem-se circunstância excepcional, diferenciada. Trata-se de determinar se o inadimplemento das mensalidades escolares relativas a contrato de serviços escolares firmado por terceiro, estranho à entidade familiar, obriga os pais da criança ao pagamento do débito decorrente da contratação.

Segundo prevê o art. 265 do CC/2002, a solidariedade não pode ser presumida, resultando de previsão legal ou contratual. Assim, não havendo como se reconhecer a responsabilidade solidária decorrente do poder familiar (legal), a única maneira de se redirecionar a execução aos pais do aluno seria caso houvesse alguma anuência ou participação de qualquer dos pais no instrumento contratual firmado pela escola com a responsável financeira.

Logo, não se mostra possível a aplicação do raciocínio do REsp 1444511/SP para a presente situação, já que as circunstâncias fática e jurídica são distintas.

Consequentemente, inexistindo previsão legal e/ou convencional que respalde o reconhecimento da solidariedade entre os genitores do aluno e os contratantes dos serviços, não é possível, na hipótese, redirecionar a execução das mensalidades inadimplidas aos genitores, que não fizeram parte da avença.

 

 


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Revisão - Defensor Público SP

Olá amigos do Dizer o Direito,

Está disponível a revisão para o concurso de Defensor Público de São Paulo.

Boa prova :)


É possível dizer que o “devedor solidário” de um contrato de locação se equipara ao fiador e, portanto, o seu bem de família pode ser penhorado em razão de dívidas decorrentes desse ajuste?

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

A pessoa jurídica Mixx Vestuários Ltda. celebrou contrato de locação comercial com o Shopping Center.

A empresa usou o espaço locado no Shopping para o funcionamento de uma loja de roupas.

João, sócio da Mixx, também figurou no contrato, como pessoa física, na condição de “devedor solidário”.

Após meses de dificuldade financeira e sem pagar aluguéis, a locatária Mixx encerrou as suas atividades e devolveu o espaço para a administração do Shopping.

Como não conseguiu receber os aluguéis atrasados, a administradora do Shopping ingressou com execução de título extrajudicial contra a pessoa jurídica e João.

Não se conseguiu encontrar nenhum bem penhorável da empresa. Em razão disso, a exequente pediu a penhora do apartamento de João, onde ele mora.

A exequente argumentou que, mesmo sendo bem de família, a penhora seria possível com base no inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009/90:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

(...)

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

 

Primeira pergunta: esse inciso VII do art. 3º é constitucional? Ele é aplicado pelo STF e STJ?

SIM. O STF decidiu que o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 é constitucional, não violando o direito à moradia (art. 6º da CF/88) nem qualquer outro dispositivo da CF/88. Nesse sentido:

É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial.

STF. Plenário. RE 1.307.334/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 8/3/2022 (Repercussão Geral – Tema 1127) (Info 1046).

 

O STJ possui um enunciado sobre o tema:

Súmula 549-STJ: É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.

 

Isso significa que será possível a penhora do apartamento de João, mesmo sendo bem de família? A situação narrada acima se enquadra no inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009/90?

NÃO. Isso porque João não figurou no contrato na condição de “fiador”, mas sim como “devedor solidário”.

 

Ora, mas não é o mesmo? Não seria possível fazer uma interpretação extensiva da exceção prevista no inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009/90, a fim de equiparar o devedor solidário ao fiador em contrato de locação?

NÃO.

As hipóteses permissivas da penhora do bem de família devem receber interpretação restritiva, não havendo possibilidade de incidência da exceção à impenhorabilidade do bem de família do fiador ao devedor solidário.

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.118.730-PR, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 14/11/2022 (Info 763).

 

O escopo (objetivo) da Lei nº 8.009/90 não é proteger o devedor contra suas dívidas, mas sim a entidade familiar no seu conceito mais amplo, razão pela qual as hipóteses permissivas da penhora do bem de família, em virtude do seu caráter excepcional, devem receber interpretação restritiva.

Nesse sentido:

A impenhorabilidade do bem de família decorre dos direitos fundamentais à dignidade da pessoa humana e à moradia, de forma que as exceções previstas na legislação não comportam interpretação extensiva.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.604.422/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2021.

 

Logo, não é possível equiparar o devedor solidário ao fiador para, mediante essa interpretação extensiva, permitir a penhora do bem de família.

A posição jurídica de devedor solidário não se confunde com a figura do fiador de contrato de locação, não podendo receber o mesmo tratamento jurídico, notadamente para a incidência de norma restritiva de direitos.

 


domingo, 26 de fevereiro de 2023

INFORMATIVO Comentado 1081 STF (completo e resumido)

Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível mais um INFORMATIVO COMENTADO.

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 1081 DO STF


Direito Constitucional

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS

§  É constitucional lei estadual que proíbe, no âmbito de seu território, a fabricação, a venda e a comercialização de armas de brinquedo que simulam armas de fogo reais.

§  No exercício de sua competência constitucional para suplementar as normas gerais fixadas pela União sobre matéria atinente à segurança pública, os estados podem editar normas específicas quanto ao porte de arma de fogo, desde que mais restritivas.

 

IMUNIDADES PARLAMENTARES

§  Deputados Estaduais gozam das mesmas imunidades formais previstas para os parlamentares federais no art. 53 da CF/88.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS

§  O pagamento de ‘salário-esposa’ a trabalhadores urbanos e rurais, e a servidores públicos, viola o art. 7º, XXX c/c art. 39, § 3º, da CF/88, além de afrontar os princípios republicano, da igualdade, da moralidade e da razoabilidade.

§  Antes da LC 152/2015, os Estados não podiam editar normas prevendo aposentadoria compulsória aos 75 anos.

 

CONSELHOS PROFISSIONAIS

§  O advogado inadimplente não pode votar nem ser votado nas eleições internas da OAB, porém pode continuar exercendo normalmente a advocacia.

 

DIREITO ELEITORAL

PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL

§  As regras da Lei 14.356/2022, que permitem o aumento de gastos com publicidade dos governos federal, estaduais e municipais em ano eleitoral, não podem ser aplicadas antes do pleito 2022

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

PRECATÓRIOS E RPV

§  É inconstitucional a lei estadual que transfere ao credor a responsabilidade por encaminhar ao órgão público a documentação necessária para pagamento do RPV, bem como que determina a suspensão do prazo para pagamento.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS

§  O § 7º do art. 11 da LC 87/96, incluído pela LC 190/2022, é constitucional.


sábado, 25 de fevereiro de 2023

A sentença trabalhista meramente homologatória de acordo serve como início de prova material, na forma do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91?

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina requereu administrativamente, do INSS, o benefício de pensão por morte em razão do falecimento de seu marido João.

O INSS indeferiu o pedido sob o argumento de que João havia perdido a qualidade de segurado porque estava há mais de 24 meses sem trabalhar e, portanto, sem contribuir para a previdência social.

Inconformada, Regina ajuizou ação, na Justiça Federal, contra o INSS argumentando que seu marido, pouco antes do óbito, trabalhou como pedreiro em uma empresa. Para comprovar isso que estava sendo alegado, ela juntou cópia de acordo trabalhista firmado entre João e a empresa, devidamente homologado pelo juiz (sentença trabalhista homologatória de acordo).

 

O pedido de Regina deverá ser obrigatoriamente acolhido já que existe essa sentença trabalhista? A sentença trabalhista homologatória de acordo deve ser considerada, por si só, como início válido de prova para comprovar o tempo de contribuição para fins previdenciários?

NÃO.

A resposta para essa pergunta se encontra no § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/91:

Art. 55 (...)

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

 

Com base nesse dispositivo, a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que:

A sentença trabalhista somente será admitida como início de prova material caso ela tenha sido fundada em outros elementos de prova que evidenciem o labor exercido na função e no período alegado pelo segurado.

STJ. 1ª Turma.  AgInt no AREsp 1.078.726/PE Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 01/10/2020.

 

Assim, se, no processo trabalhista não houve instrução probatória, com início de prova material, e não houve exame do mérito da demanda no qual o juiz tenha reconhecido que houve exercício da atividade laboral, apontando o trabalho desempenhado, no período correspondente etc., não se pode considerar exista início válido de prova material apto à comprovação de tempo de serviço, na forma do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91.

Nesse sentido:

(...) 1. Conforme a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, a sentença trabalhista somente será admitida como início de prova material do vínculo laboral caso ela tenha sido fundada em outros elementos de prova que evidenciem o exercício da atividade laborativa durante o período que se pretende ter reconhecido na ação previdenciária.

2. No caso dos autos, o Tribunal a quo reconheceu a qualidade de segurado do de cujus amparando-se, unicamente, em sentença proferida em reclamação trabalhista que, diante da revelia do empregador, reconhecera o vínculo de emprego entre o falecido e a empresa, que teria perdurado de 19/08/2002 a 17/01/2004. (...)

STJ. 1ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 1.917.056/SP, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador Federal convocado do TRF/5ª Região), DJe de 25/05/2022.

 

A sentença homologatória de acordo trabalhista é admitida como início de prova material para fins previdenciários, mesmo que o INSS não tenha participado da lide laboral, desde que contenha elementos que evidenciem o período trabalhado e a função exercida pelo trabalhador, o que não ocorreu no caso dos autos.

STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 529.963/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 28/02/2019.

 

(...) 1. A jurisprudência desta Corte está firmada no sentido de que a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material, desde que prolatada com base em elementos probatórios capazes de demonstrar o exercício da atividade laborativa, durante o período que se pretende ter reconhecido na ação previdenciária.

2. Na espécie, ao que se tem dos autos, a sentença trabalhista está fundada apenas nos depoimentos das partes, motivo pelo qual não se revela possível a sua consideração como início de prova material para fins de reconhecimento da qualidade de segurado do instituidor do benefício e, por conseguinte, como direito

da parte autora à pensão por morte.

STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1.405.520/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 12/11/2019.

 

Mutatis mutandis, foi o raciocínio que inspirou a súmula 149 do STJ:

Súmula 149-STJ: A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário.

 

O art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91 - que estabelece norma especial, com regramento específico para a prova do tempo de serviço no RGPS - teve a sua constitucionalidade reconhecida pelo STF:

A teor do disposto no § 3º do artigo 55 da Lei nº 8.213/91, o tempo de serviço há de ser relevado mediante início de prova documental, não sendo admitida, exceto ante motivo de força maior ou caso fortuito, a exclusivamente testemunhal. Decisão em tal sentido não vulnera os preceitos do artigo 5º, incisos LV e LVI, 6º e 7º, inciso XXIV, da Constituição Federal.

STF. 2ª Turma. RE 226.772-4/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 06/10/2000.

 

A jurisprudência do STJ, embora não exija que o documento apresentado como início de prova material abranja todo o lapso controvertido, considera indispensável a sua contemporaneidade com os fatos alegados, devendo, assim, corresponder, pelo menos, a uma fração do período alegado, corroborado por idônea e robusta prova testemunhal, que amplie sua eficácia probatória.

Veja como o tema foi recentemente cobrado:

ý (Juiz Federal TRF3 2022) A comprovação do tempo de labor rural exige a apresentação de início de prova material, o que, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e da TNU, não se confunde com prova plena. Além disso, diante das dificuldades do trabalhador rural de obtenção de prova escrita, não há exigência de que o documento apresentado como início de prova material seja contemporâneo aos fatos alegados ou que abranja todo o período que se quer comprovar. (errado)

 

Em regra, a sentença trabalhista homologatória de acordo não é, por si só, contemporânea dos fatos que provariam o tempo de serviço, referindo-se ela a fatos pretéritos, anteriores à sua prolação, e, nessa medida, não atende ao art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, que exige início de prova material contemporânea dos fatos, e não posterior a eles.

 

Em suma:

A sentença trabalhista homologatória de acordo somente será considerada início válido de prova material, para os fins do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, quando fundada em elementos probatórios contemporâneos dos fatos alegados, aptos a evidenciar o exercício da atividade laboral, o trabalho desempenhado e o respectivo período que se pretende ter reconhecido, em ação previdenciária.

STJ. 1ª Seção. PUIL 293-PR, Rel. Min. Og Fernandes, Rel. para acórdão Min. Assusete Magalhães, julgado em 14/12/2022 (Info 762).


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

A superveniente aposentadoria da autoridade detentora do foro por prerrogativa de função cessa a competência do STJ para o processamento e julgamento do feito

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, Desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia, estava sendo investigado em um inquérito policial supervisionado pelo Superior Tribunal de Justiça.

 

Por que a investigação estava sob a supervisão do STJ?

Porque compete ao STJ julgar crimes cometidos por Desembargadores, nos termos do art. 105, I, “a”, da CF/88:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

(...)

 

A fase investigativa de crimes imputados a autoridades com prerrogativa de foro ocorre sob a supervisão do Tribunal respectivo, o qual deve ser desempenhada durante toda a tramitação das investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento da denúncia.

STJ. 5ª Turma. HC 481.107/MT, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 9/12/2020.

 

(...) Trata-se de denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal como resultado parcial das investigações que deram origem à OPERAÇÃO FAROESTE e que se desenvolvem sob a supervisão desta Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, tendo revelado a existência de uma organização criminosa formada por desembargadores, magistrados, servidores, advogados e particulares, com atuação no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, voltada à negociação sistemática de decisões judiciais e administrativas, à grilagem de terras e à obtenção e lavagem de vultosas quantias pagas por produtores rurais, ameaçados de perderem a posse de suas terras, sobretudo na região conhecida como Coaceral, no oeste baiano. (...)

STJ. Corte Especial. APn 940/DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 6/5/2020.

 

Voltando ao caso concreto:

Durante o curso do inquérito, João completou 75 anos e, portanto, foi aposentado compulsoriamente em razão do implemento da idade máxima.

A defesa de João requereu o declínio da competência para o processamento e julgamento do Inquérito para a Justiça Estadual da Bahia, em 1ª instância.

 

O pedido foi acolhido?

SIM.

Conforme entendimento consolidado na jurisprudência do STF:

O foro especial por prerrogativa de função não se estende a magistrados aposentados.

Desse modo, após se aposentar, o magistrado (seja ele juiz, Desembargador, Ministro) perde o direito ao foro por prerrogativa de função, mesmo que o fato delituoso tenha ocorrido quando ele ainda era magistrado. Logo, deverá ser julgado pela 1ª instância.

STF. Plenário. RE 549560/CE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 22/3/2012 (Info 659)

 

A superveniente aposentadoria compulsória de João fez cessar a prerrogativa de foro que a autoridade gozava enquanto ocupava o cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.

Nesse cenário, a competência do STJ para o processo e julgamento do inquérito, prevista no art. 105, I, “a”, da CF/88, não mais subsiste, impondo o deslocamento do feito para a Justiça Estadual da Bahia.

Mais recentemente, no julgamento de ADI 6.513, a questão foi novamente objeto de apreciação, tendo o STF reiterado o entendimento no sentido de que a aposentadoria do detentor de foro faz cessar a regra excepcional de competência por prerrogativa de função, transferindo-a para processamento e julgamento ao primeiro grau de jurisdição:

(...) O Plenário deste Tribunal consolidou o entendimento de que a aposentadoria do magistrado faz cessar a regra excepcional do foro por prerrogativa de função, transferindo a competência para processamento e julgamento de eventual ilícito penal para o primeiro grau de jurisdição (...)

STF. Plenário. ADI 6513, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 21/12/2020.

 

Assim, no caso, diante da superveniente aposentadoria compulsória da autoridade detentora do foro por prerrogativa de função, cessa a competência do STJ para o processamento e julgamento do feito.

 

Em suma:


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

INFORMATIVO Comentado 762 STJ (completo e resumido)

Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível mais um INFORMATIVO COMENTADO.

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 762 DO STJ


DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITO À SAÚDE

§  Se um hospital privado que presta serviços para o SUS ingressar com ação pedindo a revisão dos valores pagos, haverá litisconsórcio passivo necessário da União com o Estado ou Município que firmou o contrato/convênio?

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

TEMAS DIVERSOS

§  Ainda que celebrado no exterior, ato de cooperação para o desenvolvimento de novas sementes de milho geneticamente modificadas impacta mercado relevante de abrangência mundial, impondo-se sua submissão ao CADE.

 

DIREITO CIVIL

CONTRATO DE SEGURO

§  Os encargos moratórios atinentes ao crédito sub-rogado devem compor a condenação da ação de regresso, sob pena de enriquecimento sem causa do devedor.

 

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

§  O juiz não pode reduzir o percentual de 1% da taxa de ocupação prevista no art. 37-A da Lei 9.514/97 alegando que, na prática mercadológica, o aluguel dos imóveis corresponde normalmente a 0,5% do valor do bem.

 

RESPONSABILIDADE CIVIL

§  Condenação da Rede Globo por exibição de suspeitos no programa Linha Direta.

 

DIREITO EMPRESARIAL

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

§  O Juízo da Recuperação Judicial não pode anular ou simplesmente desconsiderar ou suspender os atos de constrição determinados pelo Juízo da Execução Fiscal.

§  Compete ao Juízo da Recuperação manifestar-se acerca da natureza do crédito, definindo se está ou não submetido aos efeitos da recuperação judicial; se ele devolver o crédito para o juízo de origem, caberá a este efetuar o pagamento devido.

§  É possível a convolação da recuperação judicial em falência após o transcurso do prazo bienal de supervisão judicial, enquanto não houver decisão judicial de encerramento da recuperação.

§  Não é possível convolar a recuperação judicial em falência com base em confissão da empresa recuperanda de impossibilidade de continuar adimplindo o plano aprovado e homologado, sem que efetivamente tenha ocorrido o descumprimento deste.

 

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

GUARDA COMPARTILHADA

§  É possível a modificação do lar de referência de criança sob guarda compartilhada para o exterior, distinto daquele em que reside um dos genitores.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CUSTAS PROCESSUAIS

§  Não cabe a cobrança de custas processuais complementares após homologação de pedido de desistência, formulado antes da citação da parte adversa, por ocasião de sua intimação para complementar as custas iniciais.

 

NULIDADES

§  A realização do julgamento na modalidade virtual, ainda que haja expressa e tempestiva oposição de parte no processo, não acarreta a sua nulidade.

 

AÇÃO RESCISÓRIA

§  A apresentação de nova prova é um vício rescisório quando, apesar de preexistente ao julgado, não foi juntada ao processo originário pelo interessado por desconhecimento ou por impossibilidade.

 

RECURSOS (EMBARGOS DE DECLARAÇÃO)

§  Se a parte que opôs os embargos de declaração desistiu desse recurso, significa dizer que os embargos não interromperam o prazo para a interposição de outros recursos.

 

EXECUÇÃO (PENHORA)

§  Inexiste obrigação legal de que a remuneração do depositário seja determinada com base na Tabela de Custas da Corte Estadual.

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA (FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO)

§  A superveniente aposentadoria da autoridade detentora do foro por prerrogativa de função cessa a competência do STJ para o processamento e julgamento do feito.

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PROCESSO JUDICIAL PREVIDENCIÁRIO

§  A sentença trabalhista meramente homologatória de acordo serve como início de prova material, na forma do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91?


Se a parte que opôs os embargos de declaração desistiu desse recurso, significa dizer que os embargos não interromperam o prazo para a interposição de outros recursos

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João ajuizou ação contra a empresa Alfa.

O pedido foi julgado procedente em primeira instância.

A empresa interpôs apelação.

O Tribunal de Justiça negou provimento à apelação em acórdão disponibilizado no DJE no dia 28/06/2018.

A empresa opôs embargos de declaração contra o acordão.

Em 30/01/2019, a empresa apresentou uma petição ao Tribunal de Justiça afirmando que desistia dos embargos de declaração e que iria interpor o recurso cabível no prazo legal.

Em 04/02/2019, o Desembargador, em decisão monocrática, homologou a desistência requerida e determinou a baixa dos autos à primeira instância.

No dia 20/02/2019, a empresa interpôs recurso especial, sustentando, em preliminar, a sua tempestividade, sob o argumento de que: “(...) a contagem do prazo recursal se deu a partir da intimação da homologação do pedido de desistência”.

 

O recurso especial foi conhecido?

NÃO. O recurso especial não foi conhecido porque está intempestivo.

A desistência é causa de não conhecimento do recurso, pois um dos requisitos de admissibilidade dos recursos é a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, como é o caso da desistência do recurso. Isso significa que, como houve a desistência, os embargos de declaração não foram conhecidos.

Como os embargos de declaração não foram conhecidos, eles não interromperam o prazo.

Logo, deve-se considerar que o prazo para o recurso especial se iniciou lá atrás, com a disponibilização do acórdão da apelação (DJE no dia 28/06/2018).

A publicação da homologação judicial da desistência não teve o condão de reabrir o prazo recursal.

A interrupção do prazo recursal resultante da oposição de embargos de declaração (art. 1.026 do CPC/2015), não se opera no caso em que os aclaratórios não são conhecidos por serem considerados inexistentes:

Art. 1.026. Os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso.

 

Não há que se falar em interrupção de prazo recursal em caso de desistência do recurso (STJ. 2ª Turma. AgRg no Ag 1.421.018/RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 2/2/2012).

Havendo a desistência, é como se o recurso nunca tivesse existido.

 

Em suma:

Extintos os embargos de declaração em virtude de desistência posteriormente manifestada, não é possível sustentar a interrupção do prazo recursal para a mesma parte que desistiu, tampouco a reabertura desse prazo a contar da intimação do ato homologatório.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.833.120-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/10/2022 (Info 762).



quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

A realização do julgamento na modalidade virtual, ainda que haja expressa e tempestiva oposição de parte no processo, não acarreta a sua nulidade

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

O banco ajuizou ação de cobrança contra João. O pedido foi julgado procedente e transitou em julgado.

O banco ingressou, então, com cumprimento de sentença cobrando a quantia devida.

O juiz determinou a penhora de valores que estavam na conta bancária de João.

O devedor interpôs agravo de instrumento sustentando que não poderia ter havido a penhora porque seriam verbas de natureza alimentar.

As partes foram intimadas para se manifestarem, no prazo de 15 dias, acerca de eventual oposição ao julgamento virtual do agravo de instrumento.

João, dentro do prazo assinalado, apresentou petição dizendo que se opunha ao julgamento virtual e que deseja que o julgamento fosse presencial.

Mesmo com a oposição, o Tribunal de Justiça julgou o recurso em sessão virtual e negou provimento ao agravo de instrumento.

João interpôs recurso especial alegando a nulidade do julgamento, por desrespeitar a manifesta oposição à forma de julgamento virtual.

 

O STJ deu provimento ao recurso de João? Houve nulidade?

NÃO.

Inicialmente, é importante assinalar que o julgamento virtual é uma forma de julgamento válida, conforme pacífica jurisprudência do STJ:

Não há que se falar em nulidade do julgamento virtual porque ele está em consonância com os princípios da colegialidade, da adequada duração do processo e do devido processo legal.

STJ. Corte Especial. AgRg no AgRg no RE nos EDcl na APn 327/RR, DJe 30/6/2020.

 

Para o STJ, a mera oposição da parte ao julgamento virtual não tem o condão de determinar (obrigar) a ocorrência do julgamento em sessão presencial ou telepresencial. Isso porque não há lei que imponha essa consequência.

Em sua redação originária, o art. 945, §§ 2º e 3º, do CPC/2015 previa o direito de as partes apresentarem discordância do julgamento por meio eletrônico, sem necessidade de motivação, “sendo apta a determinar o julgamento em sessão presencial”.

Ocorre que esses dispositivos foram revogados pela Lei nº 13.256/2016, ficando consignado no parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania no respectivo Projeto de Lei (PL nº 2.384/2015), que a revogação ocorreu porque autorizava as partes, sem motivação, “solicitar julgamento presencial, mesmo quando não houver previsão de sustentação oral, o que pode ampliar sobremaneira o número de petições a serem analisadas pelos tribunais superiores, inviabilizando a Corte e o funcionamento do plenário virtual”.

Desse modo, como não há, no ordenamento jurídico vigente, o direito de exigir que o julgamento ocorra por meio de sessão presencial, o fato de o julgamento ter sido realizado de forma virtual, mesmo com a oposição expressa e tempestiva da parte, não é, por si só, causa de nulidade.

Destaca-se que a decretação de nulidade de atos processuais depende de efetiva demonstração de prejuízo da parte interessada (pas de nullité sans grief), por prevalência do princípio da instrumentalidade das formas.

Com efeito, a realização do julgamento por meio virtual, mesmo com a oposição pela parte, não acarreta, em regra, prejuízo nas hipóteses em que não há previsão legal ou regimental de sustentação oral, sendo imprescindível, para a decretação de eventual nulidade, a comprovação de efetivo prejuízo na situação.

Além disso, mesmo quando há o direito de sustentação oral, se o seu exercício for garantido e viabilizado na modalidade de julgamento virtual, não haverá qualquer prejuízo ou nulidade, ainda que a parte se oponha a essa forma de julgamento, porquanto o direito de sustentar oralmente as suas razões não significa o de, necessariamente, o fazer de forma presencial.

 

Em suma:

 

DOD Plus – informações complementares

O requerimento para a não inclusão do recurso em plenário virtual deve ser fundamentado, não bastando a mera oposição sem indicação das razões que justifique o julgamento telepresencial.

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.164.849/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 12/12/2022.

 

A pretensão de sustentar oralmente não é suficiente para impedir que o presente recurso seja incluído em pauta virtual (e-Julg), tendo em vista que o Superior Tribunal de Justiça implementou funcionalidade, na plataforma de julgamento virtual, para que os advogados, nos casos previstos em lei, possam enviar arquivos de áudio ou vídeo com suas sustentações orais.

Ademais, as partes podem também apresentar memoriais, por meio eletrônico ou mediante petição nos autos e, durante o julgamento eletrônico, todos os Ministros que compõem o Órgão Colegiado têm acesso ao conteúdo integral do voto do Relator e dos autos, e a sessão tem duração substancialmente maior que a do julgamento presencial, do que resulta um exame ainda mais acurado por seus Membros.

STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.814.753/MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 12/12/2022.


terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

É possível a guarda compartilhada mesmo que a mãe more no exterior e o pai no Brasil

 

REVISÃO GERAL SOBRE GUARDA

O presente julgado trata sobre guarda. Antes de explicar o que foi decidido, irei fazer uma revisão sobre o tema. Se estiver sem tempo, pode ir diretamente para os comentários acerca do julgado logo abaixo.

 

Guarda

A guarda consiste no dever de prestar assistência educacional, material e moral ao menor. Trata-se do exercício do poder familiar e de responsabilidades, direitos e deveres concernentes à criação da criança ou do adolescente.

Observe que a guarda ora analisada se refere àquela decorrente do exercício do poder familiar, com previsão no Código Civil, entre os arts. 1.583 a 1.590. Não se trata aqui da guarda como modalidade de colocação em família substituta, prevista no art. 33 do ECA.

 

Espécies de guarda

Existem quatro espécies de guarda que serão vistas abaixo. As duas primeiras estão previstas expressamente no Código Civil e as duas outras são criações da doutrina.

O Código Civil fala em guarda unilateral e em guarda compartilhada:

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

 

a) Unilateral (exclusiva):

Ocorre quando um dos pais fica com a guarda e a outra pessoa possuirá apenas o direito de visitas.

Segundo a definição do Código Civil, a guarda unilateral é aquela “atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua” (art. 1.583, § 1º).

Ainda hoje é bastante comum.

Ex: João e Regina se divorciaram; ficou combinado que Regina ficará com a guarda da filha de 5 anos e que o pai tem direito de visitas aos finais de semana.

Vale ressaltar que, mesmo sendo fixada a guarda unilateral, o genitor que ficar sem a guarda continuará com o dever de supervisionar os interesses dos filhos. Para possibilitar tal supervisão, qualquer dos pais sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos (§ 5º do art. 1.583).

 

b) Compartilhada (conjunta):

Ocorre quando ambos os pais são responsáveis pela guarda do filho.

A guarda é de responsabilidade dos dois e as decisões a respeito do filho são tomadas em conjunto, baseadas no diálogo e consenso.

O instituto da guarda compartilhada teve origem na Common Law, do Direito Inglês, com a denominação de joint custody. Porém, foi nos Estados Unidos que a denominada “guarda conjunta” ganhou força e se popularizou.

Segundo o Código Civil brasileiro, entende-se por guarda compartilhada “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns” (art. 1.583, § 1º).

É considerada a melhor espécie de guarda porque o filho tem a possibilidade de conviver com ambos e os pais, por sua vez, sentem-se igualmente responsáveis.

Vale ressaltar que nessa espécie de guarda, apesar de ambos os genitores possuírem a guarda, o filho mora apenas com um dos dois.

Ex: João e Regina se divorciaram; ficou combinado que a filha do casal ficará morando com a mãe; apesar disso, tanto Regina como João terão a guarda compartilhada (conjunta) da criança, de forma que ela irá conviver constantemente com ambos e as decisões sobre ela serão tomadas em conjunto pelos pais.

 

Tempo de convivência. Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com os pais, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos (§ 2º do art. 1.583).

 

Orientação técnico-profissional. Para estabelecer as atribuições dos pais e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com os genitores (§ 3º do art. 1.584 do CC).

Assim, com a ajuda de psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais, o juiz já deverá estabelecer as atribuições que caberão a cada um dos pais e o tempo de convivência com o filho.

Ex: João irá buscar o filho no colégio todos os dias às 12h; no período da tarde, a criança continuará na companhia do pai e, às 18h, ele deverá deixá-lo na casa da mãe.

 

þ (Promotor MP/GO 2019) Acerca do instituto da guarda compartilhada no Código Civil, assinale a alternativa incorreta:

a) A guarda compartilhada encontra suas origens na “Common Law” do Direito Inglês, com a denominação de “joint custody”. A partir da década de 1960, se difundiu tal conceito pela Europa, porém, foi nos Estados Unidos da América que a denominada guarda conjunta avançou em virtude de intensas pesquisas em decorrência da transformação das famílias. Daí, é possível concluir que a adoção de previsão legal da guarda compartilhada no Brasil retrata uma crescente tendência mundial, fortalecida pela Convenção de Nova Iorque sobre Direitos da Criança (ONU, 1989).

b) A guarda compartilhada define os dois genitores como detentores da autoridade parental para tomar todas as decisões que afetem os filhos, visando manter os laços de afetividade e abrandar os efeitos que o fim da sociedade conjugal pode trazer à prole, ao passo que tenta manter de forma igualitária a função parental, consagrando os direitos da criança e de seus genitores. Em face disso, a guarda compartilhada, como regra, é recomendável, não se aplicando, porém, quando um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor ou um dos genitores não estiver apto a exercer o poder familiar.

c) Em sede de medida cautelar de separação de corpos, em sede de medida cautelar de guarda ou em outra sede de fixação liminar de guarda, a decisão sobre guarda de filhos, salvo se provisória, será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz.

d) A guarda pode ser deferida para outra pessoa que não seja o pai ou a mãe. Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.

Letra C

 

Confira o que dizem o art. 1.584, § 5º e o art. 1.585 do CC:

Art. 1.584 (...) § 5º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade. (Redação dada pela Lei nº 13.058/2014)

 

Art. 1.585.  Em sede de medida cautelar de separação de corpos, em sede de medida cautelar de guarda ou em outra sede de fixação liminar de guarda, a decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória, será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz, salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir a concessão de liminar sem a oitiva da outra parte, aplicando-se as disposições do art. 1.584. (Redação dada pela Lei nº 13.058/2014)

 

c) Alternada:

Ocorre quando os pais se revezam em períodos exclusivos de guarda, cabendo ao outro direito de visitas.

Em outras palavras, é aquela na qual durante alguns dias um genitor terá a guarda exclusiva e, em outros períodos, o outro genitor terá a guarda exclusiva.

Ex: João e Regina se divorciaram; ficou combinado que durante uma semana a filha do casal ficará morando com a mãe (e o pai não pode interferir durante esse tempo) e, na semana seguinte, a filha ficará vivendo com o pai (que terá a guarda exclusiva nesse período).

Essa escolha é criticada pela doutrina:

“Essa forma de guarda não é recomendável, eis que pode trazer confusões psicológicas à criança. Com tom didático, pode-se dizer que essa é a guarda pingue-pongue, pois a criança permanece com cada um dos genitores por períodos ininterruptos. Alguns a denominam como a guarda do mochileiro, pois o filho sempre deve arrumar a sua malinha ou mochila para ir à outra casa. É altamente inconveniente, pois a criança perde seu referencial, recebendo tratamentos diferentes quando na casa paterna e na materna.” (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume único. São Paulo: Método, 2013, p. 1224).

 

d) Aninhamento (nidação):

Ocorre quando a criança permanece na mesma casa onde morava e os pais, de forma alternada, se revezam na sua companhia.

Assim, é o contrário da guarda alternada, já que são os pais que, durante determinados períodos, se mudam.

Ex: João e Regina se divorciaram; ficou combinado que a filha do casal ficará morando no mesmo apartamento onde residia e no qual já possui seus amiguinhos na vizinhança. Durante uma semana, a mãe ficará morando no apartamento com a criança (e o pai não pode interferir durante esse tempo). Na semana seguinte, a mãe se muda temporariamente para outro lugar e o pai ficará vivendo no apartamento com a filha.

Defendida por alguns como uma forma de a criança não sofrer transtornos psicológicos por ter que abandonar o meio em que já vivia e estava familiarizada. Apesar disso, é bastante rara devido aos inconvenientes práticos de sua implementação.

A palavra “aninhamento” vem de “aninhar”, ou seja, colocar em um ninho. Transmite a ideia de que a criança permanecerá no mesmo ninho (mesmo lar) e os seus pais é quem se revezarão em sua companhia.

Como já dito acima, o Código Civil somente fala em unilateral ou compartilhada (art. 1.583), mas as demais espécies também existem na prática.

 

Como é definida a espécie de guarda que será aplicada?

O ideal é que a guarda seja definida por consenso entre os pais. Por isso, o Código Civil determina que seja feita uma audiência de conciliação. A Lei também afirma que o juiz deverá incentivar que os pais façam um acordo adotando a guarda compartilhada:

Art. 1.584 (...)

§ 1º Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

 

Se não houver acordo, o juiz é quem irá fixar a espécie de guarda a ser seguida:

Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

 

Em regra, o juiz não deve conceder a guarda sem ouvir a outra parte.

A decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória, será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz, salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir a concessão de liminar sem a oitiva da outra parte (art. 1.585 do CC).

 

Guarda compartilhada como regra

Vimos acima que, se não houver acordo, o juiz é quem irá fixar a guarda. Neste caso, qual é a espécie de guarda que o magistrado deverá determinar?

 

REGRA: guarda compartilhada.

O Código determina que, quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, o juiz deverá aplicar a guarda compartilhada (art. 1.584, § 2º):

Art. 1.584 (...)

§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

 

EXCEÇÕES:

Não será aplicada a guarda compartilhada se:

a) um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor;

b) um dos genitores não estiver apto a exercer o poder familiar.

                       

A guarda compartilhada depende da concordância dos genitores? Ex: o pai deseja a guarda unilateral e a mãe também; nenhum dos dois quer a guarda compartilhada; o juiz deverá determinar outra espécie de guarda?

NÃO. A implementação da guarda compartilhada não se sujeita à transigência dos genitores. Em outras palavras, a guarda compartilhada é a regra, independentemente de concordância entre os genitores acerca de sua necessidade ou oportunidade (STJ. 3ª Turma. REsp 1605477/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/06/2016).

Veja como esse tema já foi exigido em prova:

þ (Juiz de Direito TJ/SC 2019 CEBRASPE) De acordo com o STJ, o estabelecimento da guarda compartilhada não se sujeita à transigência dos genitores. (certo)

 

A guarda compartilha depende da divisão do tempo de convívio igualitário entre cada um dos genitores?

NÃO. A guarda compartilhada não exige:

· a custódia física conjunta de ambos os genitores; ou

· o tempo de convívio igualitário para cada um dos pais.

 

A guarda compartilha poderá ser exercida por formas diversas. Trata-se de uma espécie de guarda flexível, visando a sua implementação concreta.

Não há um modelo fixo de guarda compartilhada que exija a custódia física conjunta ou a determinação de convívio igualitário entre os genitores. Assim, é possível que seja instituído, por exemplo, regime de visitas, formas de convivência, dentro da própria guarda compartilhada.

 

E se não for possível mesmo a guarda compartilhada?

Nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada, a atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor (art. 7º da Lei nº 12.318/2010).

 

O fato de um dos pais morar definitivamente em outra cidade é impeditivo à instituição da guarda compartilhada?

NÃO.

A guarda compartilhada é a regra no direito brasileiro.

O fato de os genitores possuírem domicílio em cidades diversas, por si só, não representa óbice à fixação de guarda compartilhada.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.878.041-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/05/2021 (Info 698).

 

EXPLICAÇÃO DO JULGADO

Imagine a seguinte situação hipotética:

Pedro e Carla viviam em união estável. Eles tiveram uma filha, chamada de Beatriz.

O relacionamento chegou ao fim e Beatriz ficou morando com a mãe, havendo visitas periódicas do pai.

Desse modo, Beatriz ficou sob guarda compartilhada dos pais.

Depois de algum tempo, Carla iniciou um novo relacionamento amoroso com um holandês (Lennon).

Carla decidiu se casar com Lennon e se mudar para a Holanda levando consigo a filha.

Diante desse cenário, Carla ingressou com ação de guarda em face de Pedro pedindo para que fosse autorizada a modificação do lar de referência de Beatriz para a Holanda, país no qual pretendiam residir.

O pai não concordou com o pedido.

Ao final da instrução, o juiz prolatou sentença autorizando que Carla se mudasse com a filha para a Holanda, fixando, contudo, regras para permitir a convivência da criança com seu pai.

Pedro não se conformou com a decisão e interpôs recurso de apelação.

 O Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso dizendo que não seria possível a modificação do lar de referência de criança sob guarda compartilhada para o exterior, em país distinto daquele em que reside o seu pai. Para o TJ, é impossível falar em guarda compartilhada se a criança mora em um país e seu pai em outro.

Inconformada, a mãe interpôs recurso especial pedindo para que fosse restabelecida a sentença que havia concluído ser possível a modificação do lar de referência da criança para a Holanda.

 

O STJ deu provimento ao recurso da mãe? O argumento do TJ foi rechaçado pelo STJ? A sentença foi restabelecida?

SIM.

A guarda compartilhada não se confunde com a guarda alternada, tampouco com o regime de visitas ou de convivência, na medida em que a guarda compartilhada impõe o compartilhamento de responsabilidades, não se confundido com a simples custódia física conjunta da prole ou com a divisão igualitária de tempo de convivência dos filhos com os pais.

Na guarda compartilhada, não apenas é possível, mas na verdade é desejável que se defina uma residência principal para os filhos, garantindo-lhes uma referência de lar para suas relações da vida.

Assim, a guarda compartilhada não exige custódia física conjunta do(a) filho(a), tampouco implica, necessariamente, em tempo de convívio igualitário.

Diante de sua flexibilidade, essa modalidade de guarda comporta as fórmulas mais diversas para sua implementação, notadamente para o regime de convivência ou de visitas, a serem fixadas pelo juiz ou por acordo entre as partes em atenção às circunstâncias fáticas de cada família individualmente considerada.

Justamente por isso, o STJ já decidiu que:

É admissível a fixação da guarda compartilhada na hipótese em que os genitores residem em cidades, estados ou, até mesmo, países diferentes, máxime tendo em vista que, com o avanço tecnológico, é plenamente possível que, à distância, os pais compartilhem a responsabilidade sobre a prole, participando ativamente das decisões acerca da vida dos filhos.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.878.041-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/05/2021 (Info 698).

 

A guarda compartilhada traz uma série de vantagens que merecem ser consideradas e que justificam a sua adoção, mesmo nas hipóteses em que os domicílios dos genitores não estejam fisicamente próximos, em especial a indispensável priorização do superior interesse da criança e do adolescente, com garantia de continuidade das relações da criança com os pais.

Assim, em tese, é admissível a modificação do lar de referência para um país distinto daquele em que reside um dos genitores.

 

Em suma:



Dizer o Direito!