O que é detração penal?
A detração penal ocorre
quando
- o juiz desconta
- da pena ou da medida de
segurança aplicada ao réu
- o tempo que ele ficou preso
antes do trânsito em julgado
- ou o tempo em que ficou internado
em hospital de custódia (medida de segurança).
Exemplo:
Eduardo foi preso em flagrante
por roubo com emprego de arma em 02/01/2020.
Foi, então, denunciado pelo crime,
tendo respondido o processo preso preventivamente (cautelarmente).
Em 01/08/2020 foi sentenciado a 5
anos de reclusão, tendo ocorrido o trânsito em julgado.
Percebe-se, portanto, que Eduardo
ficou preso provisoriamente (antes do trânsito em julgado) durante 7 meses.
Este período de prisão provisória
(7 meses) deverá ser descontado, pelo magistrado, da pena imposta a Eduardo (5
anos).
Assim, restará a Eduardo cumprir
ainda 4 anos e 5 meses de reclusão.
O ato do juiz de descontar este
período é chamado, pela lei, de detração.
A detração está prevista no art. 42 do Código
Penal:
Art. 42. Computam-se, na pena
privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão
provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e
o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo
anterior.
Veja como o tema já foi cobrado em prova:
þ
(Cartórios TJCE 2018) O abatimento na
pena privativa de liberdade e na medida de segurança, do tempo de prisão
provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de
internação em hospital de custódia, ou outro estabelecimento adequado é chamado
de detração. (certo)
þ
(Agente Penitenciário 2018 FCC) A detração consiste no cômputo do tempo de
prisão preventiva na pena privativa de liberdade. (certo)
“Por prisão provisória, devem ser entendidas todas as formas
de prisão cautelar admitidas processualmente: prisão em flagrante, preventiva
etc.” ▪Paulo Queiroz, Curso de direito penal. v. 1.
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
João foi condenado a uma pena de
5 anos de reclusão.
Vale ressaltar que, durante o
processo, João não ficou preso preventivamente (não ficou em uma delegacia,
cadeira pública ou outra unidade prisional).
No entanto, durante o processo, o juiz determinou que João
deveria se submeter à medida cautelar de recolhimento domiciliar noturno (das
19h às 6h), aos finais de semana e dias não úteis, cumulada com fiscalização
eletrônica (tornozeleira eletrônica), nos termos do art. 319, V e IX, do CPP:
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
(...)
V - recolhimento domiciliar no período
noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e
trabalho fixos;
(...)
IX - monitoração eletrônica.
Durante 1 ano, João cumpriu essa
medida cautelar diversa da prisão.
Diante disso, indaga-se:
esse 1 ano poderá ser descontado da pena imposta com base na detração?
SIM.
O período de recolhimento
obrigatório noturno e nos dias de folga deve ser reconhecido como período a ser
detraído da pena privativa de liberdade e da medida de segurança. Isso porque,
a despeito de o réu não se encontrar preso em uma unidade prisional, ele está
com sua liberdade comprometida.
Deve-se interpretar a legislação
que regula a detração de forma que favoreça o sentenciado. Isso harmoniza-se
com o Princípio da Humanidade, que impõe ao juízo da Execução Penal a especial
percepção da pessoa presa como sujeito de direitos.
Se fosse proibida a detração nesse
caso, estaríamos diante de excesso de execução e de bis in idem. Isso porque
a medida cautelar imposta com base no art. 319, V e IX, do CPP representou uma limitação
objetiva à liberdade do réu, ainda que menos grave que a prisão.
A medida cautelar do art. 319, V
e IX, impede o acautelado de sair de casa após o anoitecer e em dias não úteis
e, dessa forma, assemelha-se ao cumprimento de pena em regime prisional
semiaberto.
O cumprimento de pena em regime
semiaberto gera direito à detração, razão pela qual a presente situação também
deve garantir o mesmo direito.
Aplica-se aqui o brocardo latino Ubi
eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, que significa, em uma tradução
literal: onde existe a mesma razão fundamental, aplica-se a mesma regra
jurídica.
Nas exatas palavras do Min. Joel Ilan Paciornik:
“Nessa
conformidade, o recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga estabelece
que o investigado deverá permanecer recolhido em seu domicílio durante a noite
e nos dias de folga, desde que possua residência e trabalho fixos. Essa medida
não se confunde com a prisão domiciliar, mas atinge diretamente a liberdade de
locomoção do investigado, ainda que de forma parcial e/ou momentânea,
impondo-lhe a obrigação de permanência no local em que reside.
Não há dúvidas
de que a determinação de recolhimento domiciliar noturno compromete o status
libertatis do acusado, constituindo uma inexorável privação à genuína
liberdade.”
O STJ, nos casos em que há a
configuração dos requisitos do art. 312 do CPP, admite que a condenação em
regime semiaberto produza efeitos antes do trânsito em julgado da sentença
(prisão preventiva compatibilizada com o regime carcerário do título
prisional). Nessa perspectiva, mostra-se incoerente impedir que a medida
cautelar que pressuponha a saída do paciente de casa apenas para laborar, e
durante o dia, seja descontada da reprimenda.
Desse modo, podemos dizer que as hipóteses previstas no art.
42 do Código Penal (prisão provisória, prisão administrativa e internação) não
representam um rol taxativo:
Art. 42. Computam-se, na pena
privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou
no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos
estabelecimentos referidos no artigo anterior.
No exemplo que dei acima, o
juiz determinou a monitoração eletrônica. E se o magistrado não tivesse imposto
essa determinação? E se o juiz tivesse determinado, mas não havia tornozeleiras
disponíveis? Mesmo assim, o tempo que o réu ficou submetido à medida cautelar
de recolhimento seria computado para fins de detração?
SIM.
O monitoramento eletrônico não é
condição imprescindível para que o réu tenha direito à detração.
Dizendo de forma mais clara: o
réu que cumpra medida cautelar de recolhimento noturno tem direito à detração,
mesmo que esteja sem fiscalização eletrônica.
O monitoramento é medida de
vigilância, que afeta os direitos fundamentais, destacadamente a
intangibilidade corporal do acusado, como o direito à saúde física.
É possível sua aplicação isolada
ou cumulativamente com outra medida. Neste último caso, vigia-se o cumprimento
da proibição de acesso ou frequência a determinados lugares (art. 319, II), da
proibição de ausentar-se da comarca (art. 319, IV), do recolhimento noturno
(art. 319, V), ou mesmo da proibição de ausentar-se do país (art. 320) e da
própria prisão domiciliar (art. 318).
O monitoramento eletrônico é
ainda pouco utilizado no país, seja por conta do alto custo ou, ainda, em razão
de dúvidas quanto à efetividade da medida. Além disso, mais de 80% dos casos
não se destinam à substituição da prisão, mas sim ao controle e à vigilância de
pessoas já condenadas a penas de prisão e que passaram a ser monitoradas
durante as saídas temporárias ou na transferência para a prisão domiciliar.
Conforme assevera o Min. Joel Ilan Paciornik:
“(...) levando
em conta a precária utilização da medida cautelar e, a partir da consideração
de que o recolhimento noturno já priva a liberdade de quem a ele se submete,
não se vislumbra a necessidade de dupla restrição para que se possa chegar ao
grau de certeza do cumprimento efetivo do tempo de custódia cautelar,
notadamente tendo em conta que o monitoramento eletrônico é atribuição do
Estado, não podendo o investigado não monitorado receber tratamento não
isonômico em relação àqueles que cumpriram a mesma medida de recolhimento
noturno e nos dias de folga, mas monitorados.”
Obs: aqui nós temos uma mudança
de entendimento do STJ. Isso porque, anteriormente, o Tribunal exigia o
monitoramento eletrônico. Veja a posição superada:
É possível considerar o tempo submetido à medida cautelar de
recolhimento noturno, aos finais de semana e dias não úteis, supervisionados
por monitoramento eletrônico, com o tempo de pena efetivamente cumprido,
para detração da pena.
STJ. 3ª Seção. HC 455.097/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em
14/04/2021 (Info 693).
A determinação para o
recolhimento domiciliar normalmente é feita em horas (ex: o réu tem que ficar
em casa das 19h da sexta-feira até às 6h da segunda-feira). A pena imposta, por
sua vez, é fixada em anos, meses e dias (ex: condeno o réu a 5 anos, 1 mês e 10
dias). Como fazer o cálculo da remição? Como transformar essas horas de
recolhimento domiciliar em dias?
O cálculo da detração deverá
considerar apenas a quantidade de horas efetivas de recolhimento domiciliar.
O recolhimento noturno,
diferentemente da prisão preventiva, tem restrições pontuais ao direito de
liberdade. Por essa razão, o STJ afirmou que o cálculo da detração considerará
a soma da quantidade de horas efetivas de recolhimento domiciliar com
monitoração eletrônica, as quais serão convertidas em dias para o desconto da
pena.
Assim, o tempo a ser aferido para
fins de detração é somente aquele em que o acautelado se encontra
obrigatoriamente recolhido em casa, não sendo computado o período em que lhe é
permitido sair.
A soma das horas de recolhimento
domiciliar a que o réu foi submetido devem ser convertidas em dias para
contagem da detração da pena. E, se no cômputo total remanescer período menor
que 24 horas, esse tempo deverá ser desconsiderado, em atenção à regra do art.
11 do Código Penal, segundo a qual devem ser desprezadas, nas penas privativas
de liberdade e nas restritivas de direito, as frações de dia.
Exemplo hipotético:
O juiz determinou que Pedro fique
recolhido durante os fins de semana, de 19h de sexta-feira até às 6h de
segunda-feira. Isso representa 59 horas. Ele ficou assim durante 12 fins de
semana. Logo, ficou recolhido durante 708 horas (59 x 12). Divide-se 708 por 24
= 29,5.
Pedro terá direito de abater 29
dias da sua pena, sendo desprezado esse 0,5 (que corresponderia a 12 horas).
Consolidando as três
perguntas e respostas feitas acima em forma de tese:
2. O monitoramento
eletrônico associado, atribuição do Estado, não é condição indeclinável para a
detração dos períodos de submissão a essas medidas cautelares, não se
justificando distinção de tratamento ao investigado ao qual não é determinado e
disponibilizado o aparelhamento.
3. A soma das horas
de recolhimento domiciliar a que o réu foi submetido devem ser convertidas em
dias para contagem da detração da pena. Se no cômputo total remanescer período
menor que vinte e quatro horas, essa fração de dia deverá ser desprezada.
STJ. 3ª
Seção. REsp 1.977.135-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 23/11/2022
(Recurso Repetitivo – tema 1155) (Info 758).
Cuidado
Existem julgados do STF em
sentido contrário:
A orientação jurisprudencial
desta Suprema Corte é no sentido de que a detração da pena privativa de
liberdade não abrange o cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão
por falta de previsão legal.
STF. 1ª Turma.
HC 205.740/SC AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 22/04/2022.
Não há que se falar em detração penal do tempo em que o
recorrente esteve em cumprimento de medida cautelar, consistente no
recolhimento domiciliar noturno. Por força de lei, descabe detrair das penas o
período de cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão, porquanto o
art. 42, do Código Penal, não prevê a aplicabilidade do benefício a esta
hipótese, sendo, ainda, manifestamente contrária à lei a aplicação dos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para justificar a detração
com base no fato de que algumas espécies de medidas cautelares comprometam o
status libertatis do acusado.
RHC 151.575/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 03/8/2018.