Imagine a seguinte situação
hipotética:
João mora em um apartamento
alugado. Ele economizou dinheiro e conseguiu comprar um terreno. Ali iniciou a
construção de uma casa para morar com a sua família.
Ocorre que João tinha uma dívida
antiga com o banco, que estava sendo cobrada em execução.
O juiz do processo de execução, a
pedido do banco, determinou a penhora do terreno onde está sendo construída a
casa.
João ingressou com exceção de
pré-executividade alegando que esse imóvel é bem de família, sendo, portanto,
impenhorável.
O juiz rejeitou o pedido argumentando que a Lei nº 8.009/90
protege a única residência do devedor, destinada à sua moradia ou de seus
familiares, não abrangendo imóveis em construção:
Art. 1º O imóvel residencial
próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por
qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra
natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus
proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
(...)
Art. 5º Para os efeitos de
impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único
imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.
A sentença foi mantida pelo
Tribunal de Justiça.
Agiu corretamente o
magistrado?
NÃO.
As instâncias de origem (Juiz e
TJ) entenderam que uma das condições ou requisitos para a proteção legal
conferida pela Lei nº 8.009/90 seria a efetiva fixação de residência no imóvel,
o que, no momento, não se afiguraria possível por estar a unidade habitacional
em fase de construção. Desse modo, foi adotada uma interpretação literal e
restritiva dos arts. 1º e 5º da Lei nº 8.009/90.
Não agiram, contudo,
corretamente.
Se já há edificação para fins de
moradia em curso, a interpretação que melhor atende ao escopo da Lei nº
8.009/90 é a de que esse imóvel já goza da impenhorabilidade como bem de
família, desde que, obviamente, seja o único bem de propriedade do devedor e
não esteja presente nenhuma das exceções que autorizam a penhora (arts. 3º e 4º
da Lei).
Assim, a obra inacabada já se
presume como residência e deve ser protegida. Para fins de proteção do bem de
família, deve-se adotar uma interpretação finalística e valorativa da Lei nº
8.009/90, uma interpretação que leve em consideração o contexto sociocultural e
econômico do País.
Diante disso, o imóvel adquirido
para o escopo de moradia futura, ainda que não esteja a unidade habitacional
pronta - por estar em etapa preliminar de obra, sem condições para qualquer
cidadão nela residir -, fica excluído da constrição judicial, uma vez que a
situação econômico-financeira vivenciada por boa parte da população brasileira
evidencia que a etapa de construção imobiliária, muitas vezes, leva anos de
árduo esforço e constante trabalho para a sua concretização, para fins
residenciais próprios ou para obtenção de frutos civis voltados à subsistência
e moradia em imóvel locado.
Não confundir:
• exceções ao bem de família
(arts. 3º e 4º da Lei): devem ser interpretadas restritivamente, sendo vedado
ao julgador criar hipóteses de limitação da impenhorabilidade do bem de
família, isto é, dos direitos fundamentais que regem a matéria;
• conceito de bem de família: deve-se
adotar uma interpretação finalística e valorativa.
Em suma:
STJ. 4ª
Turma. REsp 1.960.026-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 11/10/2022 (Info
753).