Dizer o Direito

domingo, 11 de dezembro de 2022

O delito de favorecimento à exploração sexual de adolescente não exige habitualidade, tratando-se de crime instantâneo

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João (maior de idade) ofereceu R$ 20,00 para uma adolescente de 14 anos para com ela praticar relação sexual. O ato sexual foi consumado.

 

Qual foi o crime praticado por João?

João praticou o delito previsto no inciso I do § 2º art. 218-B, do CP, que tem a seguinte redação:

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

(...)

§ 2º Incorre nas mesmas penas:

I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;

 

Esse art. 218-B foi acrescentado ao Código Penal pela Lei nº 12.015/2009 e revogou tacitamente o crime do art. 244-A do ECA, passando a dispor sobre o tema.

 

O crime se consuma mesmo que haja apenas uma relação sexual?

SIM. O tipo penal não exige habitualidade. Basta um único contato consciente com a adolescente submetida à prostituição para que se configure o crime.

No art. 218-B, § 2º, I, pune-se a mera prática de relação sexual com adolescente submetido à prostituição – e nessa conduta não se exige reiteração, poder de mando, ou introdução da vítima na habitualidade da prostituição.

Esse é o entendimento consolidado no STJ, que foi novamente reiterado neste julgado:

 

As normas penais que tutelam a dignidade sexual de crianças e adolescentes devem ser interpretadas à luz das obrigações internacionais assumidas pelo Brasil quanto à proteção da pessoa humana em desenvolvimento contra todas as formas de exploração sexual e das disposições constitucionais que impõem o paradigma da proteção integral.

Ao ratificar a Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto nº 99.710/90), o Brasil se comprometeu a adotar todas as medidas necessárias para proteger pessoas com idade inferior a 18 (dezoito) anos contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual (arts. 19 e 34 da Convenção). Este compromisso internacional está em consonância com a norma constitucional que confere absoluta prioridade à proteção dos direitos da criança e do adolescente, determinando que a lei deve punir severamente o abuso, a violência e a exploração sexual contra elas praticado (art. 227, caput e § 4º, da CF/88).

Nesse contexto, é inadmissível a interpretação de que o delito previsto no art. 218-B do Código Penal exija a presença de habitualidade. De fato, o simples oferecimento de vantagem pecuniária à criança ou adolescente em troca de atos sexuais configura, por si só, induzimento a situação de exploração sexual apta a justificar a tipificação da conduta.

“Quem, se aproveitando da idade da vítima, oferece-lhe dinheiro em troca de favores sexuais está a explorá-la sexualmente, pois se utiliza da sexualidade de pessoa ainda em formação como mercancia.” (STJ. 3ª Seção. EREsp 1.530.637/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 17/09/2021). Por essa razão, enquadra-se na situação de exploração sexual qualquer tipo de oferta econômica a criança ou adolescente em troca da prática de atos sexuais, mesmo que objetivando a obtenção de um único ato libidinoso ou que não haja intermediação de terceiros.

O delito de favorecimento à exploração sexual de criança ou adolescente, portanto, não exige habitualidade, tratando-se de crime instantâneo, que se consuma no momento em que o agente obtém a anuência para práticas sexuais com a vítima menor de idade, mediante artifícios como a oferta de dinheiro ou outra vantagem, ainda que o ato libidinoso não seja efetivamente praticado.

Esta interpretação da norma do art. 218-B, caput, do Código Penal é a única capaz de cumprir com a exigência de proteção integral da pessoa em desenvolvimento contra todas as formas de exploração sexual.

 

Imagine que Pedro oferece dinheiro para ter relações sexuais com duas adolescentes; as duas aceitam; eles vão até a casa de Pedro que faz sexo apenas com uma delas (vítima A), enquanto a outra (vítima B) apenas assistiu o ato. Neste caso, o crime foi praticado contra apenas uma ou contra as duas? Haverá dois crimes do art. 218-B em concurso formal?

SIM. O crime foi praticado contra as duas.

“Da leitura do tipo previsto no artigo 218-B do Código Penal, depreende-se que para a configuração do ilícito em comento não se exige, como aduz o impetrante, que a vítima efetivamente se prostitua, bastando que seja induzida a fazê-lo.” (STJ. 5ª Turma. HC 247.833/PB, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 18/10/2012).

No exemplo dado, a segunda vítima (vítima B) já se encontrava inteiramente à disposição do agente, não havendo dúvida que o favorecimento da prostituição se perfectibilizou.

A consumação do delito do art. 218-B, caput, do Código Penal, dispensa “o efetivo comércio do corpo, bastando praticar atos inequívocos nesse sentido” (PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 646).

 

DOD Plus – informações extras

Suponhamos que a vítima fosse prostituta há algum tempo antes do fato acima narrado. Isso mudaria alguma coisa? A conduta de João deixaria de ser crime?

NÃO. O fato de a vítima já ser corrompida, atuante na prostituição, é irrelevante para o tipo penal. Isso porque o delito do art. 218-B do CP não pune a deterioração moral da vítima, mas sim o incentivo à atividade de prostituição, inclusive por aproveitamento eventual dessa atividade como cliente.

Pune-se não somente quem atua para a prostituição do adolescente – induzindo, facilitando ou submetendo à prática ou, ainda, dificultando ou impedindo seu abandono –, mas também quem se serve desta atividade.

Trata-se de ação político-social de defesa do adolescente, mesmo contra a vontade deste, pretendendo afastá-lo do trabalho de prostituição pela falta de quem se sirva de seu atendimento.

STJ. 6ª Turma. HC 288374-AM, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 5/6/2014 (Info 543).

 

O “cliente” da exploração sexual (art. 218-B do CP) pode ser punido sozinho, ou seja, mesmo que não haja um proxeneta

O delito previsto no art. 218-B, § 2°, inciso I, do Código Penal, na situação de exploração sexual, não exige a figura do terceiro intermediador.

A configuração do crime do art. 218-B do CP não pressupõe a existência de terceira pessoa, bastando que o agente, por meio de pagamento, convença a vítima, maior de 14 e menor de 18 anos, a praticar com ele conjunção carnal ou outro ato libidinoso, de modo a satisfazer a sua própria lascívia.

STJ. 3ª Seção. EREsp 1530637/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/03/2021 (Info 690).

 

 

 

Crime hediondo

Vale ressaltar que o delito do art. 218-B do CP é classificado como crime hediondo, nos termos do art. 1º, VIII, da Lei nº 8.072/90:

Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:

(...)

VIII – favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º).

 

þ (PC/ES Perito 2019 CEBRASPE) É considerado hediondo o crime de favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável. (certo)

 

DOD Questões

Confira essa recente questão de concurso que exige vários dos conhecimentos acima explicados:

(Promotor MP/AP FGV 2022) Quanto à interpretação conferida ao delito previsto no Art. 218-B, §2º, I, do Código Penal (“favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável”), é correto afirmar que:

(A) não basta que o agente, por meio de pagamento, convença a vítima a praticar com ele conjunção carnal;

(B) a exploração sexual é verificada quando a sexualidade da pessoa menor de 14 anos é tratada como mercancia;

(C) a configuração do delito em questão não pressupõe a existência de terceira pessoa;

(D) a sexualidade de pessoa ainda em formação como mercancia depende da ação de terceiro intermediador;

(E) não basta que o agente, por meio de pagamento, convença a vítima a praticar com ele outro ato libidinoso.

Gabarito: letra C

 

 


Dizer o Direito!