Imagine a seguinte situação hipotética:
João (maior de idade) ofereceu R$
20,00 para uma adolescente de 14 anos para com ela praticar relação sexual. O
ato sexual foi consumado.
Qual foi o crime praticado por
João?
João praticou o delito previsto no inciso I do § 2º art.
218-B, do CP, que tem a seguinte redação:
Art. 218-B. Submeter, induzir ou
atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18
(dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar
que a abandone:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a
10 (dez) anos.
(...)
§ 2º Incorre nas mesmas penas:
I - quem pratica conjunção carnal
ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14
(catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;
Esse art. 218-B foi acrescentado
ao Código Penal pela Lei nº 12.015/2009 e revogou tacitamente o crime do art.
244-A do ECA, passando a dispor sobre o tema.
O crime se consuma mesmo que haja
apenas uma relação sexual?
SIM. O tipo penal não exige habitualidade.
Basta um único contato consciente com a adolescente submetida à prostituição
para que se configure o crime.
No art. 218-B, § 2º, I, pune-se a
mera prática de relação sexual com adolescente submetido à prostituição – e
nessa conduta não se exige reiteração, poder de mando, ou introdução da vítima
na habitualidade da prostituição.
Esse é o entendimento consolidado no STJ, que foi novamente
reiterado neste julgado:
STJ. 6ª
Turma. REsp 1.963.590/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 20/09/2022 (Info
754).
As normas penais que tutelam a
dignidade sexual de crianças e adolescentes devem ser interpretadas à luz das
obrigações internacionais assumidas pelo Brasil quanto à proteção da pessoa
humana em desenvolvimento contra todas as formas de exploração sexual e das
disposições constitucionais que impõem o paradigma da proteção integral.
Ao ratificar a Convenção sobre os
Direitos da Criança (Decreto nº 99.710/90), o Brasil se comprometeu a adotar
todas as medidas necessárias para proteger pessoas com idade inferior a 18
(dezoito) anos contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou
tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual (arts.
19 e 34 da Convenção). Este compromisso internacional está em consonância com a
norma constitucional que confere absoluta prioridade à proteção dos direitos da
criança e do adolescente, determinando que a lei deve punir severamente o
abuso, a violência e a exploração sexual contra elas praticado (art. 227, caput
e § 4º, da CF/88).
Nesse contexto, é inadmissível a
interpretação de que o delito previsto no art. 218-B do Código Penal exija a
presença de habitualidade. De fato, o simples oferecimento de vantagem
pecuniária à criança ou adolescente em troca de atos sexuais configura, por si
só, induzimento a situação de exploração sexual apta a justificar a tipificação
da conduta.
“Quem, se aproveitando da idade
da vítima, oferece-lhe dinheiro em troca de favores sexuais está a explorá-la
sexualmente, pois se utiliza da sexualidade de pessoa ainda em formação como
mercancia.” (STJ. 3ª Seção. EREsp 1.530.637/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe
17/09/2021). Por essa razão, enquadra-se na situação de exploração sexual
qualquer tipo de oferta econômica a criança ou adolescente em troca da prática
de atos sexuais, mesmo que objetivando a obtenção de um único ato libidinoso ou
que não haja intermediação de terceiros.
O delito de favorecimento à
exploração sexual de criança ou adolescente, portanto, não exige habitualidade,
tratando-se de crime instantâneo, que se consuma no momento em que o agente
obtém a anuência para práticas sexuais com a vítima menor de idade, mediante
artifícios como a oferta de dinheiro ou outra vantagem, ainda que o ato
libidinoso não seja efetivamente praticado.
Esta interpretação da norma do
art. 218-B, caput, do Código Penal é a única capaz de cumprir com a exigência
de proteção integral da pessoa em desenvolvimento contra todas as formas de
exploração sexual.
Imagine que Pedro oferece
dinheiro para ter relações sexuais com duas adolescentes; as duas aceitam; eles
vão até a casa de Pedro que faz sexo apenas com uma delas (vítima A), enquanto
a outra (vítima B) apenas assistiu o ato. Neste caso, o crime foi praticado
contra apenas uma ou contra as duas? Haverá dois crimes do art. 218-B em
concurso formal?
SIM. O crime foi praticado contra
as duas.
“Da leitura do tipo previsto no
artigo 218-B do Código Penal, depreende-se que para a configuração do ilícito
em comento não se exige, como aduz o impetrante, que a vítima efetivamente se
prostitua, bastando que seja induzida a fazê-lo.” (STJ. 5ª Turma. HC
247.833/PB, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 18/10/2012).
No exemplo dado, a segunda vítima
(vítima B) já se encontrava inteiramente à disposição do agente, não havendo
dúvida que o favorecimento da prostituição se perfectibilizou.
A consumação do delito do art.
218-B, caput, do Código Penal, dispensa “o efetivo comércio do corpo, bastando
praticar atos inequívocos nesse sentido” (PRADO, Luiz Regis. Comentários ao
Código Penal. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 646).
DOD Plus –
informações extras
Suponhamos que a vítima fosse
prostituta há algum tempo antes do fato acima narrado. Isso mudaria alguma
coisa? A conduta de João deixaria de ser crime?
NÃO. O fato de a vítima já ser
corrompida, atuante na prostituição, é irrelevante para o tipo penal. Isso
porque o delito do art. 218-B do CP não pune a deterioração moral da vítima,
mas sim o incentivo à atividade de prostituição, inclusive por aproveitamento
eventual dessa atividade como cliente.
Pune-se não somente quem atua
para a prostituição do adolescente – induzindo, facilitando ou submetendo à
prática ou, ainda, dificultando ou impedindo seu abandono –, mas também quem se
serve desta atividade.
Trata-se de ação político-social
de defesa do adolescente, mesmo contra a vontade deste, pretendendo afastá-lo
do trabalho de prostituição pela falta de quem se sirva de seu atendimento.
STJ. 6ª
Turma. HC 288374-AM, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 5/6/2014 (Info
543).
O “cliente” da exploração
sexual (art. 218-B do CP) pode ser punido sozinho, ou seja, mesmo que não haja
um proxeneta
O delito previsto no art. 218-B,
§ 2°, inciso I, do Código Penal, na situação de exploração sexual, não exige a
figura do terceiro intermediador.
A configuração do crime do art.
218-B do CP não pressupõe a existência de terceira pessoa, bastando que o
agente, por meio de pagamento, convença a vítima, maior de 14 e menor de 18
anos, a praticar com ele conjunção carnal ou outro ato libidinoso, de modo a
satisfazer a sua própria lascívia.
STJ. 3ª Seção. EREsp 1530637/SP,
Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/03/2021 (Info 690).
Crime hediondo
Vale ressaltar que o delito do art. 218-B do CP é
classificado como crime hediondo, nos termos do art. 1º, VIII, da Lei nº
8.072/90:
Art. 1º São considerados
hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7
de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:
(...)
VIII – favorecimento da
prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente
ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º).
þ
(PC/ES Perito 2019 CEBRASPE) É considerado hediondo o crime de favorecimento da
prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente
ou de vulnerável. (certo)
DOD Questões
Confira essa recente questão de concurso que exige vários
dos conhecimentos acima explicados:
(Promotor MP/AP FGV 2022) Quanto à interpretação conferida ao
delito previsto no Art. 218-B, §2º, I, do Código Penal (“favorecimento da
prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou
de vulnerável”), é correto afirmar que:
(A) não basta que o agente, por meio de pagamento, convença a
vítima a praticar com ele conjunção carnal;
(B) a exploração sexual é verificada quando a sexualidade da
pessoa menor de 14 anos é tratada como mercancia;
(C) a configuração do delito em questão não pressupõe a
existência de terceira pessoa;
(D) a sexualidade de pessoa ainda em formação como mercancia
depende da ação de terceiro intermediador;
(E) não basta que o agente, por meio de pagamento,
convença a vítima a praticar com ele outro ato libidinoso.
Gabarito: letra C