O que é o reconhecimento de
pessoas e coisas?
É um meio de prova, previsto nos
arts. 226 a 288 do CPP.
Um indivíduo conhece ou viu
determinada pessoa ou coisa que supostamente está relacionado com um crime que
está sendo apurado.
Esse indivíduo é chamado pelos
órgãos de persecução penal para dizer se a pessoa ou coisa que lhe será
mostrada realmente é aquela que ele conhece ou que viu.
Ex: uma testemunha viu a pessoa
que matou a vítima e depois fugiu. Tempos depois, a polícia prende um homem
suspeito de ser o autor do crime. Esse suspeito será mostrado à testemunha para
que ela diga se ele é, ou não, o indivíduo que viu no momento do crime.
Formalidades
O art. 226 do CPP descreve um
procedimento para a realização do reconhecimento de pessoas e coisas:
1ª etapa: o indivíduo que
tiver de fazer o reconhecimento será convidado a descrever a pessoa que deva
ser reconhecida. Ex: a pessoa tem aproximadamente 1,80m, pele branca, cabelo
preto, uma cicatriz no rosto etc.
2ª etapa: a pessoa, cujo
reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que
com ela tiverem qualquer semelhança. Em seguida, pede-se para o indivíduo que
fará o reconhecimento apontar qual é daquelas pessoas que estão lado a lado.
Algumas vezes, o fato de o
indivíduo estar face a face com a pessoa a ser reconhecida pode gerar
intimidação ou outra influência negativa que lhe impeça de dizer a verdade. Por
isso, a lei permite que a pessoa a ser reconhecida não veja o indivíduo que
fará o reconhecimento. Isso é feito, por exemplo, por meio de “vidros
espelhados” nos quais somente um dos lados enxerga o outro. Obs: vale ressaltar
essa cautela só pode ser feita na fase de investigação pré-processual. Na fase
da instrução criminal ou em plenário de julgamento a pessoa a ser reconhecida
terá direito de também ver o indivíduo que está lhe reconhecendo, sendo esse
ato feito ainda na presença do juiz, do Ministério Público e da defesa.
3ª etapa: será lavrado um
auto pormenorizado narrando o que ocorreu no ato de reconhecimento. Esse auto deverá
ser subscrito pela autoridade, pelo indivíduo que foi chamado para fazer o
reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
Obs: no caso de reconhecimento de
objeto também deverão ser observadas, no que couber, as cautelas previstas para
o reconhecimento pessoal (art. 227).
Obs2: se várias forem as pessoas
chamadas a efetuar o reconhecimento de pessoa ou de objeto, cada uma fará a
prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas (art. 228).
Como vimos acima, o art. 226 do
CPP estabelece formalidades para o reconhecimento de pessoas (reconhecimento
pessoal). O descumprimento dessas formalidades enseja a nulidade do
reconhecimento?
SIM. A partir do entendimento
firmado no HC 598.886-SC, o STJ passou a entender que:
1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento
previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem
garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um
crime;
2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho,
a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna
inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a
eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo;
3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento
formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele
se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não
guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento;
4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de
fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do
reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual
reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal,
ainda que confirmado em juízo.
STJ. 6ª Turma.
HC 598.886-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 27/10/2020
(Info 684).
Imagine agora a seguinte
situação adaptada:
No dia 26/06, Antônio e Inácio,
Investigadores de Polícia Civil, no exercício da função, abordaram o veículo da
vítima Marcelo e exigiram a quantia de R$ 10 mil para permitir que este
transportasse eletrônicos provenientes do Paraguai até Londrina/PR.
A vítima negociou com os policiais a
redução da quantia exigida para R$ 8 mil, divididos em duas parcelas de R$ 4
mil cada uma.
Na ocasião, os policiais ainda
exigiram que a vítima entregasse R$ 400,00, disponíveis em sua carteira, o que
foi feito, e marcaram o encontro para a entrega da primeira parcela da quantia
exigida para três dias depois, em um posto de combustíveis.
No dia 29/06, quando a vítima
entregava a Antônio a quantia de R$ 4 mil, primeira parcela exigida, policiais
civis lotados na Corregedoria, cientes do encontro, efetuaram a prisão em
flagrante de Antônio. Vale ressaltar que Inácio não estava no local neste dia.
Após o flagrante, todos os envolvidos
foram conduzidos à delegacia. Na ocasião, foram mostradas fotos dos policiais
que trabalham na região, oportunidade em que a vítima reconheceu Inácio, com
sendo o outro policial que exigiu dinheiro.
Na sequência, ao pesquisarem fotos de Inácio
no Facebook, a vítima reconheceu em umas das imagens que o policial estava com
a mesma touca usada no momento do delito. Segundo a vítima, esse segundo
policial “sempre estava usando um gorro na cabeça e tinha barba grisalha”.
O Ministério Público ofereceu denúncia
contra Antônio e Inácio.
Em juízo, a vítima e os policiais da
Corregedoria foram ouvidos.
A defesa de Inácio alegou a nulidade
do reconhecimento fotográfico porque foi desrespeitado por completo o art. 226
do CPP. Logo, postulou pela absolvição do agente.
O caso chegou ao STJ.
Inácio foi absolvido?
NÃO.
No julgamento do HC 598.886/SC, a 6ª
Turma do STJ determinou que, a partir daquele entendimento, deveria ser
reconhecida “a invalidade de qualquer reconhecimento formal - pessoal ou
fotográfico - que não siga estritamente o que determina o art. 226 do CPP, sob
pena de continuar-se a gerar uma instabilidade e insegurança de sentenças
judiciais”.
Posteriormente, em sessão
ocorrida no dia 15/03/2022, a 6ª Turma, por ocasião do julgamento do HC
712.781/RJ, avançou em relação à compreensão anteriormente externada no HC
598.886/SC e decidiu que, mesmo se realizado em conformidade com o modelo legal
(art. 226 do CPP), o reconhecimento pessoal, embora seja válido, não tem força
probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da
autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica.
Todavia, no caso, a condenação
não foi baseada apenas no reconhecimento realizado pela vítima, mas, também,
nas demais provas coligidas aos autos, sob o crivo do contraditório e da ampla
defesa.
Desse modo, se as demais provas
que compuseram o acervo fático-probatório amealhado aos autos foram produzidas
por fonte independente da que culminou com o elemento informativo obtido por
meio do reconhecimento fotográfico realizado na fase inquisitiva, de maneira
que, ainda que o reconhecimento haja sido feito em desacordo com o modelo legal
e, assim, não possa ser sopesado, nem mesmo de forma suplementar, para
fundamentar a condenação do réu, aquelas provas, independentes e suficientes o
bastante, produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, podem lastrear
o decreto condenatório.
Em suma:
Ainda que o reconhecimento fotográfico esteja em
desacordo com o procedimento previsto no art. 226 do CPP, deve ser mantida a
condenação quando houver outras provas produzidas sob o crivo do contraditório
e da ampla defesa, independentes e suficientes o bastante, para lastrear o
decreto condenatório.
STJ. 6ª
Turma. AgRg nos EDcl no HC 656.845-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado
em 04/10/2022 (Info 758).
No mesmo sentido:
A desconformidade ao regime procedimental determinado no art.
226 do CPP deve acarretar a nulidade do ato e sua desconsideração para fins decisórios,
justificando-se eventual condenação somente se houver elementos independentes
para superar a presunção de inocência.
STF. 2ª Turma.
RHC 206846/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/2/2022 (Info
1045).