Imagine a seguinte situação
hipotética:
Lucas, atirador desportivo, estava
dirigindo com destino ao clube de tiros de sua cidade.
Ele foi parado em uma blitz e os
policiais encontraram no interior no veículo a sua arma de fogo, que ele levava
para praticar o tiro desportivo.
O problema foi que Lucas não estava com a Guia de Tráfego de sua arma de fogo, um documento que é de porte obrigatório para que o atirador desportivo possa estar na rua com sua arma. Ele havia esquecido o documento em casa.
Diante desse cenário, os policiais
efetuaram a prisão em flagrante de Lucas.
Ele foi, posteriormente, denunciado pelo Ministério Público
como incurso nas penas do crime de porte ilegal de arma de fogo, delito
previsto no art. 14 da Lei nº 10.826/2003:
Porte ilegal de arma de fogo de
uso permitido
Art. 14. Portar, deter, adquirir,
fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que
gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma
de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo
com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4
(quatro) anos, e multa.
A defesa impetrou habeas corpus explicando
e comprovando que Lucas possui o certificado de registro para a prática de tiro
desportivo, bem como a guia de tráfego para transportar a arma até o clube de
tiros, no entanto, naquele dia, havia esquecido o documento.
A questão chegou até o STJ.
Lucas praticou crime?
NÃO.
A acusação imputou ao paciente o
crime previsto no art. 14 da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), em
virtude de o agente estar transportando uma arma de fogo de uso permitido sem
portar a necessária guia de tráfego no momento da abordagem.
Todavia, não é possível a
imputação de uma conduta como típica sem analisar a proporcionalidade entre o
fato e a respectiva sanção penal.
O acusado possui o certificado de
registro para a prática de tiro desportivo, bem como a guia de tráfego para
transportar a arma até o clube de tiros, e o Ministério Público ofereceu a
denúncia apenas por ter o agente se olvidado de carregar consigo a referida
guia quando se deslocava da sua residência para o clube.
Dessa forma, conclui-se que a
tipificação dessa conduta como crime ofende o princípio da proporcionalidade e
deve ser repelida, por não encontrar abrigo no moderno Direito Penal.
A simples ausência de cumprimento
de uma formalidade não pode fazer com que o agente possa ser considerado
criminoso, até porque ele é colecionador de armas e não praticou nenhum ato que
pudesse colocar em risco a incolumidade de terceiros, pois a sua conduta não
pode ser considerada como ilícito penal.
Em suma:
STJ. 5ª Turma. AgRg no AgRg no RHC 148.516-SC, Rel. Min. Joel Ilan
Paciornik, julgado em 09/08/2022 (Info 753).