O que são terrenos de marinha?
Terrenos de marinha são “todos aqueles
que, banhados pelas águas do mar ou dos rios e lagoas navegáveis (estes
últimos, exclusivamente, se sofrerem a influência das marés, porque senão serão
terrenos reservados), vão até a distância de 33 metros para a parte da terra
contados da linha do preamar médio, medida em 1831” (CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo.
Salvador: Juspodivm, 2013, p. 417).
Os terrenos de marinha são bens da
União (art. 20, VII, da CF/88). Isso se justifica por se tratar de uma região
estratégica em termos de defesa e de segurança nacional (é a “porta de entrada”
de navios mercantes ou de guerra).
Enfiteuse (ou aforamento)
José
dos Santos Carvalho Filho (Manual de
Direito Administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 1311)
explica que, em algumas regiões, a União permitiu que particulares utilizassem,
de forma privada, imóveis localizados em terrenos de marinha. Como essas áreas
pertencem à União, o uso por particulares é admitido pelo regime da enfiteuse
(aforamento), que funciona, em síntese, da seguinte forma:
• a União (senhorio direto)
transfere ao particular (enfiteuta) o domínio útil;
• o particular (enfiteuta) passa
a ter a obrigação de pagar anualmente uma importância a título de foro ou
pensão.
O particular (enfiteuta) pode
transferir para outras pessoas o domínio útil que exerce sobre o bem?
SIM. Tome-se o seguinte exemplo:
João reside em uma casa localizada dentro de um terreno de marinha, possuindo,
portanto, apenas o domínio útil sobre o bem e pagando, anualmente, o foro.
Ocorre que ele quer se mudar. Diante disso, poderá “vender” o domínio útil para
outra pessoa.
A pessoa que transferir o domínio
útil do imóvel terá que pagar algum valor para a União?
SIM. A legislação estabelece que
a pessoa, antes de efetuar a transferência, deverá pagar 5% do valor do domínio
útil à União. Assim, em nosso exemplo, João terá que recolher em favor da União
5% do valor do domínio útil de sua casa pelo simples fato de ela estar
localizada em terreno de marinha.
Esse valor é
chamado de laudêmio
e seu pagamento está previsto no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398/87:
Art. 3º A transferência onerosa, entre
vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou de
cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio
pelo vendedor, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor
atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias. (Redação
dada pela Lei nº 13.465, de 2017)
Transação deve ser
comunicada à Secretaria do Patrimônio da União
Para a
concretização da transferência do aforamento, além do recolhimento prévio do
laudêmio, a transação precisa ser comunicada ao Serviço do Patrimônio da União
– SPU (atualmente denominado de Secretaria do Patrimônio da União). Assim, o
adquirente deverá requerer, no prazo de 60 dias, a transferência da enfiteuse
para o seu nome, conforme determina o art. 116 do Decreto-Lei 9.760/46:
Art. 116. Efetuada a transação e
transcrito o título no Registro de Imóveis, o adquirente, exibindo os
documentos comprobatórios, deverá requerer, no prazo de 60 (sessenta) dias, que
para o seu nome se transfiram as obrigações enfitêuticas.
§ 1º A transferência das obrigações
será feita mediante averbação, no órgão local do S.P.U., do título de aquisição
devidamente transcrito no Registro de Imóveis, ou, em caso de transmissão
parcial do terreno, mediante têrmo.
(...)
O § 2º do
art. 116 prevê uma multa para o caso de o adquirente não requerer essa
transferência:
§ 2º O adquirente estará sujeito à
multa de 0,50% (cinquenta centésimos por cento), por mês ou fração, sobre o
valor do terreno, caso não requeira a transferência no prazo estabelecido no
caput deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)
Feitas estas considerações,
imagine a seguinte situação hipotética:
João celebrou, em 01/08/2014, contrato
de promessa de compra e venda com determinada imobiliária.
Por meio do contrato, a
imobiliária (promitente vendedora) comprometeu-se a vender a João um
apartamento em edifício situado em terreno de marinha.
Em contrapartida, João obrigou-se
a pagar o valor de R$ 600 mil, parceladamente.
Em 01/09/2016, João efetuou o registro
do título translativo (contrato) no cartório de Registro de Imóveis.
No contrato firmado com a
imobiliária, havia uma cláusula prevendo que as despesas referentes ao laudêmio
devido à União seriam pagas pelo promitente-adquirente da unidade (no caso,
João).
Indaga-se: essa cláusula é
válida? O dever legal de pagar o laudêmio é do titular do domínio útil que o
está transferindo, ou seja, o dever seria do promitente vendedor. É possível
que esse dever seja transferido, por contrato, ao promitente comprador?
SIM.
É válida cláusula inserta em contrato de promessa de compra e
venda de imóvel situado em terreno de marinha que estipule ser da
responsabilidade do promitente-adquirente o pagamento do laudêmio devido à União,
embora a referida cláusula não seja oponível ao ente público.
STJ. 4ª Turma. REsp 888666-SE, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em
15/12/2015 (Info 575).
Voltando ao caso concreto:
O contrato foi firmado em 2014,
mas o registro do imóvel só ocorreu em 2016.
Qual foi o problema?
Em 30/12/2015, foi publicada a Lei
nº 13.240/2015, que excluiu da base de cálculo do laudêmio o valor das
benfeitorias, passando a incidir referido preço público somente sobre o valor
da fração ideal do terreno. Em outras palavras, essa Lei nº 13.240/2015 trouxe
uma mudança na cobrança do laudêmio.
Em nosso caso concreto,
essa mudança será aplicada? O laudêmio devido em razão dessa venda será
calculado com base na Lei nº 13.240/2015?
SIM.
Deve-se aplicar a lei vigente no
momento do registro do título translativo no Registro de Imóveis, ainda que
outra fosse a lei vigente na época da realização do negócio jurídico. Isso
porque o fato gerador do laudêmio não ocorre na celebração do contrato de
compra e venda, nem no dia de sua quitação, mas sim na data do registro do
imóvel no cartório de Registro de Imóveis (art. 1.227 do CC/2002), que é o
momento em que ocorre a transferência do domínio útil do aludido direito real.
Em suma:
O fato gerador do laudêmio é o registro do imóvel em
Cartório de Registro de Imóveis, que é o momento em que ocorre a transferência
do domínio útil do aludido direito real.
STJ. 1ª
Turma. REsp 1.833.609-PE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 08/11/2022 (Info
757).