Dizer o Direito

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

O termo inicial da contagem do prazo da prescrição da pretensão executória é o trânsito em julgado para ambas as partes

 

Conceito de prescrição

Prescrição é a perda do direito do Estado de punir (pretensão punitiva) ou de executar uma punição já imposta (pretensão executória) em razão de não ter agido (inércia) nos prazos previstos em lei.

 

Espécies

Existem duas espécies de prescrição:

I – Prescrição da pretensão punitiva, que pode ser:

I.a) prescrição da pretensão punitiva propriamente dita;

I.b) prescrição superveniente ou intercorrente;

I.c) prescrição retroativa;

 

II – Prescrição da pretensão executória.

 

Prescrição da pretensão executória (prescrição da condenação)

Ocorre quando o Estado perde o seu poder-dever de executar uma sanção penal já definitivamente imposta pelo Poder Judiciário em razão de não ter agido nos prazos previstos em lei.

 

Cálculo da prescrição executória no caso de pena privativa de liberdade

A prescrição da pretensão executória da pena privativa de liberdade é calculada com base na pena concreta, fixada na sentença ou no acórdão que já transitou em julgado e, portanto, não pode mais ser alterada.

 

Termo inicial

Como vimos, o Estado tem um prazo máximo para fazer com que o réu condenado inicie o cumprimento da pena. Caso não o faça, ocorre a prescrição executória.

A pergunta é: a partir de que dia começa a correr esse prazo que o Estado tem para fazer com que o condenado inicie o cumprimento da pena? Dito de outra forma: qual é o termo inicial do prazo da prescrição da pretensão executória?

A resposta encontra-se no art. 112, I do Código Penal:

Termo inicial da prescrição após a sentença condenatória irrecorrível

Art. 112. No caso do art. 110 deste Código [que trata da prescrição executória], a prescrição começa a correr:

I - do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional;

(...)

 

Desse modo, segundo o art. 112, I do CP, o termo inicial da prescrição executória é a data do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação.

 

E se o MP não recorre, mas a defesa apresenta recurso?

Nesse caso, a sentença condenatória transitou em julgado para a acusação. Logo, segundo a redação do art. 112, I do CP, inicia-se a contagem do prazo de prescrição executória mesmo ainda estando pendente a apreciação do recurso interposto pela defesa.

 

Veja o seguinte exemplo hipotético:

João foi condenado a 4 anos de reclusão, sentença mantida pelo Tribunal de Justiça.

O Ministério Público concordou com o acórdão e não recorreu, razão pela qual ocorreu o trânsito em julgado para a acusação no dia 18/02/2010.

O advogado do réu apresentou recurso extraordinário, de forma que, para a defesa, não houve trânsito em julgado.

 

Qual é o prazo de prescrição executória quando o réu é condenado a 4 anos?

A prescrição ocorre em 8 anos (art. 109, IV, do CP). Em outras palavras, se o réu for condenado a 4 anos, o Estado tem o poder-dever de fazer com que esse condenado inicie o cumprimento da pena em até 8 anos. Se passar desse prazo, o Estado perde o poder de executar a sanção e o condenado não mais terá que cumprir a pena imposta.

 

Em nosso exemplo, quando se iniciou a contagem do prazo de prescrição executória (levando-se em consideração a literalidade da regra do art. 112, I do CP)?

No dia 18/02/2010, data em que a sentença transitou em julgado para a acusação. Isso significa que o Estado tinha um prazo de 8 anos para fazer com que o réu iniciasse o cumprimento da pena.

Se o réu não começou a cumprir a pena até 18/02/2018, aconteceu a prescrição.

Essa é a regra que está presente no art. 112, I do CP.

 

Crítica à regra do art. 112, I do CP

A CF/88 prevê que ninguém poderá ser considerado culpado até que haja o trânsito em jugado da sentença penal condenatória (art. 5º, LVII). Por força desse princípio, o STF entende que não existe no Brasil a execução provisória (antecipada) da pena.

Assim, o STF entende que, enquanto não tenha havido trânsito em julgado para a acusação e para a defesa, o réu não pode ser obrigado a iniciar o cumprimento da pena.

Se ainda está pendente de julgamento qualquer recurso da defesa, o condenado não pode iniciar o cumprimento da pena porque ainda é presumivelmente inocente.

Desse modo, perceba a seguinte situação peculiar que o art. 112, I, do CP ocasiona:

• se o réu for condenado, a defesa recorrer e o MP não, esse condenado não pode iniciar o cumprimento da pena enquanto estiver pendente o recurso;

• apesar disso, pela redação literal do art. 112, I, do CP, já começa a correr o prazo da prescrição executória.

 

Diante desse paradoxo que pode ser ocasionado pela regra do art. 112, I, do CP, alguns doutrinadores e membros do Ministério Público idealizaram a seguinte tese:

O início do prazo da prescrição executória deve ser o momento em que ocorre o trânsito em julgado para ambas as partes, ou seja, tanto para a acusação como para a defesa.

Não se pode dizer que o prazo prescricional começa com o trânsito em julgado apenas para a acusação, uma vez que, se a defesa recorreu, o Estado não pode dar início à execução da pena, já que ainda não há uma condenação definitiva.

Se há recurso da defesa, o Estado não inicia o cumprimento da pena não por desinteresse dele, mas sim porque há uma vedação de ordem constitucional decorrente do princípio da presunção de inocência. Ora, se não há desídia do Estado, não se pode falar em prescrição.

Desse modo, foi uma tese que surgiu para desconsiderar a interpretação literal do art. 112, I, do CP.

 

Essa tese que desconsidera a regra do art. 112, I, do CP foi aceita pela jurisprudência?

Antiga posição do STJ: não.

O STJ aplicava a literalidade do art. 112, I, do CP. Logo, entendia que o termo inicial da prescrição da pretensão executória era a data do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação, ainda que a defesa tenha recorrido e que se esteja aguardando o julgamento desse recurso. Nesse sentido:

Nos termos do art. 112, I, do Código Penal, o termo inicial do prazo da prescrição da pretensão executória é a data do trânsito em julgado para a acusação, e não para ambas as partes, prevalecendo a interpretação literal mais benéfica ao condenado. Precedentes.

STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 555.043/SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/05/2020.

 

O STJ dizia que:

·         o argumento de que se deveria aguardar o trânsito em julgado para ambas as partes não tem previsão legal e contraria o texto do Código Penal;

·         não se pode querer “corrigir” a redação do art. 112, I, do CP invocando-se o art. 5º, LVII da CF/88, porque, nesse caso, se estaria utilizando um dispositivo da Constituição Federal para respaldar uma “interpretação” totalmente desfavorável ao réu e contra expressa disposição legal;

·         exigir o trânsito em julgado para ambas as partes como termo inicial da contagem do lapso da prescrição da pretensão executória, ao contrário do texto expresso da lei, seria inaugurar novo marco interruptivo da prescrição não previsto no rol taxativo do art. 117 do CP, situação que também afrontaria o princípio da reserva legal;

·         assim, somente com a devida alteração legislativa é que seria possível modificar o termo inicial da prescrição da pretensão executória, e não por meio de “adequação hermenêutica”.

 

Ocorre que o STF passou a decidir de forma contrária, conforme veremos abaixo.

 

Posição do STF: SIM

O STF acolheu a tese do MP e disse que o art. 112, I, do CP deveria merecer uma interpretação sistemática, à luz da jurisprudência no sentido de que somente é possível a execução da decisão condenatória depois do trânsito em julgado.

Assim, se é possível a execução provisória da pena, não é razoável considerar que o curso da prescrição da pretensão punitiva já começou a correr pelo simples fato de a acusação não ter recorrido. Ora, não é possível prescrever aquilo que não pode ser executado:

(...) 2. A partir do julgamento pelo Plenário desta Corte do HC nº 84.078, deixou-se de se admitir a execução provisória da pena, na pendência do RE.

3. O princípio da presunção de inocência ou da não-culpabilidade, tal como interpretado pelo STF, deve repercutir no marco inicial da contagem da prescrição da pretensão executória, originariamente regulado pelo art. 112, I do Código Penal.

4. Como consequência das premissas estabelecidas, o início da contagem do prazo de prescrição somente se dá quando a pretensão executória pode ser exercida. (...)

STF. 1ª Turma. HC 107710 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 09/06/2015.

 

 

A prescrição da pretensão executória, no que pressupõe quadro a revelar a possibilidade de execução da pena, tem como marco inicial o trânsito em julgado, para ambas as partes, da condenação.

STF. Plenário. AI 794971 AgR, Relator(a) p/ Acórdão: Marco Aurélio, julgado em 19/04/2021.

 

Posição ATUAL do STJ: SIM

O STJ se alinhou ao entendimento do STF e passou a decidir que:

O termo inicial da contagem do prazo da prescrição da pretensão executória é o trânsito em julgado para ambas as partes.

STJ. 3ª Seção. AgRg no REsp 1.983.259-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado 26/10/2022 (Info 755).

 

Por ter havido manifestação do Plenário do STF sobre a controvérsia, essa orientação firmada pelo Supremo passou a também ser aplicada nos julgamentos do STJ.


Print Friendly and PDF