Imagine a seguinte situação
hipotética:
Lucas, adolescente, praticou ato
infracional equiparado a tráfico de drogas.
O Promotor de Justiça ofereceu
representação ao Juiz, propondo a instauração de procedimento para aplicação da
medida socioeducativa (art. 182 do ECA) em face de Lucas.
A “representação” de que trata o
ECA é como se fosse a “denúncia” do processo penal.
O juiz da Vara da Infância e da
Juventude rejeitou a representação, por falta de justa causa, sob os
fundamentos de que se cuidava de delito impossível, pela existência de
flagrante preparado pela autoridade policial (Súmula 145 do STF), bem como pela
falta de materialidade, porque não houve a apreensão de nenhuma droga.
O Parquet apelou, mas o recurso
foi julgado intempestivo pelo Tribunal de Justiça.
Houve o trânsito em julgado.
Em seguida, o Ministério Público
ajuizou ação rescisória contra a decisão absolutória.
Isso é possível? É cabível
ação rescisória para desconstituir coisa julgada absolutória no procedimento de
apuração de ato infracional?
NÃO.
Imagine que um réu adulto, em um
processo penal, é absolvido da acusação que foi feita pelo Ministério Público. Essa
sentença ou acórdão absolutórios transita em julgado. O Ministério Público
poderá, em seguida, propor ação rescisória ou revisão criminal para
desconstituir essa absolvição? Não. Isso porque é possível o ajuizamento de
revisão criminal para a desconstituição de decisões condenatórias.
Essa mesma conclusão deve ser
adotada aqui.
Embora as medidas socioeducativas
tenham natureza pedagógica, é inegável que possuem, igualmente, caráter
sancionador e punitivo. Tanto é assim, que a sua imposição depende da
comprovação da prática de ato infracional, feita por meio de processo judicial,
no qual devem ser observadas as garantias do devido processo legal e do
contraditório.
A admissão de ação rescisória,
proposta pelo Ministério Público, visando a rescisão da coisa julgada
absolutória formada no processo de apuração de ato infracional, colocaria o
menor em situação mais gravosa do que o adulto, o que não é admitido.
O art. 152 do ECA prevê que estatui
que as normas gerais da legislação processual são aplicáveis aos procedimentos
de apuração de ato infracional subsidiariamente.
No caso de processo para apuração
de ato infracional, as regras subsidiárias a serem aplicadas ao ECA, são
aquelas relativas ao Código de Processo Penal que estabelece, em seus arts. 621
e 626, que a revisão criminal é cabível tão-somente contra sentença
condenatória e que o julgamento proferido na revisional nunca pode agravar a
situação do condenado.
No caso, o Juízo da Vara da
Infância e da Juventude rejeitou a representação imputando a prática de ato
infracional equiparado ao tráfico de drogas, por falta de justa causa, sob os
fundamentos de que se cuidava de delito impossível, pela existência de
flagrante preparado pela autoridade policial (Súmula 145 do Supremo Tribunal
Federal), bem assim em razão da falta de materialidade, porque não houve a
apreensão de nenhuma droga. O Parquet apelou, mas o recurso foi julgado
intempestivo, em acórdão que transitou em julgado.
Não obstante o Ministério Público
afirme que a intenção seria proteger e educar o menor, que é vulnerável,
observa-se que o real escopo da ação rescisória é reabrir a discussão acerca da
prática do ato infracional e aplicar ao menor, medida socioeducativa por fato
em relação ao qual foi definitivamente absolvido, mostrando-se indevida a
tentativa de usar a vulnerabilidade do menor em seu próprio desfavor.
Em suma:
STJ.
6ª Turma. REsp 1.923.142/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 22/11/2022 (Info
759).